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NAPOLEÃO VALADARES
 (1946-
     )

NAPOLEÃO Emanuel VALADARES nasceu em Arinos (MG). Vivem em Brasília. Diplomado em Direito. É autor de romances, contos, crônicas e ensaios. Conhecido também por suas atividades em prol da cultura, na presidência da Associação Nacional de Escritores – ANE, em vários mandatos e pelas duas edições do Dicionário de Escritores de Brasília, além de ser antologista de poesias e contos.

 

Notável também é a sua RESPOSTA ÀS CARTAS CHILENAS (Brasília: Thesaurus, 1998) em que satirizo os desmandos do ex-presidente Collor. Os versos foram distribuídos anonimamente aos amigos, pelo correio, em dezembro de 1991. As especulações... O autor reuniria “numa só pessoa, além do competente manejo do idioma, conhecimento histórico, teoria literária, sabedoria, sensibilidade e graça, aliados a um humor despido de ressentimentos”, escreveu José Santiago Naud no prefácio da edição da obra. Como Napoleão não costumava publicar poemas, ninguém imaginava ser ele... embora nascido em MG, terra do criador das Cartas Chilenas, obra atribuída ao nosso Tomás Antonio Gonzaga, poeta da Inconfidência Mineira. Escolhemos duas “Cartas” como exemplares da paráfrase em que evoca o bucolismo e os protesto do Gonzaga, na mesma personificação do poeta Critilo ao também poeta Doroteu. Espécie de cantiga de escárnio e mal dizer, mas em tom elegante e culto.                                             (A. M., jan. 2006)

 

REVISTA DA ACADEMIA DE LETRAS DO BRASIL. Ano 3,  No. 6  jul./dez., 2021.          Diretor Flavio R. Kothe.  Brasília, DF: Editora Cajuína/Opção editora, 2021.  146 p.              ISBN 2674-84-95

 

        OSSO DURO DE ROER

       
O  homem  vai   pelejando   pra  viver.
        Sonhando   sempre  ter  paz  e  saúde.
        Sem  ligar   muito  ao  sofrimento rudo.
      Ou   tentando   amarguras    esquecer.

        Daí vem mais tormento  e o  homem vê
        Uma    saída  na    poesia.   Drummond
      Rola  em   sua  alma, dominando   tudo
        O   que    desejo,   pretensão,    querer.

        Depois,  vai  roendo  a  vida    sem tabu
     
E    
vai    brigando   até    Paris,   Madrid,
      Roma,  uma   briga  de   foice no escuro.

        O homem conclui que nem Madrid, Paris
      E  Roma   vem a  ser   o   que   ele  quis.
      Roer   a  vida  é  duro.      É   osso  duro.
 

 


        DOIS RIOS AMO SIM

        D
ois rios amo sim.  Mais do que Cid,
      O Campeador, um dia amou se gládio.
      Indo ou vindo, os meus rios amarei
      Sem dar ouvidos a través e a rádios.

      R
io é feito de amor, e para amar.
      I
sso aprendi, gravei e ensinei
      O que não aprender amar o rio
      S
eu será condenando pelas leis.
     
      Agora vou dizer, agora, agora:
      M
eus rios meio são, começo e fim,
      Os rios correm no meu coração.


      Se ao meu rio Urucaia eu sempre quis,
      Igual amor tenho eu, menina, a ti.
      M
inha amada, dois rios amo sim.
 



        DEUSA

      D
um  alto  pedestal   meu  sonho   vinha
      E
 vinha     forte   como   do    de  David.
      Um      sonho   de vitória  que inda vive.
      Sempre   risonho,      mas    inatingível.

      Aí    cantei,    boêmio,    mas      não vi
      Deusa alguma na rua.   Apenas Nelson,
      O  cantor,   deu   à   lua   e    à   canção
      A  
sua     voz    de    inigualável    som.

        Soube que um dia ela sumiu do bairro.
       F
iquei  na   rua,   sempre   a  namorar
       A lua.     Tenho a lua  e esta saudade...

       L
evo  no   peito a mágoa   que não sai,
       Também   o    violão      pra    consolar
       O  coração  e    a    alma   espedaçada.

VALADARES, Napoleão.  Resposta às cartas chilenas.  Prefácio de José Santiago Naud. Brasília: Thesaurus, 1998.  64 p.  14x21,5 cm.  “Sebastião Valadares “  Ex. bibl. Antonio Miranda

 

                      CARTA 4a

 

        Não é maldito, meu Critilo, o vício

        Dum poeta, que, empunhando a sua pena,

        Descanta em pulcros versos e agasalha

        O Belo na alma de quem sentir possa.

5       As tuas liras à serrana amada

         Foram lição, foram caminho. As letras

        Tiveram brilho, assim como as estrelas,

         Brilho perene! Viste o encantamento

         No pastoreio dum rebanho nédio

10     Que pasce nesses montes mansamente?

         Viste o arrozal que doura nossos campos?

         Pois a poesia também víçou na terra

         De Alcindo, de Glauceste, de Termindo.

         Nós tivemos cantores primorosos:

15     Dias, Azevedo, Freire, Abreu, Varela.

         Outros e outros nasceram. Todos vivem,

         Que um bardo morre só nas aparências,

         Seu canto ecoa atravessando os tempos.

         Sim, meu Critilo, o amante da verdade

20     Os meios busca para descobri-la.

          São mas as palavras. E elas valem

          Para hoje, para sempre: agora os rombos

          Do desgoverno são escandalosos,

          Mas da verdade ninguém mais faz conta

25      Nem é punido quem pratica fraude.

          No estranho balançar dessa gangorra

          O rico sempre sobe e o pobre desce.

          Esse caso é tão triste e deprimente

          Que aqui fecho, Critilo, a minha carta.

 

 

          1-4. Doroteu nega que seja maldito o vício dum poeta, como afirma Critilonos           versos 1,2, 19, 20.

          12. Verificam-se sinéreses neste ycrso e no 15.

          15. Gonçalves Dias, Ál\'ares de Azevedo, Junqucira Freire, Casimiro de Abreu,           Fagundes Varela.

          19-21. Doroteu confinna o que diz Critilo sobre a verdade nos versos 96 e 97. 

 

  

                  CARTA 12a

  

        Vê, meu Critilo, aquela ovelha branca

        Que hoje desceu para beber na fonte:

        Não sente que o pastor, saudoso, prono,

        Olha do monte, erguendo seu cajado,

 5      E roga que ao rebanho ela retome.

        Assim, agora nós temos saudade

        E requeremos na memória a volta

        Dos dias venturosos, esvaídos

        Na neblina do tempo que se foi.

10    Isso é sonhar em vão, porque sabemos

        O que é a vida. Mas teimamos sempre

        Em alentar, co'a força que nos resta,

        As quimeras que embalam méleos sonhos.

        Estou, Critilo, mais que noutros dias

15   — Não me leves a mal — bem saudosista,

        Mas é melhor do que remoer desgraças

        Que nos afligem dia a dia e às quais

        Nós temos que voltar constantemente.

        Eu te falei, Critilo, dum período

20    De cerca de vinte anos, que passamos

        Sob o guante cruel da ditadura Militar.

        Pois ali a corrupção

        Estranhamente andou de corda solta.

        E o novo chefe, na campanha, muito

25    Prometeu acabar co'os "marajás"

        E co'os corruptos, pondo-os na cadeia,

        Mas acabou seguindo a mesma trilha ...

        Por isso o povo o chama de "filhote

        Da ditadura". E o nome lhe assentou.

 
 

1-5. Versos bucólicos, à maneira dos poetas do arcadismo.

19-23. Regime militar de 1964 a 1985. Vide versos 28 e seguintes da carta 1a,

25. Collor tinha como principal slogan acabar com os marajás,

 referindo-se (hipocritamente, movido apenas pela demagogia)

aos funcionários públicos que ganhavam altos salários.

27. Francisco de Oliveira, op. cit., p. 162, viria a afirmar: "Longe de

 ser o primeiro presidente de um  Estado moderno e renovado, Collor na verdade

 foi o presidente de um Estado falido, que sua pirotecnia e sua

megalomania exibiram quase obscenamente.”

28-29. Luiz Werneck Vianna, op.cit., p. 105/106, afirma: “ ...nada mais

que os homens do neoliberalismo de hoje, salvo os cristãos novos do segundo

e terceiro escalões, tenham sido os da Tradição Republicana de ontem, como se

comprova através da história de cada qual, inclusive do atual presidente da

República, originário da ARENA, partido do regime autocrático militar”.



Extraído de:
2011 CALENDÁRIO   poetas     antologia
Jaboatão dos Guararapes, PE: Editora Guararapes EGM, 2010.
Editor: Edson Guedes de Morais

 

/ Caixa de cartão duro com 12 conjuntos de poemas, um para cada mês do ano. Os poetas incluídos pelo mês de seu aniversário. Inclui efígie e um poema de cada poeta, escolhidos entre os clássicos e os contemporâneos do Brasil, e alguns de Portugal. Produção artesanal.

 

 

 

VALADARES, NapoleãoEstesia (Triolés).  Brasília: André Quicé editor, 2010.  128 p.  14x21 cm.  Col. A.M. (EA) 

Definição e exemplos de triolés:

 

O TRIOLÉ

Oito versos. O primeiro
como quarto se repete.
O segundo é o derradeiro.
Oito versos. O primeiro
é o sétimo. E o terceiro,
quinto e sexto, livres. Sete...
oito versos. O primeiro
como quarto se repete.

 
INTROMETIDA

Estrela que pouco brilha
mas está sempre a brilhar;
pequena, as grandes humilha,
estrela que pouco brilha.
Do Cruzeiro última filha,
mas do meu primeiro olhar.
Estrela que pouco brilha,
mas está sempre a brilhar.

 

ESPERANÇA

Depois do não e do nada,
ela ainda está presente.
Tem a face transformada
depois do não e do nada,
suporta qualquer parada
e fica ao lado da gente.
Depois do não e do nada,
ela ainda está presente.

 

VALADARES, Napoleão.  DELÍRIO LÍRICO.  Editor: Waldir Ribeiro do Val.   Rio de Janeiro: Edições Galo Branco, 2008.  144 p.    14 x 21 cm.   ISBN 978-85-7749-O46-2               No. 10 187
Exemplar da biblioteca de Antonio Miranda, exemplar doado pelo
amigo (livreiro)  Brito, em outubro de 2024

 

       Canto I

      
Primeiro, uns arrepios pelo corpo,
        jeito de febre, mal-estar e náusea.
        Depois, uma tontura leve. E, logo,
        mais, o frio que vinha devagar
        e aos poucos aumentava, com aquela
        vontade de ficar al sol. E não
        adiantava o calor do sol e não
        adiantava a coberta, porque o frio    
        vinha de dentro, como grande pedra
        de gelo que, crescendo sempre, sempre,
        tomasse conta e tudo congelasse.
        Frio inclemente. Faz tremer o corpo,
        faz bater queixo, faz ranger os dentes
        e não há nada que o detenha, enquanto
        não vem a febre. E a febre vem tão alta,
        queimando, que o delírio é coisa certa.
        O doente fala coisas desconexas,
        fala variado e nem sequer se lembra
        daquilo que falou, e noutras vezes
        sente vontade de cantar, de versos
        compor, levado pele excitação.
        Um chá faz bem: melhora a náuseas e induz
        a sudação. E, como o suor, a febre
        passa, ficando uma moleza estranha,
        dor de cabeça e má respiração.
        Impaludismo, doença do meu Vale!
        As matas infestadas de mosquitos,
        e a gente contraindo a tremedeira
        Agora vem-me a febre intermitente
        com a onda de falhar um dia, de
        quarenta e oito em quarenta e oito horas,
        com as torturas todas e o delírio.
        E foi nesse delírio que saltei
        do Vale para o Mar Egeu. Desci
        à praia, caminhei e fui a Tróia,
        no extremo noroeste da Anatólia.
        Trinta e três séculos já são passados,
        e eu, tonto, ali na capital de Príamo,
        via o cerco dos gregos, via Ulisses
        com mil astúcias, via Agamenon
        raptando a escrava do guerreiro Aquiles,
        como se não bastasse a justa cólera
        de Menelau, que fez se unirem todos
        os príncipes da Grécia belicosa.
        Não quero repetir nada de Homero:
        isso que narro, em versos empurrados
        pela febre, são cenas que entrevi
        em meio ao tresvario alucinante,
        que se arremata com cruel vertigem.


       
Canto II

     
Não posso evocar musa nem ninguém,
       porque sofrendo febre de malária
       não se pode pedir nenhuma coisa
       que não seja um alívio desta dor,
       que às vezes diminui um pouco, e vem
       certa melhora. Num momento desses
       eu via, da colina, lá na praia,
       uma batalha. Ali pugnava Heitor,
       o maior dos troianos. E era Páris
       e eram tantos o ferro batalhando
       em via e morte. Pouco vi, porque
       uma fumaça densa tomou conta
       de tudo, me impedindo de enxergar.
       Fiquei pensando até que fosse incêndio,
       um fogo ateado no campo inimigo,
       mas percebi que aquilo não passava
       de outra vertigem que eu sofria. Tinha
       terminado a batalha. Pelo jeito,
       não houve vencedores nem vencidos.
       Mas o cerco, mantido. Bem distante
       avistava-se a tenda de um guerreiro
       que não lutara. E assim, a velha Grécia
       sofria com a cólera de Aquiles.
       O grande comandante Agamenon,
       Menelau, rei de Esparta, se irmão,
       e o próprio Aquiles, juntos, não puderam
       penetrar a cidade inexpugnável.
       Aí, a astúcia de um guerreiro, Ulisses,
       que teve a idéia de um cavalo enorme
       feito de pau e feito presente aos
       troianos, domadores de cavalos.
       Mais nada pude ver, porque a fumaça
       cobria tudo. Uma fogueira só
       devorava a cidade, destruía
       numa voracidade arrasadora
       e num calor tão grande, que pensei
       que o mundo se acabava em fumo e treva.
       Mas vislumbrei um vulto que saía
       do meio da fumaça, conduzindo
       uns outros, escapando ao fogaréu.
       Olhei, olhei. Mesmo enxergando mal,
       quase sem ver, reconheci Enéias.
       Dando acordo de mim, verifiquei
       que aquela fumaceira era a vertigem
       atroz, que me assaltava novamente,
       e o medonho calor nada mais era
       que febre e suor debaixo da coberta.
       Arregalei os olhos para ver
       Helena. E nada. Apenas vertigem.


      
*
Página ampliada e publicada em novembro de 2024.      

 


 



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