TUDO OU NADA
Era quase um nada.
Talvez um pouco do nada
Que existe em cada tudo.
Mas o muito de todo nada
Envolveu-lhe em seu sobretudo.
Passou a ser quase tudo
Do que existe em cada nada.
ESCRITO NO ÔNIBUS
E, nessa reviravolta,
Você se volta,
Você se vira
E se revolta.
Remove coisas adormecidas.
Se desilude...
E, nesse redemoinho,
Você se rende,
Se faz moinho,
Desfaz seu ninho...
E, em seu reaparecer,
Você parece
Que até reage.
Mas, desaparece
E reabsorve
Suas emoções...
RESISTÊNCIA
Eu não tenho nada pra dizer.
Qualquer coisa que fosse falar
Já teria falado antes.
Eu não diria o que sinto.
Eu não tenho nada prá expressar.
Qualquer coisa que fosse escrever
Já teria escrito antes.
Eu não expressaria o que sinto.
Eu não tenho nada prá questionar.
Qualquer coisa que fosse perguntar
Já teria perguntado antes.
Eu não questionaria o que sinto.
Eu não tenho nada prá responder.
Qualquer coisa que fosse esclarecer
Já teria esclarecido antes.
Eu não pensaria o que sinto.
Eu não tenho prá pensar.
Qualquer coisa que fosse cogitar
Já teria cogitado antes.
Eu não pensaria o que sinto.
Eu não tenho nada prá mudar.
Qualquer coisa que fosse esperar
Já teria esperado antes.
Eu não mudaria o que sinto.
GRAVIDEZ
(VERSÃO FENOMENOLÓGICA)
Grave pequenez, essa, a minha,
De querer romper-me o útero
Por enamorar-me de ti.
Grave acidez, essa, a minha,
De querer romper-me o estômago
Por desconfiar-me de ti.
Grave morbidez, essa, a minha,
De querer-me tão heróica
Por viver-morrer por ti.
Grave insensatez, essa, a minha,
De querer-me tão correta
Por calar-me o amor por ti.
Grave avidez, essa, a minha,
De querer gerar-me a mim
Por engravidar-me de ti.
Grave avidez, essa, a minha.
De engravidar-me de ti.
Por querer gerar-me a mim!
EROSLOGIA
“Toda a sensitividade traz
O cunho da mentalidade.”
SUZANNE LANGER
Em todo eros,
um cunho de logos.
Na raiz de logos,
um germem de eros.
Na rasura da sensibilidade,
A deserção da razão.
Na razão da rasura,
A deserção de eros.
Na razão efetive,
O afeto arrazoado.
No afeto efetivo,
A razão sublime!
LIBERDADE CONDICIONAL
Denotação X Conotação :
Tênue alteridade.
Significante X Significado:
Tênue especiosidade.
Sensibilidade X Racionalidade:
Tênue continuidade.
Entre o profano e o sagrado,
Tênue singularidade.
Entre o escuro e o claro,
Tênue luminosidade.
Entre a carne e o verbo,
Tênue limiaridade.
Do literal ao simbólico,
A liminar radical:
- Prisão ou Liberdade?
- Tênue equivocidade.
SEMIOSE
Se me apego à letra,
Libera-me o espírito.
Se me aprisiona a carne,
Liberta-me o verbo.
Se me veste Thanatos,
Desnuda-me Eros.
Se me faço de morta,
Desvelo-me Marta.
EPÍTOME
No começo,
tanta erosão.
No caminho,
quanta erudição!
E, no final,
a conclusão:
Tudo isso...
Eros são.
No início,
Haja deferência.
No processo,
Pura irreverência.
E, ao final,
A anuência.
Eis a regra:
Abstinência.
No princípio,
era o verbo.
No percurso,
Fez-se carne.
E, afinal,
Seja em verso
Ou pura prosa:
Fez-se o texto.
Poemas extraídos do livro Eroslogia: a tese do amor.
Brasília: Thesaurus, 2004.. 140 p.
ANUNCIANDO O A
Abre, alavanca e anuncia
o alfabeto, a amanhã e o Ano Novo.
Apta a acessar o verbo amar,
que aduba e alimenta, ao povo,
alma, ação
e afetivo coração.
Primeira estrela a brilhar
em uma constelação.
Letra a é muito mais
que mera preposição,
contrações gramaticais,
pronome demonstrativo
artigo definido,
ou ex notas musicais.
Com ares-fogos de artifício,
articula ato-ofício:
dá asas à imaginação,
atravessa finas alamedas
e alcança largas avenidas.
Afaga, acaricia e arrefece lidas,
adoça, amarga ou as torna azedas,
ameniza ardor e adversidades,
atrai e atura algozes saudades,
afoga ou afasta mágoas e perdas.
Está no ar e está na chuva,
é letra a tingir o arrebol,
primeira vogal, final de uva.
A colorir de amarelo, sol a sol,
ou azulando verde mar e céu anil,
é letra artista. E na água viva, letra anzol
a pescar palavras cores de abril,
ou aquarelas em tons mil.
Aproxima ao chegar
ou afasta na saida.
Apaixona ao saudar,
apazigua ao caminhar,
apavora ao fim da vida.
No abraço ou no abandono
a mestra letra abertura
é também a de apertura
do amigo ou adverso abono.
Acordada e adormecida,
é advir e ir, com ou sem dono.
E se é acesso e dá partida,
a esta atenta e atual costura,
é também a que a abotoa
no ato de despedida.
Amanhecendo, anoitecendo,
anterior ou atrasmente,
apagando ou acendendo,
início ou final, popa ou proa,
é letra que vem à frente
no abc que a Língua entoa.
Acho: não deve ser à toa.
EU CACOS
Cacos de vidro não me cortam mais.
Agora, sou eu quem corto o espelho
com meus próprios cacos.
Cacos de gente, também não sonho mais.
Agora, são os sonhos que me sonham.
E à noite, se esforçam por juntar cacos
e se olharem no eu espelho.
Mas, na cama, só encontram um eu engarrafado,
cacos emendados a enganar sonhos.
Cacos de todas as cores,
miúdos, moídos.... e, depois, cilindricamente colados.
Os sonhos pensam me encontrar
em garrafas de eu refrigerante.
Mas é puro eu-cacos-colados,
armadilha de engarrafar sonhos
e, depois, torná-los também em cacos.
Cacarecos de sonhos.
Espelho em cararecos.
Eu cacos.
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