MARCOS FREITAS
Marcos Airton de Sousa Freitas nasceu em Teresina, Piauí, em 1963. Engenheiro Civil
pela UFPI. Professor e pesquisador da Universidade de Fortaleza, desde 1990, onde criou
o Grupo de Pesquisas em Recursos Hídricos, Meio Ambiente e Computação Aplicada.
Ministrou aulas nos Cursos de Pós-graduação em Engenharia de Software, Gestão
Ambiental e Gestão de Recursos Hídricos. Tem mais de 60 artigos publicados em revistas
e anais de congressos nacionais e internacionais. Consultor na área de meio ambiente e
recursos hídricos. Atualmente, ocupa o cargo de Especialista em Recursos Hídricos da
Agência Nacional de Águas – ANA.
Poeta. Contista. Letrista. Participa em Brasília do Coletivo de Poetas. Lançou, em 2003, o
livro de poesia “A Vida Sente a Si Mesma”. Em 2004, na XXV Feira do Livro de Brasília,
lançou “A Terceira Margem Sem Rio” (poesias). Tem inéditos os livros de poesias “Moro
do Lado de Dentro”, “Quase um Dia” e “Quase mais um Dia” (poesias), além de “Staub
und Schotter“ (poesias em alemão). Participou da Antologia de Poesia, Contos e Crônicas
Livre Pensador (Editora Scortecci, 2003), Antologia de Poetas Brasileiros Contemporâneos
Nº 04 e 24 (CBJE, 2004 e 2006), Panorama Literário Brasileiro 2004/2005: As 100
Melhores Poesias de 2004 (CBJE, 2004) e Antologia de Contos de Autores
Contemporâneos (CBJE, 2005). Premiado em 1º Lugar no II Concurso de Poesia do
Terraço Shopping, Brasília – DF, 2005. É verbete no ‘Dicionário Biográfico Virtual de
Escritores Piauienses”, de Adrião Neto, 2004.
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FREITAS, Marcos. Pedras encastoadas. Poemas novos e relacionados (2008-2023). Editor : Antonio Clauder Alves Araujo e David de Medeiros Leite. Mossoró: Sarau das Letras Editora Ltda, 2023. 260 p. ilus. ISBN 978-65-86269-75-8
Ex. bibl. de Antonio Miranda
Lições do Verde
i.
no gramado verde
ferrugíneas plumagens
jacupembas em bando
ii.
na porta de saída
um casal de saí
azulverdeia o dia
iii.
pés na água
do riacho Taboquinha
borboleta azul em círculos
iv.
o riacho da Cerca
seca
poça a poça
Cerrado
o óleo do buriti
embreja-se em minha pele.
o shampoo do jaborandi
penetra-me as raízes dos cabelos.
a borracha da maniçoba
cola-se à minha vaga mente.
no que sobrou do cerrado,
a juriti canta seu canto triste e derradeiro.
o azeite de pequi
impregna arroz e versos.
a infusão do barbatimão
lava-me o estômago e cicatriza a alma.
os fios do capim dourado
amarram-me a ti, definitivo e inteiro.
no que sobrou do cerrado,
a juriti canta seu canto triste e derradeiro.,
(musicado por Liege Fonseca)
REVISTA DA ACADEMIA DE LETRAS DO BRASIL. No. 8– jan./jun. 2022. Editor: Flavio R. Kothe. Brasília, DF: Editora Cajuína, 2023. 160 p. ISSN 2674-8495
cobra-cipó
sobre a folhagem seca
rasteja a cobra verde
a sabiá — em vivo rasante — bica-lhe a cabeça
amiúde
nem bem amanhecia o dia
o vim-vim já cantava
sua toada recorrente
haboo no meu cerrado
nuvens de poeira
agigantam-se por cima
de prédios, cidades, campos e gerais
metaverso
o que restará na prateleira
das memórias?
da chaleira, a fumaça — em círculo —
desvela um café torrado em grãos.
continentes intransponíveis de resíduos tóxicos
acumulam-se nos oceanos, pântanos, desertos e rios.
no quintal, avatares de vaga-lumes
reluzem
na noite
fria
uma vez outono
outono novamente
longos dias de céu azul
nos espreitam
fissura
minha pele
estendida ao relento
urra palavras
e gemidos de dente
mísseis hipersônicos
os surdos
senhores da guerra
de alma crua
e nua
em plena rua
sempre
sempre
sempre
erram o alvo
no outeiro
a floração do ingá se dá ao zumbido das abelhas
e ao recalcitrante lampejo das despedidas
das rumorosas chuvas
bem se vê que — doravante —
nos azuis duradouros dos dias
as friagens das noites se farão reinar
as formigas seguem em suas trilhas
e o capim orvalhado pende
balouçando
postcards/haicais
1.
nas quadriculadas e numeradas ruas
na foz mansa do grande rio:
platitude. La Plata
2.
quilhas de
Guaiquil
defronte ao Arquipélago de Galápagos
3.
Calle de los Suspiros
Colônia de Sacramento:
farol do sul
Indo à Salta
lâminas de luz
riscam as montanhas
no pôr do sol em Tucumán
Jujuy
não vi o trem para as nuvens
pouco importa:
vi o trem e ouvi as nuvens
Próximo à Barragem Escaba
o quero-quero anuncia
— tal qual lamento ao massacre de Trelew —
o fim triste de mais um dia
deu para sentir o cheiro do mar
deu para sentir o cheiro do mar,
batendo nas pedras do Cais Bar.
— Baleia, uma cerveja gelada, por favor.
— ah, tá! atendo você hoje não.
(Alano Freitas toca no velho piano).
deu para sentir o cheiro do mar.
batendo nas pedras do Cais Bar.
vegetal
tornei-me seco,
mas, com o aviso
das primeiras chuvas,
acompanho os cactos
que medram nas rochas.
Anoitecer em Seul
Luzes de neon tateiam as fachadas
espelhadas de prédios.
Luxuosos e possantes carros despejam
potência nas ruas cirurgicamente limpas.
Muitos jovens, nos bares de Gangnam,
entre dozes de soju, deleitam-se
com pedaços de frangos fritos, enquanto
outros retiram suas máscaras
anticovid para fumar em pé, no canto
de fora, rente ao meio-fio.
O templo budista Bongeunsa
permanece ali, nos seus mil e
duzentos anos, observando a tudo e a todos.
Samjok-o
na Yeouiseo-ro
o róseo
na primavera de sol
Líridas
chuva de meteoros
no céu noturno
e taciturno de outono
massa de ar de alta pressão
plumagem de frio roçam a pele
desprotegida de sonhos:
aragens frescas polares
na relva cristalizada
treme destroços de pensamentos
sucumbo ao desencontro de nuvens
botas acolchoadas
aquecem os pés
no caminho porteira afora,
mundo afora
cá dentro, enrijeço ossos e medula
alinho metas
desalinho sons do céu:
yakecan
entre o fio e a dor
estendo ao tíbio sol
todo amor
Ferro dos Currais
se na Serra dos Curral a casca do buraco
— Espinhaço do Curral del Rey —
não é vista pelo lado de Belo Horizonte,
nos Currais novos do Piauí o buraco
é ainda um grandioso projeto
a aportar no Porto do Suape, em Pernambuco.
insignificâncias à moda de Manoel de Barros
quando tentava ser perfeito,
parecia ser petulante, arrogante, inacessível.
assim, pus-me a ser displicente, desconexo, descontraído.
muitos têm medo do incompreensível.
fiz-me, pois, como uma folha,
um grilo, uma porção de terra,
um bicho qualquer, um ser
um grão de nada.
coreto poético-musical
a matéria e a coar se definem
como texturas de palavras no ar
nos sobretons da magia estelar
refletida no aquarelado chão
segredos pincelados no branco
de chumbo, pigmentados,
nos solos de guitarras
reverberando versos,
no férrico azul prussiano
paisagem lápis-lazúli
Esqueleto social em obra
No pó do cimento e na areia grossa
desfilam a dureza do escalar do prédio.
Pedreiros e mestres de obra em ação, no esquadro da perfeição.
O nhoc! Nhac! da betoneira, no engolir da argamassa trivial.
O dzzzt! bzzzt! sa solda elétrica trazendo clarão.
O blem! blem! do desempeno da chapa metálica.
O clunc! plunc! do tijolo caindo ao chão.
Sinfonia silenciada, tarde da noite, pula-se a derradeira poça
de esgoto a céu aberto, da rua próxima de casa,
para o rápido descanso até a madrugada fria do dia seguinte.
REVISTA DA ACADEMIA DE LETRAS DO BRASIL. Ano 3, No. 6 jul./dez., 2021. Diretor Flavio R. Kothe. Brasília, DF: Editora Cajuína/Opção editora, 2021. 146 p. ISBN 2674-84-95
sem contraindicações
palavras, versos,
sonhos, cores:
alívio certo para as dores
sofá
aquele sofá emprestado, de dois lugares
era tudo o que dispunha no momento
um tanto pequeno para aplainar o corpo comprido,
quiçá os sonhos distantes
prenúncio
cantos de cigarras
formigas ziguezagueando em trilhas
indícios de copiosas águas
rejeitos
no vale enlameado
a vida vale quase nada
só a vale vale?
ICE
a solidão da paisagem
descreve cidades cinza
no correr ligeiro sobre os trilhos
O ÚLTIMO JUMA
(a colher flores de capim-estrela)
a pandemia esboroou a tênue torre de esperança
famintos tritões engoliram o que restou de praia e selva
na entrelinha do dia ressoou lauta vaia ao ano
que ainda não terminou
muitos se foram, entre choros
a vida (sem saber) corroeu o tempo
deitou seus passos no chão
deitou manhãs em flores nos vasos
Amoins Aruká, o grande guerreiro,
o último homem do povo Juma
partiu para sua longa viagem
antecipada pela COVID-19.
Amoin Aruká, sobrevivente
do grande massacre no rio Assuã,
1964, bacia hidrográfica do rio Purus,
comerciantes invadiram as terras dos Jumas,
atrás de sorva e castanhas.
Amorin Aruká agora silencia
e com ele a língua Tupi-Kagwahiva
Amorin Aruká e se papagaio estampado em foto
de Odair Leal para o mundo dos brancos.
como previsto, de nada adiantou
o tal tratamento precoce
a base de azitromicina e ivermectina,
no Hospital Sentinela, Humaitá, Amazonas.
os seus descendentes seguem resistindo
na agora Terra Indígena Juma
mesclados, porém, aos Uru-Eu-Wau-Wau.
Amorin Aruká, o grande guerreiro,
o último tatuado na face, o risco da boca, a orelha
em volta dos lábios
as duas metades: mutum / arara araraúna
o derradeiro guerreiro Juma.
teias de vida
ruídos de tramas
enxames de abelhas
formigas em trilhas
alvorada
rabiscos
de sol
na tela do dia
torrão de açúcar
desmanchado silêncio
na aurora da palavr
o café quente cabe no poema
fio de azeite e queijo
um dia de cão
daqueles que você amanhece
com cara de fotografia no espelho do banheiro
cansado, abatido
um dia de cão
— como milhares de outros iguais —
corre-corre de agendas superpostas
um dia de cão
noite de spaguetti
e folhas de manjericão
inquilino incômodo em um poder de
merda
varridas vidas em leitos sem oxigênio
coisas de doer
descoloridas perspectivas
não mais o almoço de domingo
não mais as flores de primavera
quartos arrumados, mesas postas
repousos de pedra
inútil vazio
e
silêncios
sem despedidas
3 mil ao dia
choros e lágrimas
baque surdo da madeira no barro
cicratizes a serem costuradas pelo esquecimento
diatonicamente
nudez no azul do dia
há pouco uma chuva fina
tocada harpa
[a barra do dia irrompe em desatinos]
a barra do dia irrompe em desatinos
absurdez de cores
e canto de bem-te-vi na manhã fria
no Japão as cerjeiras floresceram mais
cedo
aqui a janela do tempo
fez-se insana
e morredora
beat
o lugar do poema
(tese — antítese — síntese)
é nos agregados, na argamassa de barro
fétida à urina
o lugar do poema
é abrigo, arco reteso,
forma e conteúdo da fala
o lugar do poema
é sina, oficina, ruas
dos que não têm o que comer
o lugar do poema
é o que não-se-faz, e refaz
o lugar do poema
: jazz
na batida metálica da vida
Baixa do Chicão
ao Assis de Sousa Mendes Filho
as canas do canavial de meu pais
enfeitavam o Domingo de Ramos
na Capelinha de Palha
[algo ainda menino miúdo]
sigo ainda menino miúdo
atormentado com a Num-se-pode
escondida por detrás dos lampiões de gás
das Praça das Dores
xerofilia
caatinga, capões, gramael e seridós:
sigo descalço, riscando a trilha,
no desvio dos espinhos das macambiras
embrenhado na mata seca e branca
entre o cheiro bom do mussambé
e o alaranjado dos mulungus.
O Vicente da rua Gabriel Ferreira
de dia, coma grande maestria,
fazia pipas tridimensionais,
que chamávamos de lanternas,
à noite, com divina maestria,
tocava meu rimado pandeiro,
compondo sambas magistrais.
crossover
trens
viagens
paisagens
gens
cópias de si
em mutação
janelas percorrem
o tempo aleatório
`a luta, pois
ao poeta Fred Maia
como está a correr o menino de Oieiras?
a manejar tesouras e serrotes
à vara, a coto ou telão
nas podas das videiras
Rio Itaúnas
ita: pedras unas de dunas
pedra negra
negra dança à beira-rio
Linharinho nagô:
canto iorubá para a branca
farinha de mandioca
onde o córrego Angelim adentra o rio Itaúnas
Rei de Bamba e Rei de Congo
versejam e bailam
no Ticumbi de suas margens,
guardadas por São Benedito.
Antares
ao poeta e tradutor Haroldo de Campos
áspera e resistente
a casca de um poema
estúpida é a dor
coletiva
da ignorância brutal
no trágico
desatino
da agoridade
poesia: resistência
educação dos cinco sentidos
[a ariramba-de-cauda-ruiva]
a ariramba-de-cauda-ruiva
pousou suave
no topo do pé de ingá-feijão
o sol deitou
por entre os galhos da árvore
seus tons de fim de tarde.
REVISTA DA ACADEMIA DE LETRAS DO BRASIL
Ano 2, Número 4, jul./dez. 2020. Brasília, DF. Editora Cajuína. 138 p. ISSN 2574-8495
claridade
a saudade estica o tempo
passado sabor de guapeva
afeição aflita
amor gratuito
paixão pagã
espanto
espasmo
óculos de Miguilim
samba de Oxumaré
balacochê do cavaco
no samba de Oxumarê
o samba é
molejo de cintura
e ginga no pé
trago comigo
meu patuá
lamento de negro
oferendas a Iemanjá
trago comigo
dor e alegria
mistura de raças
destreza e riqueza de Oxumarê
Biribiri
a capistrana, uma esquiva de angola
defronte ao Beco do Mota
lamentos, alaridos, brilhos multifacetados de Diamantina
apitos fabris de Biribiri:
tecidos de vida na urdidura da tarde morna
poentes gris de Biribiri:
águas correntes movedoras de moinhos
Jequitinhonha, jequitibás-rosa em flor
pixídios lenhosos semeando setembros
ditado universal
diz-me do dízimo que doas,
que eu te direi:
o bispo tá “de boas”
cinco estrelas
senhor da guerra
o medo, sabemos, é tua arma mais
poderosa
só não mais que nossas utopias
transcontinentais
senhor da guerra
teu míssil — um dia — explodirá no vazio
do teu túmulo de flores amarelas
senhor da guerra
nada, porém nada impedirá
nossos sonhos de paz
mais além
ao Munzé (Raimundo José)
aquém dos muros de outrora
além dos medos e desesperanças
aquém da angústias de crianças
além dos cantos e das danças
aquém de hoje, além de amanhã
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https://www.visitbrasil.com/pt/destino-teresina-pi/
lagoas marginais do rio Poty
os aguapés e os sapos não moram mais nas lagoas
os aguapés e os sapos não moram mais nas lagoas
essas quedam soterrada exatamente onde ergueram-se
luxuosos shopping centers e ventilados apartamentos
com varandas amplas, de onde pode-se contemplar
o majestoso por-do-sol, o resplandecente tapete verde de aguapés
sempre bem alimentado pelos esgotos não tratados
os aguapés e os sapos não moram mais nas lagoas
os aguapés e os sapos não moram mais nas lagoas
vacaria
da vacaria do Angelim — estrada de Palameirais -
vinha o branco leite dia santo
o galo e seu canto clareando a manhã
de gente e vasilhames em fila: nós meninos.
* * * *
cada dia um de nós a cumprir seu dever
aqueles eram tempos, tempos de haver
(pai, mãe, algazarras, meninos, brinquedos)
o creme de leite fresco gerando manteiga
de se pôr em garrafas
máquinas viventes
seremos máquinas viventes
definhando-nos dia após dia?
seremos máquinas pensantes
destruindo as matas e os mares?
seremos máquinas viventes
metade bichos, metade gente?
era só
era só retirar o pedaço de sabugo de milho
da boca da garrafa
— vendida à beira da estrada
para se deliciar com o olor doce e suave
do mel da florada de assa-peixes
era só largar a bola velha de couro
um chão de pedra
— repartir os times —
suar, se sujar e correr
rumo à alegria do gol de placa
era só quebrar a castanha de caju
ainda quente
— torrada em lata de querosene jacaré —
para se saciar do crocante,
cremoso e agradável sabor
era só ...
e não éramos sós
nada mudou
afinal
o que é hoje o Plano Piloto
era apenas a Fazenda Bananal
poemas dadaístas
ao amigo Eduardo Estelita (Dada), em memória
*
chuva fina ao pé da Baleia
Dada: sorriso de menino
haicai de samurai
**
riso mágico e enigmático
olhos aguçados no tabuleiro
antesala do xeque-mate
***
farol rumo ao sol
semeador de sonhos
sons traversos
ilha e pântano
esquecidos entre os pés de erva-cidreira, garfos, louças
: poemas sujos
ser lido pedras era o desejo do manoel (tinha barros no nome)
inventador de invencionices inventadas e verdadeiras
extradorso do aerofólio
para Antonio Cardoso Neto
a pedra nos dá a lição da dureza
mesmo assim ela não nos satisfaz
pedra: rispidez da água saltitando no poema
citarum river ou plasticidade subjetiva
“I do not know much about gods; but I think that
the river is a strong brown god”.
[ T. S. Eliot ]
ao artista e ativista ambiental Tisna Sanjaya
os peixes poluídos do rio Citarum dividem espaços
e oxigênio da água com as pilhas de garrafas de plásticos.
crianças em saltos plásticos mergulham no meio dos plásticos.
crianças em barcos de alumínio catam, para venda,
latas de alumínios e plásticos.
os peixes poluídos do rio Citarum dividem espaços
o oxigênio da água com as pilhas de garrafas de plásticos..
nas margens e nos pilares de pontes agarram-se enxurradas
de plásticos
coloridos, galhos, vasilhames, carcaças de bois, sofás,
campos de arroz
contaminados, turbilhões de líquidos despejados de
fábricas têxteis.
os peixes poluídos do rio Citarum dividem espaços
e oxigênio da água com as pilhas de garrafas de plásticos.
quantos outros rios — mundo a fora — são também rios
de plásticos?
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REVISTA DA ACADEMIA DE LETRAS DO BRASIL
Ano1, Número 2, jul./dez. 2019. Brasília, DF. Editora Cajuína. 124 p. ISSN 2574-8495
vendilhões
vida
vendida
aos
quatro ventos
vida
perdida
em
pouco
tempo
fakes de valores
no jogo
o blefe
quase sempre
vence
(não demora, torna a perder )
goiabeira
sem ainda
frutos,
sufocada
por arbustos e
trepadeiras.
é o que
se via
da janela
junto à pia
de lavar louças.
curriola
bagas
ovala
das
piloso
fruto
amar
elo:
abiu
zona norte / zona sul (leitura nA Gramna
ao Edmar Oliveira
do Alto do Jurubeba
defronte às portas talhadas por Sebastião Mendes
avisto o rio
e minha rua, partida ao meio
cherita poems
a velha senhora na janela
emoldura as paredes
sem reboco da casa
dentro do lar
o cheiro do pequi
cozinhando
segurança alimentar
jatobás floridos
em fevereiro de chuva
e também veranicos
logo adiante, frutos duros
a gerar farinha
no combate à anemia
.E mo ri O
eu te vejo
luz do sol, som de tambor
eu te vejo
água do mar, canto changô
negro som, negra luz
negro canto, negra água
eu te vejo
luz do sol, som de tambor
eu te vejo
água do mar, canto nagô
navios negreiros, cais do Valongo
caios do Valongo, navios negreiros
operadores do mercado
em uma esquina do centro financeiro de São Francisco, Cali-
fórnia, um sem-teto, invisível aos transeuntes engravatados de cafés
Starbucks nas mãos, migalha — em silêncio — alguns míseros centavos
de dólares.
tomo uma cerveja no Caffe´ Trieste
folheio livros de poesia na City Light Bookstore
declamo poema na North Beach Library
ouço o laureado poeta Jack Hirschman declamar em frente e
um bar
na manhã seguinte, em uma esquina do centro financeiro de
São Francisco, Califórnia, um sem-teto, invisível aos transeunte en-
gravatados de Café Starbucks nas mãos, migalha – em silêncio – al-
guns míseros centavos de dólares.
flashs and floods from América
as águas podres da aurora de Nova Iorque
drenadas e domadas no Central Park,
onde todos tomam sol, tiram fotos
e imaginam dias melhores.
na terça-feira gorda de New Orleans
aiaiás voam sobre o bayou, nos meandros do Missisipi,
eu quero saber, você já viu a chuva? E a cheia do Katrina?
então, no píer de Fairhope,
baía de Mobile, lá onde está o SS Alabama —
pescadores alimentam com catfishes
o velho pelicano de nome George.
questão de forma
“o río que passou agora é lama”
[Márcio Borges]
imagino ser amorfa bastante a forma,
porquanto a maioria das tragédias
ocorre sempre na forma da lei.
os resíduos, empilhados a montante.
as vítimas, enterradas a jusante.
os lucros, acumulados nos bancos.
elfchen
lilás
as flores
que eu vejo
no meio da mata
quaresma
tiros, tiros, tiros (complexo de vira-latas)
tiros em Columbine
tiros em Realengo
tiros em Parkland
tiros em Suzano
tiros em Highlands Ranch
tiros em Sorocaba
tiros em El Paso
tiros em...
----------------------------------------------------
(ps: nem bem deu uma semana da escrita deste poema, um
ônibus transversal da ponte Rio-Niterói)
es steht geschrieben
“O trágico ainda continua sendo possível, embora não mais a
tragédia pura.” Dürrenmatt.
o povo não come.
sim, ainda há muita fome.
sim, o povo passa fome.
céu de pirilampos de Quixeramobim
uauá do Antônio Conselheiro
pirilampos da caverna Ruakuri vagam no céu dos mundos
famintos buracos negros supermassivos devoram milhares
de estrelas
#15
pisando o chão das ruas
estudantes clamam por educação
por educação
por educação
(pode crer)
sobre seiva, transpiração e o silêncio das plantas
para Wislawa Szymborska
o silêncio das plantas
imperceptível — quase —
como a marcha dos neonazistas sobre os
escombros da cambaleante pseudemocracia
alemã
o silêncio das plantas
imperceptível — quase —
como o gafanhoto escondido d´As Oliveiras
de van Gogh.
as plantas agarram-se à terra
fincam profundas raízes
suspiro
clarividente, mostro os dentes.
é assim que se
atesta a qualidade dos cavalos.
ao primeiro relâmpago
seguro o medo e
aguardo o miraculosos estrondo do trovão.
sorrateiro, murmuro sombras
diante da página branca:
espelho vazio de mim.
o agora longevo frio inverno e
do céu azul, em breve explodirá
em flores brancas de cagaitas e ipês.
inocente, irei torcer
pelo fim do desmonte
da nossa frágil democracia.
*******
TEXT IN ENGLISH- Textos em Alemão - Deutsche
Marcos Freitas, geboren 1963, studierte in Teresina und Fortaleza (Brasilien), Göttingen und Hannover (Deutschland) Bauingenierwesen. Von 1991 bis 2018 Lehrtätigkeit als Professor für Bauingenierwesen und Informatik an der Universität von Fortaleza. Mehr als 30 Gedichte Bücher im In- und Ausland machten sein Werk auch international bekannt. Er lebt seit 2001 in Brasília. Er ist Mitglied der National Association of Writers (ANE) und der Brazilian Union of Writers (UBE).
VERSION FRANÇAISE
LAVOURA DE GALÁXIAS
1.
Minha mãe
se foi
meio sem
de mim se despedir.
O poeta
se fez rouco.
O poeta
se fez mouco.
2.
Ser forte
era preciso.
Não chorar
era preciso.
Chorei.
3.
O cotidiano
se tornou um vazio
entre os meses do ano.
O céu, tédio:
nuvens de peixes
no cinza do rio.
Ruas e praças
sem nomes nas placas.
4.
A chave dos sonhos
abriu galáxias de estrelas.
5.
Já não me engasgo, mãe.
Apenas com o soluço
de tua ida,
aos mundos dos ventos.
6.
O terraço de minha infância
há de ser sempre
o entreabrir de teu sorriso.
(meigo, simples)
7.
Domingos serão locomotivas de auroras
brotando nas roseiras
cuidadas no jardim de casa.
8.
Um dia – sem querer –
inventarei de inventar palavras e sons.
Quando nasci, chorei.
9.
As horas (haverá relógio para medí-las?)
pátinas de um grande armário
repleto de fina porcelana chinesa.
Meras memórias de vozes e silêncios.
10.
Diafragmáticas rotas de ar.
(microvilosidades de sonhos)
Sopro de espantos, além.
11.
No sossego infinito do quarto vazio,
aonde
arrumar doravante teus chinelos
embaixo da cama?
12.
O que coser na velha máquina Singer?
Nossas antigas roupas de criança?
Dedilha, bem sei mãe, na nova harpa
sutis sons de galáxias,
estalos eternos de amor.
RUA DO BARROCÃO
no quintal da minha infância
brotavam goiabas
vermelhas, brancas.
no terraço de minha adolescência,
entre bolas e bilas,
cresciam amizades sólidas.
hoje,
homem maduro,
ainda planto sonhos
e aguardo frutos.
ESTADO DEMOCRÁTICO DE POESIA
que não se organize a poesia em parágrafos,
mas em versos e não versos.
que nas intermináveis listas de considerandos,
considerem-se todas as formas de poesia.
que nunca mais se torturem as palavras.
que se abominem as quadrilhas (somente
as quadras serão permitidas)
que não se dilapide o patrimônio poético nacional.
que se preserve o direito da palavra de ir e vir
e voar,
caso queira.
1ª. BIENAL DO B – A POESIA NA RUA. 26 a 28 de Setembro de 2012. Brasília: Açougue Cultural T-Bone, 2011. 154 p. ilus. col. 17x25 cm.
Irreversibilidade
o tempo presente,
presente de um deus?
o tempo passado,
passado sem os meus,
o tempo futuro,
futuro para os seus?
Traducción por el mismo autor
CULTIVO DE GALAXIAS
1.
Mi madre
se fue
medio sin
despedirse de mí.
El poeta
se quedó ronco.
El poeta
se volvió sordo.
2.
Ser fuerte
era preciso.
No llorar
era preciso.
Lloré.
3.
Lo cotidiano
se hizo vacío
entre los meses del año.
El cielo, tedio:
nubes de peces
en el gris del río.
Calles y plazas
sin nombres en las placas.
4.
La llave de los sueños
abrió galaxias de estrellas.
5.
Ya no me atraganto, madre.
Solo con el espasmo
de tu marcha,
a los mundos de los vientos.
6.
La terraza de mi infancia
ha de ser siempre
el esbozo de tu sonrisa.
(tierna, simple)
7.
Domingos que serán locomotoras de auroras
brotando en la rosaleda
emparrada en el jardín de casa.
8.
Un día —sin querer—
inventaré inventar palabras y sonidos.
Cuando nací, lloré.
9.
Las horas (¿habrá reloj para contarlas?)
patinas de un gran armario
repleto de fina porcelana china.
Meras memorias de voces y silencios.
10.
Diafragmáticas rutas de aire.
(microvellosidades de sueños)
Maravilloso aliento del más allá.
11.
En el infinito sosiego del cuarto vacío,
¿cómo
acomodar en adelante tus chancletas
debajo de la cama?
12.
¿Qué coser en la vieja máquina Singer?
¿Nuestra vieja ropa de la infancia?
Pulsas, bien lo sé madre, en la nueva arpa
sutiles sonidos de galaxias,
eternos estruendos de amor.
CALLE DEL BARROCÃO
en el patio de mi infancia
brotaban guayabas
rojas, blancas.
en la terraza de mi adolescencia,
entre pelotas y canicas,
crecían amistades sólidas.
hoy,
hombre maduro,
aún planto sueños
y aguardo frutos.
ESTADO DEMOCRÁTICO DE LA POESÍA
que no se organice la poesía en párrafos,
sino en versos y reversos.
que en las interminables listas de considerandos,
se contemplen todas las formas de poesía.
que nunca más se torturen las palabras.
que se abomine de las cuadrillas (sólo
se permitirán las cuartetas)
que no se dilapide el patrimonio poético nacional.
que se preserve el derecho de la palabra a ir y venir
y a volar,
si es que así lo desea.
FREITAS, Marcos. Na tarde que se avizinha e outros poemas. Columbus, S/USA: Kindle Amazon.com, 2019. s.p. Capa:Marcos Airton de Sousa Freitas. Prefácio: Antonio Miranda. ISBN 978-170236472-20 Ex. bibl. Antonio Miranda
QUIMERA
I
longe
de mim?
pois sim.
II
o dia amanheceu
o sol subindo
eu dormindo
III
empresto ao regato
meu corpo sujo
de verde lama
IV
te traço
sem o menor
embaraço
V
te descrevo
às claras
ou em segredo
VI
se amor
não era
o que me espera?
VII
será pólvora
ou festim?
diz para mim
VIII
vida
de cão?
pois não.
FREITAS, Marcos. Cem poemas escolhidos de Marcos Freitas. Brasília: Edição do Autor, 2018 Impçresso em /Middletown,DE, USA: Amazon.com.2019/ s.p. 15 X 23 cm. ISBN 978-17916489094
Ex. bibl. Antonio Miranda
CACIMBA BARRENTA
lassidão de horas na flecha do tempo,
o curumim chora, gente que sofre
baixinho
o índio aguarda
a aguada que nunca chega
imensidão de tempo
flecha de horas que chora
baixinho
poço seco, rio seco
nova roça
perdida
DESFERROLHADOS
e assim sou:
água boa
de Savary.
e assim vou
subir o morro
celebrar missa
(em latim)
com Waly.
e assim vou
apodrecer à beira-mar:
pera ou rio Anil
da ilha de Gullar?
e assim sou:
ou cogito ser
agora. -
FREITAS, Marcos. de arrodeios. Brasília, DF: 2017. Ilus. fot. Prefácio por Marcos Fabricio Lopes da Silva. Fotos de Marcos Airon de Sousa Freitas. Impresso Middletown, DE, AS, pela Amazon. Com 2018. ISBN 978-197-684-977-7-0 Ex. bibl. Antonio Miranda
Os poetas Abhay K., Maracos Freitas e Antonio Miranda no lançamento do livro no tradicional restaurante de Brasilia BEIRUTE, dia 25 de abril de 2018.
“Marcos Freitas projeta-se como poeta contemporâneo no sentido meritório que Giorgio Agambem empresta ao termo: “Contemporâneo é aquele que mantém fixo o olhar no seu tempo, para nele perceber não as luzes, mas o escuro”. O que caracteriza a poesia de Marcos Freitas é uma nítida preocupação existencial, sem descuidar de uma fidelidade muito peculiar ao universo íntimo/slsírico, com que transita sem derramentos, porém com fulturante cristalinidade. São instâncias em que a sua arquitetura prescinde de rodeios formais ou contorcionismos de linguagem para falar da geografia afetiva, das dores, dilemas & delícias do ser contemporâneo, tão deslocado nesses tempos de coisificação e etiqueta: “ MARCOS FABRÍCIO LOES DA SILVA
INFÂNCIA
correndo sobre os muros vizinhos
fugindo aos estrepes de cacos de vidros
até atingir ruinarias casas abandonadas
(intermináveis disputas cartoriais de heranças)
assentadas sobre lajens fraturadas
percorrendo oficinas de carros velhos
atrás de rodas para os carros de rolimãs.
correndo descalço em campos de terra batida
atrás de bolas velhas de couro rasgado.
escolhendo talos de cocos de cercas divisórias
para os futuros papagaios suras, coloridos.
sempre correndo, nunca parado.
sempre aprontado, algo.
LEMBRANÇAS
o vento terno me traz saudade de um tempo não vivido:
um quê de encanto doce e suave de flores de laranjeiras.
e na secura de setembro árido dos planos centrais, explode
como chuva esperada e feliz de primavera tórrida e tardia.
sua dança — água em talvegues — infiltra-se nas camadas.
saudade, saudade de um tempo que ainda não vivi.
ÊSTE MÊS
neste mês, teu beijo: canto de pássaro
neste mês, teu afago: balanço de águas
neste mês, meu deleite: fogo de brasa
neste mês, meu desejo: estampido de estrelas
Em Marcos Freitas, a palavra é substantiva, fala tanto pelo insinuado quanto pelos silêncios. Reverbera uma voz múltipla, intensa e com uma sutil carga metafórica que comunica um peculiar sentimento do mundo. Uma escritura que emerge do olhar profundo e cirúrgico de um autor que busca na condição humana e seus labirintos psicológicos e sociais uma rica matéria estética para refletir sobre a nossa incompletude e nossos desassossegos:
SHUUKATSU
não conseguirei escrever
nenhum verso com minhas cinzas.
com elas, sequer,
escreverei a palavra amor.
Não sei, ao menos,
se chegarei à hora marcada.
O livro de arrodeios é composto por versos pelos quais ecoam vozes que se entrelaçam, se confrontam e questionam a realidade, a existência e a própria linguagem num caleidoscópio de referências consagradas e alternativas. Estamos diante de um poeta claramente afeito ao risco permanente e avesso aos lirismo muxoxos. Sua poética destaca-se pela combinação virtuosa entre economia verbal e densidade de significados, reunindo, no labor criativo, poder de síntese com saber de análise.” MARCOS FABRÍCIO LOPES DA SILVA
FREITAS, Marcos. Sentimento oceânico (verdesveredas ou cantos de jurema nas quenturas do bê-erre-ó-bró). São Paulo: Catramano, 2015. 124 p. 14x21 cm. ISBN 978-85-64471-45-0
“Como vocês vão constatar aqui, Marcos Freitas está ainda melhor.” ANTONIO MIRANDA
LAVOURA DE GALÁXIAS
1.
Minha mãe
se foi
meio sem
de mim se despedir.
O poeta
se fez rouco.
O poeta
se fez mouco.
2.
Ser forte
era preciso.
Não chorar
era preciso.
Chorei.
3.
O cotidiano
se tornou um vazio
entre os meses do ano.
O céu, tédio:
nuvens de peixes
no cinza do rio.
Ruas e praças
sem nomes nas placas.
4.
A chave dos sonhos
abriu galáxias de estrelas.
5.
Já não me engasgo, mãe.
Apenas com o soluço
de tua ida,
aos mundos dos ventos.
6.
O terraço de minha infância
há de ser sempre
o entreabrir de teu sorriso.
(meigo, simples)
7.
Domingos serão locomotivas de auroras
brotando nas roseiras
cuidados no jardim de casa.
8.
As horas (haverá relógio para medi-las?)
pátinas de um grande armário
repleto de fina porcelana chinesa.
Meras memórias de vozes e silêncios.
10.
Diafragmáticas rotas do ar.
(microvilosidades de sonhos)
Sopro de espantos, além.
11.
No sossego infinito do quarto vazio,
aonde
arrumar doravante teus chinelos
embaixo da cama?
12.
O que coser na velha máquina Singer?
Nossas antigas roupas de criança?
Dedilha, bem sei mãe, na nova harpa
sutis sons de galáxias,
estalos eternos de amor.
ESTRADA, PÓ E POEIRA
estrada, pó e poeira:
marcos
das estradas mineiras.
lua,
transpor de pontes:
banhos de cachoeiras.
milho verde:
verdes olhos
a refletir desejos.
estrada, pó e poeira:
ora pro nobis
serras sem fim.
|
De
Marcos Freitas
URDIDURA DE SONHOS E ASSOMBROS
(Poemas Escolhidos 2003-2007).
Apresentação de Antonio Miranda
Rio de Janeiro: Câmara Brasileira de Jovens Escritores, 2010
280 p. (Com apoio de FAC/DF)
POÉTICA
1
Que é Poesia?
uma ilha
cercada
de palavras
por todos
os lados.
2
Que é o Poeta?
Um homem
que trabalha
com o suor de seu rosto.
Um homem
que tem fome
como qualquer outro
homem.
FOTO TABOCA
Quem não deixou
sua alma aprisionada
em 3X4
no lambe-lambe
do Seu Chiquinho
na Praça da Bandeira?
QUATRO TEMPOS
na madrugada fria
tua alada companhia
na manhã quente
novo desejo de repente
na tarde morosa
tua língua saborosa
na noite sem dança
apenas uma lembrança
NADA A VAU
recrio-lhe
enchendo-lhe de chamego
mordo-lhe o pé
e o que mais quiser
sugo-lhe a vulva
qual a uma uva
faço-lhe esquecer o mundo
fácil... indo-lhe bem fundo
Extraído de QUASE UM DIA. Rio de Janeiro: Câmara Brasileira de Jovens Escritores, 2006. 95 p.
O POETA E O DESTINO
o poeta é um cretino
que ama sem destino
(o) certo
o poema é seu destino
apesar de cretino
o verso
existe porém
o verso certo
um ser cretino
e um destino?
QUADRO
hoje sim
quero te descrever
em cores
lambuzar-te de tintas
no lugar dos seios
riscos rápidos
no lugar dos braços
formas curvas
em perspectivas
no lugar das pernas
pingos, pingos e mais pingos
esparramar suave em ondas
teu ventre em chamas
hoje sim
adoraria borrar
todo esse quadro
com um jorro de tinta
PANO DE CHÃO
com que direito
o poeta invade sonhos
com que direito
o poeta causa danos
com que direito
o poeta tece palavras
como que pedaços de panos
AFLORAÇÕES
fuga de corrente?
quem sabe
meu coração
não tem voltímetro
súbito?
quem sabe
meu trapézio
não tem lona
chuva de maio?
quem sabe
meu querer
não tem ensaio
desvario?
quem sabe
minha calçada
não tem meio-fio
LEMBRANÇAS
nas barrancas do meu rio
habitam as lembranças
das garças brancas
ACIDENTE
não sei
se escapo
ileso
da batida
de teu
coração
NENHUMA CARTA EM MEU NOME
de soslaio
a memória de teu rosto
cravado na rocha da ausência: fotografia.
o vento quente sopra a cor do esquecimento:
sombria melancolia do dia-a-dia.
tentei entender teu nome e nossos minutos
como se houvera fruta na fruteira
de minha existência.
o domingo desabitado fareja o ronco do motor
de meu carro empoeirado.
nada, nada além de silêncio e pó.
há mais de um ano, nenhuma carta em meu nome.
NA TARDE QUE SE AVIZINHA
sejamos eternos, querida,
mesmo na plenitude de nossa ira.
chega de nossos discursos prontos,
não suportamos mais esperar o fim do verão.
estranhamos, em silêncio, conselhos dos mais velhos.
tentamos, inutilmente, reler os jornais passados;
o que buscamos nas páginas surradas?
a paisagem se adensa na geografia das ruas
de nossa cidade desconhecida.
mergulhemos no assombro de nosso desejo;
é sempre possível a palavra mais pura e límpida, querida,
mesmo fora de nosso dicionário.
o cheiro do feijão, em panela de ferro,
reacende o fogo de lenha da imaginação: o relógio da manhã.
herdeiros de nossa própria memória,
divisamos a rua de nossa fraqueza e ausência, na tarde que se avizinha.
o leito seco do rio aguarda a estação chuvosa nas cabeceiras;
depositemos, pois, iguarias e provisões na vazante de nossas horas.
sejamos eternos, querida,
mesmo na finitude de nosso dia.
FREITAS, Marcos. Eternal Return and Other Poems: the selected poems of marcos freitas: anthology in three languages (portuguese - russian - english) (English Edition) eBook Kindle
Veja / See the e-book no Amazon.com:
https://www.amazon.com.br/Eternal-Return-Other-Poems-portuguese-ebook/dp/B07ZG64VFG/
NEW BRAZILIAN POEMS. A bilingual anthology after Elizabeth Bishop.
Translated & edited by Abhay K.. Preface by J. Sadlíer. Rio de Janeiro:
Ibis Libris, 2019. 128 p. 16 x 23 cm. ISBN 978-85-7823-326-6
Includes 60 poets in Portuguese and English Ex. bibl. Antonio Miranda
Fronteira
ronda inútil
limites de meu nada
as horas longas de sonhos
as leves madrugadas alheias ao mundo
fronteira de alegria infinita
eis-me, novamente.
Frontier
useless round
limits of my nothingness
the long hours of dreams
the light dawn indifferent to the world
frontier of infinite happiness:
here I am again.
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FREITAS, Marcos. Inquietudes de horas e flores. Inquietudes de horas y flores. Edição bilíngue Português – Español. Tradução Carlos Saiz Alvarez. Rio de Janeiro: Livre Expressão Editora, 2011. 116 p. 14x21 cm. Capa: Enita Souto. ISBN 978-85-7984-262-7 “ Marcos Freitas “ Ex. bibl. Antonio Miranda
AFLORAÇÕES
fuga de corrente?
quem sabe
meu coração
não tem voltímetro
Súbito?
quem sabe
meu trapézio
não tem lona
chuva de maio?
quem sabe
meu querer
não tem ensaio
desvario?
quem sabe
minha calçada
não tem meio-fio
AFLORACIIONES
¿fuga de corriente?
quién sabe
mi corazón
no tiene voltímetro
¿súbito?
quién sabe
mi trapecio
no tiene red
¿lluvia de mayo?
quién sabe
mi querer
no tiene ensayo
¿desvarío?
quién sabe
mi carretera
no tiene acera
VERSION FRANÇAISE
FREITAS, Marcos. Nous sommes nos songes. Texte établi, traduit et présenté par Oleg Almeida. ´Brasília: Edição do Autor, 2019. Impresso em/ Middletown, DE, USA: Amazon.com.2019/ s.p. ISBN 978-17289099998 15 X 23 cm. Ex. bibl. Antonio Miranda
L'ÉTERNEL RETOUR
La poésie
m'effleure l'esprit
sans heure ni date choisies.
Quelquefois,
elle tarde à venir,
même lorsqu'on sue,
la plantant, une bêche à la main.
Ce n'est pas toujours
qu'elle pousse,
même lorsqu'on l'arrose
avec de l'eau ou du vin.
Et pourtant,
elle rentre toujours
dans mon cœur
et me rend fou
de bonheur.
ETERNO RETORNO
a poesia
aflora
sem hora
sem data marcada
a poesia, às vezes
demora
mesmo plantada
a pá, a enxada
a poesia nem sempre
brota
mesmo regada
a muita água ou vinho
a poesia
no entanto
sempre retorna
e me entorna
de alegria
THÉORÈME
À chaque coin de rue,
je me disperse :
y a-t-il un poème sans émotion ?
A chaque coin de rue,
je me résous :
une équation sans solution.
A chaque croisée, j'extrais
la racine cubique
de mon cœur.
A chaque quartier,
je me vois carré,
les rues de cette cité
n'ayant pas de coins.
Serait-ce là mon destin,
ce comptage
sans fin ?
TEOREMA
a cada esquina
me disperso
há poema
sem emoção?
a cada esquina
me resolvo
equação sem solução
a cada quina
o triplo de mim
raiz de meu coração
a cada quadra
me desenquadro
nesta cidade
sem esquina
é minha sina
irracional
enumeração?
Rio Parnaíba, Piauí, Brasil
https://pt.wikipedia.org/wiki/Rio_Parana%C3%ADba
FREITAS, Marcos. 9º. Mexidão Poético do Verde. (Poemas ) 20 de maio de 2023. Brasília, DF: 2023. 16 p.
Ex. bibl. Antonio Miranda
MATA CILIAR
sob cérula abóboda em balsa de buritis
de bravos argonautas
pretendia descer o rio Parnaíba.
após a terceira curva
(espanto) a balsa encalhou
em imenso banco de areia.
sonhos de sedimentos
acumulados anos a fio.
homens cegos — e covardes
arrancaram os cílios do rio.
(musicado por Raphael Mendes)
Página atualizada em julho de 2015.Ampliada em agosto de 2016; Página republicada em abril de 2018; amapliada em maio de 2019;ampliada em novembro de 2019; PÁGINA ampliada em novembro de 2020
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