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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



MARCOS FREITAS



  

Marcos Airton de Sousa Freitas nasceu em Teresina, Piauí, em 1963. Engenheiro Civil pela UFPI. Professor e pesquisador da Universidade de Fortaleza, desde 1990, onde criou o Grupo de Pesquisas em Recursos Hídricos, Meio Ambiente e Computação Aplicada.

Ministrou aulas nos Cursos de Pós-graduação em Engenharia de Software, Gestão Ambiental e Gestão de Recursos Hídricos. Tem mais de 60 artigos publicados em revistas e anais de congressos nacionais e internacionais. Consultor na área de meio ambiente e recursos hídricos. Atualmente, ocupa o cargo de Especialista em Recursos Hídricos da
Agência Nacional de Águas – ANA.

 

Poeta. Contista. Letrista. Participa em Brasília do Coletivo de Poetas. Lançou, em 2003, o livro de poesia “A Vida Sente a Si Mesma”. Em 2004, na XXV Feira do Livro de Brasília, lançou “A Terceira Margem Sem Rio” (poesias). Tem inéditos os livros de poesias “Moro
do Lado de Dentro
”, “Quase um Dia” e “Quase mais um Dia” (poesias), além de “
Staub und Schotter (poesias em alemão). Participou da Antologia de Poesia, Contos e Crônicas Livre Pensador (Editora Scortecci, 2003), Antologia de Poetas Brasileiros Contemporâneos
Nº 04 e 24 (CBJE, 2004 e 2006), Panorama Literário Brasileiro 2004/2005: As 100 Melhores Poesias de 2004 (CBJE, 2004) e Antologia de Contos de Autores Contemporâneos (CBJE, 2005). Premiado em 1º Lugar no II Concurso de Poesia do Terraço Shopping, Brasília – DF, 2005. É verbete no ‘Dicionário Biográfico Virtual de Escritores Piauienses”, de Adrião Neto, 2004.
 


FREITAS, Marcos.  Pedras encastoadas.  Poemas novos e relacionados (2008-2023).  Editor : Antonio Clauder Alves Araujo  e David de Medeiros Leite.  Mossoró: Sarau   das Letras Editora Ltda, 2023.  260 p.   ilus.   ISBN 978-65-86269-75-8
                                                          Ex. bibl. de Antonio Miranda

                Lições do Verde

             
i.
              no gramado verde
                       ferrugíneas plumagens
              jacupembas em bando

              ii.
              na porta de saída
                        um casal de saí
              azulverdeia o dia

              iii.
              pés na água
                        do riacho Taboquinha
              borboleta azul em círculos

              iv.
              o riacho da Cerca
                         seca
              poça a poça


              Cerrado

            
o óleo do buriti
               embreja-se em minha pele.
               o shampoo do jaborandi
               penetra-me as raízes dos cabelos.
               a borracha da maniçoba
               cola-se à minha vaga mente.

                no que sobrou do cerrado,
                a juriti canta seu canto triste e derradeiro.

                o azeite de pequi
                impregna arroz e versos.
                a infusão do barbatimão
                lava-me o estômago e cicatriza a alma.
                os fios do capim dourado
                amarram-me a ti, definitivo e inteiro.
               
                no que sobrou do cerrado,
                a juriti canta seu canto triste e derradeiro.,

                         
(musicado por Liege Fonseca)



REVISTA DA ACADEMIA DE LETRAS DO BRASIL.  No. 8jan./jun. 2022. Editor: Flavio R. Kothe. Brasília, DF: Editora Cajuína,  2023. 160 p. ISSN 2674-8495

 

       
     
cobra-cipó

      
sobre a folhagem seca
      rasteja a cobra verde
      a sabiá — em vivo rasante — bica-lhe a cabeça
     

      amiúde

      
nem bem amanhecia o dia
      o vim-vim já cantava
      sua toada recorrente


     
haboo no meu cerrado

       
nuvens de poeira
      agigantam-se por cima
      de prédios, cidades, campos e gerais


     
metaverso

     
o que restará na prateleira
      das memórias?
      da chaleira, a fumaça — em círculo —
      desvela um café torrado em grãos.
      continentes intransponíveis de resíduos tóxicos
      acumulam-se nos oceanos, pântanos, desertos e rios.
      no quintal, avatares de vaga-lumes

                                                          reluzem
                                                          na noite
                                                          fria

     
uma vez outono

    
outono novamente
     longos dias de céu azul
     nos espreitam


    
fissura

      minha pele
     estendida ao relento
     urra palavras
     e gemidos de dente


    
mísseis hipersônicos

     os surdos
     senhores da guerra
     de alma crua

                        e nua
                        em plena rua

     sempre
     sempre
     sempre
     erram o alvo


     
no outeiro

      
a floração do ingá se dá ao zumbido das abelhas
      e ao recalcitrante lampejo das despedidas
      das rumorosas chuvas

      bem se vê que — doravante —
      nos azuis duradouros dos dias
      as friagens das noites se farão reinar

      as formigas seguem em suas trilhas
      e o capim orvalhado pende
      balouçando


     
postcards/haicais


      1.

      nas quadriculadas e numeradas ruas
      na foz mansa do grande rio:
      platitude. La Plata


      2.

      quilhas de
      Guaiquil
      defronte ao Arquipélago de Galápagos

     
      3.

      Calle de los Suspiros
      Colônia de Sacramento:
      farol do sul


       
Indo à Salta

       
lâminas de luz
       riscam as montanhas
       no pôr do sol em Tucumán


      
Jujuy

        
não vi o trem para as nuvens
       pouco importa:
       vi o trem e ouvi as nuvens


      
Próximo à Barragem Escaba

       
o quero-quero anuncia
       — tal qual lamento ao massacre de Trelew —

 
       
o fim triste de mais um dia   


       deu para sentir o cheiro do mar

       
deu para sentir o cheiro do mar,
       batendo nas pedras do Cais Bar.

       — Baleia, uma cerveja gelada, por favor.
       — ah, tá! atendo você hoje não.

       (Alano Freitas toca no velho piano).

       deu para sentir o cheiro do mar.
       batendo nas pedras do Cais Bar.


         vegetal

         tornei-me seco,
         mas, com o aviso
         das primeiras chuvas,
         acompanho os cactos
         que medram nas rochas.


         Anoitecer em Seul

          
Luzes de neon tateiam as fachadas
         espelhadas de prédios.
         Luxuosos e possantes carros despejam
         potência nas ruas cirurgicamente limpas.
         Muitos jovens, nos bares de Gangnam,
         entre dozes de soju, deleitam-se
         com pedaços de frangos fritos, enquanto
         outros retiram suas máscaras
         anticovid para fumar em pé, no canto
         de fora, rente ao meio-fio.
         O templo budista Bongeunsa
         permanece ali, nos seus mil e
         duzentos anos, observando a tudo e a todos.

 


         Samjok-o

         
na Yeouiseo-ro
         o róseo
         na primavera de sol


         Líridas

         chuva de meteoros
         no céu noturno
         e taciturno de outono


          massa de ar de alta pressão


         plumagem de frio roçam a pele
         desprotegida de sonhos:
         aragens frescas polares

         na relva cristalizada
         treme destroços de pensamentos

         sucumbo ao desencontro de nuvens
         botas acolchoadas
         aquecem os pés
         no caminho porteira afora,
         mundo afora

        cá dentro, enrijeço ossos e medula
        alinho metas
        desalinho sons do céu:
        yakecan

        entre o fio e a dor
        estendo ao tíbio sol
        todo amor


        
        Ferro dos Currais

       
se na Serra dos Curral a casca do buraco
        — Espinhaço do Curral del Rey —
        não é vista pelo lado de Belo Horizonte,
        nos Currais novos do Piauí o buraco
        é ainda um grandioso projeto
        a aportar no Porto do Suape, em Pernambuco.


 insignificâncias à moda de Manoel de Barros

 
quando tentava ser perfeito,
 parecia ser petulante, arrogante, inacessível.
 assim, pus-me a ser displicente, desconexo, descontraído.
 muitos têm medo do incompreensível.
 fiz-me, pois, como uma folha,
 um grilo, uma porção de terra,
 um bicho qualquer, um ser
 um grão de nada.


 coreto poético-musical

 a matéria e a coar se definem
 como texturas de palavras no ar
 nos sobretons da magia estelar
 refletida no aquarelado chão

 segredos pincelados no branco
 de chumbo, pigmentados,
 nos solos de guitarras
 reverberando versos,
 no férrico azul prussiano
 paisagem lápis-lazúli

 

 Esqueleto social em obra

 
No pó do cimento e na areia grossa
 desfilam a dureza do escalar do prédio.
 Pedreiros e mestres de obra em ação, no esquadro da perfeição.

 O nhoc! Nhac! da betoneira, no engolir da argamassa trivial.
 O dzzzt! bzzzt! sa solda elétrica trazendo clarão.
 O blem! blem! do desempeno da chapa metálica.
 O clunc! plunc! do tijolo caindo ao chão.
 
 Sinfonia silenciada, tarde da noite, pula-se a derradeira poça
 de esgoto a céu aberto, da rua próxima de casa,
 para o rápido descanso até a madrugada fria do dia seguinte.


REVISTA DA ACADEMIA DE LETRAS DO BRASIL. Ano 3,  No. 6  jul./dez., 2021.          Diretor Flavio R. Kothe.  Brasília, DF: Editora Cajuína/Opção editora, 2021.  146 p.              ISBN 2674-84-95

 

       

        sem contraindicações

        
palavras, versos,
        sonhos, cores:
        alívio certo para as dores


        sofá

         
aquele sofá emprestado, de dois lugares
        era tudo o que dispunha no momento
        um tanto pequeno para aplainar o corpo comprido,
        quiçá os sonhos distantes



        prenúncio

        
cantos de cigarras
        formigas ziguezagueando em trilhas
        indícios de copiosas águas

        rejeitos

        
no vale enlameado
        a vida vale quase nada
        só a vale vale?



        ICE


        a solidão da paisagem
        descreve cidades cinza
        no correr ligeiro sobre os trilhos



O ÚLTIMO JUMA
            (a colher flores de capim-estrela)

a pandemia esboroou a tênue torre de esperança
famintos tritões engoliram o que restou de praia e selva
na entrelinha do dia ressoou lauta vaia ao ano
que ainda não terminou

muitos se foram, entre choros

a vida (sem saber) corroeu o tempo
deitou seus passos no chão
deitou manhãs em flores nos vasos

Amoins Aruká, o grande guerreiro,
o último homem do povo Juma
partiu para sua longa viagem
antecipada pela COVID-19.

Amoin Aruká, sobrevivente
do grande massacre no rio Assuã,
1964, bacia hidrográfica do rio Purus,
comerciantes invadiram as terras dos Jumas,
atrás de sorva e castanhas.

Amorin Aruká agora silencia
e com ele a língua Tupi-Kagwahiva
Amorin Aruká e se papagaio estampado em foto
de Odair Leal para o mundo dos brancos.

como previsto, de nada adiantou
o tal tratamento precoce
a base de azitromicina e ivermectina,
no Hospital Sentinela, Humaitá, Amazonas.

os seus descendentes seguem resistindo
na agora Terra Indígena Juma
mesclados, porém, aos Uru-Eu-Wau-Wau.

Amorin Aruká, o grande guerreiro,
o último tatuado na face, o risco da boca, a orelha
em volta dos lábios
as duas metades: mutum / arara araraúna
o derradeiro guerreiro Juma.


teias de vida

ruídos de tramas
enxames de abelhas
formigas em trilhas



alvorada

rabiscos
de sol
na tela do dia




torrão de açúcar

desmanchado silêncio
na aurora da palavr
o café quente cabe no poema



fio de azeite e queijo


um dia de cão
daqueles que você amanhece
com cara de fotografia no espelho do banheiro

cansado, abatido

um dia de cão
— como milhares de outros iguais —
corre-corre de agendas superpostas

um dia de cão
noite de spaguetti
e folhas de manjericão



inquilino incômodo em um poder de
                                                merda

varridas vidas em leitos sem oxigênio
coisas de doer
descoloridas perspectivas

não mais o almoço de domingo
não mais as flores de primavera

quartos arrumados, mesas postas
repousos de pedra
inútil vazio
          e
                   silêncios
sem despedidas

 

 

3 mil ao dia

choros e lágrimas
baque surdo da madeira no barro
cicratizes a serem costuradas pelo esquecimento



diatonicamente

nudez no azul do dia
há pouco uma chuva fina
tocada harpa



[a barra do dia irrompe em desatinos]

a barra do dia irrompe em desatinos
absurdez de cores
          e canto de bem-te-vi na manhã fria
no Japão as cerjeiras floresceram mais
cedo
aqui a janela do tempo
fez-se insana
          e morredora



beat

o lugar do poema
(tese — antítese — síntese)
é nos agregados, na argamassa de barro
fétida à urina
o lugar do poema
é abrigo, arco reteso,
forma e conteúdo da fala
o lugar do poema
é sina, oficina, ruas
dos que não têm o que comer
o lugar do poema
é o que não-se-faz, e refaz
o lugar do poema
                           �� : jazz
na batida metálica da vida



                Baixa do Chicão

               
ao Assis de Sousa Mendes Filho

                as canas do canavial de meu pais
             enfeitavam o Domingo de Ramos
             na Capelinha de Palha



                [algo ainda menino miúdo]

               
sigo ainda menino miúdo
             atormentado com a Num-se-pode
                 escondida por detrás dos lampiões de gás
              das Praça das Dores


               xerofilia

                caatinga, capões, gramael e seridós: 
                sigo descalço, riscando a trilha,
                no desvio dos espinhos das macambiras
                embrenhado na mata seca e branca
                   entre o cheiro bom do mussambé
                e o alaranjado dos mulungus.



                O Vicente da rua Gabriel Ferreira

                    
de dia, coma grande maestria,
                 fazia pipas tridimensionais,
                 que chamávamos de lanternas,
                 à noite, com divina maestria,
                 tocava meu rimado pandeiro,
                 compondo sambas magistrais.



                  crossover

                      
trens
                   viagens
                   paisagens

                   gens
                   cópias de si
                   em mutação

                    janelas percorrem
                    o tempo aleatório

 

 

      `a luta, pois

       
ao poeta Fred Maia

        como está a correr o menino de Oieiras?
        a manejar tesouras e serrotes
        à vara, a coto ou telão
        nas podas das videiras


        
   Rio Itaúnas
 
  
ita: pedras unas de dunas
   pedra negra
   negra dança à beira-rio

   Linharinho nagô:
   canto iorubá para a branca
   farinha de mandioca
   onde o córrego Angelim adentra o rio Itaúnas

   Rei de Bamba e Rei de Congo
   versejam e bailam
   no Ticumbi de suas margens,
   guardadas por São Benedito.



    Antares

                ao poeta e tradutor Haroldo de Campos

    áspera e resistente
    a casca de um poema
    estúpida é a dor
   
                                     coletiva
    da ignorância brutal
     no trágico
                desatino
     da agoridade
     poesia: resistência
     educação dos cinco sentidos

    

 

      [a ariramba-de-cauda-ruiva]

       
a ariramba-de-cauda-ruiva

       pousou suave
       no topo do pé de ingá-feijão

       o sol deitou
       por entre os galhos da árvore
       seus tons de fim de tarde.

 

 

REVISTA DA ACADEMIA DE LETRAS DO BRASIL
Ano 2, Número 4, jul./dez. 2020. Brasília, DF. Editora Cajuína.  138 p.  ISSN 2574-8495

 

        claridade

                   
a saudade estica o tempo
                   passado sabor de guapeva

                        afeição aflita
                        amor gratuito
                   paixão pagã

                   espanto
                   espasmo
                   óculos de Miguilim



                    samba de Oxumaré

                         balacochê do cavaco
                    no samba de Oxumarê
                    o samba é
                    molejo de cintura
                    e ginga no pé

                    trago comigo
                    meu patuá
                    lamento de negro
                     oferendas a Iemanjá

                     trago comigo
                     dor e alegria
                     mistura de raças
                     destreza e riqueza de Oxumarê



     Biribiri

    
a capistrana, uma esquiva de angola
      defronte ao Beco do Mota

      lamentos, alaridos, brilhos multifacetados de Diamantina

       apitos fabris de Biribiri:
       tecidos de vida na urdidura da tarde morna
       poentes gris de Biribiri:
       águas correntes movedoras de moinhos
      
       Jequitinhonha, jequitibás-rosa em flor
       pixídios lenhosos semeando setembros



                        ditado universal

                       
diz-me do dízimo que doas,
                   que eu te direi:
                   o bispo tá “de boas”



                    cinco estrelas

                       
senhor da guerra
                      o medo, sabemos, é tua arma mais
                      poderosa
                      só não mais que nossas utopias
                      transcontinentais
                      senhor da guerra
                      teu míssil — um dia — explodirá no vazio
                      do teu túmulo de flores amarelas
                      senhor da guerra
                      nada, porém nada impedirá
                      nossos sonhos de paz



                       mais além

                             ao Munzé (Raimundo José)

                           aquém dos muros de outrora
                          além dos medos e desesperanças
                        aquém da angústias de crianças
                        além dos cantos e das danças
                        aquém de hoje, além de amanhã

 


https://www.visitbrasil.com/pt/destino-teresina-pi/

          

  

   lagoas marginais do rio Poty

   os aguapés e os sapos não moram mais nas lagoas
    os aguapés e os sapos não moram mais nas lagoas
    essas quedam soterrada exatamente onde ergueram-se
    luxuosos shopping centers e ventilados apartamentos
    com varandas amplas, de onde pode-se contemplar
    o majestoso por-do-sol, o resplandecente tapete verde de aguapés
    sempre bem alimentado pelos esgotos não tratados
    os aguapés e os sapos não moram mais nas lagoas
    os aguapés e os sapos não moram mais nas lagoas



                vacaria

                da vacaria do Angelim — estrada de Palameirais -
               vinha o branco leite dia santo
               o galo e seu canto clareando a manhã
               de gente e vasilhames em fila: nós meninos.

               * * * *

                 cada dia um de nós a cumprir seu dever
                aqueles eram tempos, tempos de haver
                (pai, mãe, algazarras, meninos, brinquedos)
                o creme de leite fresco gerando manteiga
                de se pôr em garrafas

 

                 máquinas viventes

               
 
seremos máquinas viventes
              definhando-nos dia após dia?
              seremos máquinas pensantes
              destruindo as matas e os mares?
               seremos máquinas viventes
               metade bichos, metade gente?



                  era só

                 
era só retirar o pedaço de sabugo de milho
                 da boca da garrafa
                 — vendida à beira da estrada
                 para se deliciar com o olor doce e suave
                 do mel da florada de assa-peixes

                 era só largar a bola velha de couro
                 um chão de pedra
                 — repartir os times —
                 suar, se sujar e correr
                 rumo à alegria do gol de placa
                
                 era só quebrar a castanha de caju
                 ainda quente
                 — torrada em lata de querosene jacaré —
                 para se saciar do crocante,
                 cremoso e agradável sabor
                
                 era só ...
                 e não éramos sós



                 nada mudou

                   afinal
               o que é hoje o Plano Piloto
               era apenas a Fazenda Bananal



                   poemas dadaístas

                          ao amigo Eduardo Estelita (Dada), em memória

                      *
                 chuva fina ao pé da Baleia
                 Dada: sorriso de menino
                 haicai de samurai

                 **

                 riso mágico e enigmático
                 olhos aguçados no tabuleiro
                 antesala do xeque-mate

                  ***

                        farol rumo ao sol
                   semeador de sonhos
                   sons traversos



      ilha e pântano

      esquecidos entre os pés de erva-cidreira, garfos, louças
        : poemas sujos

        ser lido pedras era o desejo do manoel (tinha barros no nome)
         inventador de invencionices inventadas e verdadeiras



            extradorso do aerofólio
                     
                                para Antonio Cardoso Neto


             a pedra nos dá a lição da dureza
          mesmo assim ela não nos satisfaz

          pedra: rispidez da água saltitando no poema



         citarum river ou plasticidade subjetiva

                         “I do not know much about gods; but I think that
                           the river is a strong brown god”.
                                                                           [ T. S. Eliot ]

                                ao artista e ativista ambiental Tisna Sanjaya

          os peixes poluídos do rio Citarum dividem espaços
          e oxigênio da água com as pilhas de garrafas de plásticos.
          crianças em saltos plásticos mergulham no meio dos plásticos.
          crianças em barcos de alumínio catam, para venda,
          latas de alumínios e plásticos.

          os peixes poluídos do rio Citarum dividem espaços
          o oxigênio da água com as pilhas de garrafas de plásticos..
          nas margens e nos pilares de pontes agarram-se enxurradas
                                                                                de plásticos
          coloridos, galhos, vasilhames, carcaças de bois, sofás,
                                                                         campos de arroz
          contaminados, turbilhões de líquidos despejados de
                                                                         fábricas têxteis.
  
         os peixes poluídos do rio Citarum dividem espaços
         e oxigênio da água com as pilhas de garrafas de plásticos.
         quantos outros rios — mundo a fora — são também rios
                                                                              de plásticos?


          

REVISTA DA ACADEMIA DE LETRAS DO BRASIL
Ano1, Número 2, jul./dez. 2019. Brasília, DF. Editora Cajuína.  124 p.  ISSN 2574-8495



 

 

                vendilhões

               
vida
                vendida
                aos
                quatro ventos

                vida
                perdida
                em
                pouco
                tempo



                fakes de valores

               
no jogo
                o blefe
                quase sempre
                vence

                (não demora, torna a perder )



                goiabeira

                
sem ainda
                frutos,
                sufocada
                por arbustos e
                trepadeiras.

                é o que
                se via
                da janela
                junto à pia
                de lavar louças.



                curriola

               
bagas
                ovala
                das

                piloso
                fruto
                amar
                elo:

                abiu
 

 

zona norte / zona sul (leitura nA Gramna

                                
ao Edmar Oliveira

 do Alto do Jurubeba
 defronte às portas talhadas por Sebastião Mendes
 avisto o rio
 e minha rua, partida ao meio

 

        cherita poems

        a velha senhora na janela

        emoldura as paredes
        sem reboco da casa

        dentro do lar
       o cheiro do pequi
       cozinhando



         segurança alimentar

        jatobás floridos
       
        em fevereiro de chuva
        e também veranicos

        logo adiante, frutos duros
        a gerar farinha
        no combate à anemia


        .E mo ri O


        eu te vejo
        luz do sol, som de tambor
        eu te vejo
        água do mar, canto changô

        negro som, negra luz
        negro canto, negra água

    eu te vejo
    luz do sol, som de tambor
    eu te vejo
    água do mar, canto nagô

    navios negreiros, cais do Valongo
    caios do Valongo, navios negreiros



    operadores do mercado
                 
  
em uma esquina do centro financeiro de São Francisco, Cali-
fórnia, um sem-teto, invisível aos transeuntes engravatados de cafés

Starbucks nas mãos, migalha — em silêncio — alguns míseros centavos
      de dólares.
              tomo uma cerveja no Caffe´ Trieste
              folheio livros de poesia na City Light Bookstore
              declamo poema na North Beach Library
               ouço o laureado poeta Jack Hirschman declamar em frente e
        um bar
               na manhã  seguinte,   em uma esquina do centro financeiro de
        São Francisco, Califórnia, um sem-teto,  invisível aos transeunte en-
        gravatados de Café Starbucks nas mãos, migalha – em silêncio – al-
        guns míseros centavos de dólares.



   flashs and floods from América

 
as águas podres da aurora de Nova Iorque
   drenadas e domadas no Central Park,
  onde todos tomam sol, tiram fotos
  e imaginam dias melhores.
  na terça-feira gorda de New Orleans
  aiaiás voam sobre o bayou, nos meandros do Missisipi,
  eu quero saber, você já viu a chuva? E a cheia do Katrina?
  então, no píer de Fairhope,
  baía de Mobile, lá onde está o SS Alabama —
  pescadores alimentam com catfishes
 
o velho pelicano de nome George.



           questão de forma

          
“o río que passou agora é lama”
       [Márcio Borges]

   imagino ser amorfa bastante a forma,
   porquanto a maioria das tragédias
   ocorre sempre na forma da lei.

   os resíduos, empilhados a montante.
   as vítimas, enterradas a jusante.
   os lucros, acumulados nos bancos.



                   elfchen

              
lilás
               as flores
               que eu vejo
               no meio da mata
               quaresma



 tiros, tiros, tiros (complexo de vira-latas)


 
tiros em Columbine
 tiros em Realengo
 tiros em Parkland
 tiros em Suzano
 tiros em Highlands Ranch
 tiros em Sorocaba
 tiros em El Paso
 tiros em...

----------------------------------------------------
(ps: nem bem deu uma semana da escrita deste poema, um
ônibus transversal da ponte Rio-Niterói)



 es steht geschrieben

 
“O trágico ainda continua sendo possível, embora não mais a
 tragédia pura.” Dürrenmatt.

           o povo não come.
         sim, ainda há muita fome.
           sim, o povo passa fome.

 

céu de pirilampos de Quixeramobim

uauá do Antônio Conselheiro
pirilampos da caverna Ruakuri vagam no céu dos mundos
famintos buracos negros supermassivos devoram milhares
de estrelas



                   #15
                  
pisando o chão das ruas
                   estudantes clamam por educação
                                             por educação
               por educação
               (pode crer)



   sobre seiva, transpiração e o silêncio das plantas

                                           para Wislawa Szymborska


  
 o silêncio das plantas
    imperceptível              — quase —
    como a marcha dos neonazistas sobre os
   
escombros da cambaleante pseudemocracia
    alemã

     o silêncio das plantas
     imperceptível             — quase —
     como o gafanhoto escondido d´As Oliveiras
     de van Gogh.

      as plantas agarram-se à terra
      fincam profundas raízes

 

 

        suspiro

       
clarividente, mostro os dentes.
       é assim que se
       atesta a qualidade dos cavalos.
 
       ao primeiro relâmpago
       seguro o medo e
       aguardo o miraculosos estrondo do trovão.

        sorrateiro, murmuro sombras
       diante da página branca:
       espelho vazio de mim.

       o agora longevo frio inverno e
       do céu azul, em breve explodirá
       em flores brancas de cagaitas e ipês.

       inocente, irei torcer
       pelo fim do desmonte
       da nossa frágil democracia.

 

*******

 

 

 

TEXT IN ENGLISH- Textos em Alemão - Deutsche

Marcos Freitas, geboren 1963, studierte in Teresina und Fortaleza (Brasilien), Göttingen und Hannover (Deutschland) Bauingenierwesen. Von 1991 bis 2018 Lehrtätigkeit als Professor für Bauingenierwesen und Informatik an der Universität von Fortaleza. Mehr als 30 Gedichte Bücher im In- und Ausland machten sein Werk auch international bekannt. Er lebt seit 2001 in Brasília. Er ist Mitglied der National Association of Writers (ANE) und der Brazilian Union of Writers (UBE).


VERSION FRANÇAISE

 

 

 

LAVOURA DE GALÁXIAS

1.
Minha mãe
se foi
meio sem
de mim se despedir.
O poeta
se fez rouco.
O poeta
se fez mouco.

2.
Ser forte
era preciso.
Não chorar
era preciso.
Chorei.

3.
O cotidiano
se tornou um vazio
entre os meses do ano.
O céu, tédio:
nuvens de peixes
no cinza do rio.
Ruas e praças
sem nomes nas placas.

4.
A chave dos sonhos
abriu galáxias de estrelas.

5.
Já não me engasgo, mãe.
Apenas com o soluço
de tua ida,
aos mundos dos ventos.

6.
O terraço de minha infância
há de ser sempre
o entreabrir de teu sorriso.
(meigo, simples)

7.
Domingos serão locomotivas de auroras
brotando nas roseiras
cuidadas no jardim de casa.

8.
Um dia – sem querer –
inventarei de inventar palavras e sons.
Quando nasci, chorei.

9.
As horas (haverá relógio para medí-las?)
pátinas de um grande armário
repleto de fina porcelana chinesa.
Meras memórias de vozes e silêncios.

10.
Diafragmáticas rotas de ar.
(microvilosidades de sonhos)
Sopro de espantos, além.

11.
No sossego infinito do quarto vazio,
aonde
arrumar doravante teus chinelos
embaixo da cama?

12.
O que coser na velha máquina Singer?
Nossas antigas roupas de criança?
Dedilha, bem sei mãe, na nova harpa
sutis sons de galáxias,
estalos eternos de amor.


RUA DO BARROCÃO

no quintal da minha infância
brotavam goiabas
vermelhas, brancas.

no terraço de minha adolescência,
entre bolas e bilas,
cresciam amizades sólidas.

hoje,
homem maduro,
ainda planto sonhos
e aguardo frutos.


ESTADO DEMOCRÁTICO DE POESIA

que não se organize a poesia em parágrafos,
mas em versos e não versos.
que nas intermináveis listas de considerandos,
considerem-se todas as formas de poesia.
que nunca mais se torturem as palavras.
que se abominem as quadrilhas (somente
as quadras serão permitidas)
que não se dilapide o patrimônio poético nacional.
que se preserve o direito da palavra de ir e vir
e voar,
caso queira.

 

1ª.  BIENAL DO B – A POESIA NA RUA.  26 a 28 de Setembro de 2012.   Brasília: Açougue Cultural T-Bone, 2011. 154 p. ilus. col.  17x25 cm. 

 

 

               Irreversibilidade

o tempo presente,
presente de um deus?
o tempo passado,
passado sem os meus,
o tempo futuro,
futuro para os seus?

 

 


Traducción por el mismo autor


 

CULTIVO DE GALAXIAS

1.
Mi madre
se fue
medio sin
despedirse de mí.
El poeta
se quedó ronco.
El poeta
se volvió sordo.

2.
Ser fuerte
era preciso.
No llorar
era preciso.
Lloré.

3.
Lo cotidiano
se hizo vacío
entre los meses del año.
El cielo, tedio:
nubes de peces
en el gris del río.
Calles y plazas

sin nombres en las placas.

4.
La llave de los sueños
abrió galaxias de estrellas.

5.
Ya no me atraganto, madre.
Solo con el espasmo
de tu marcha,
a los mundos de los vientos.

6.
La terraza de mi infancia
ha de ser siempre
el esbozo de tu sonrisa.
(tierna, simple)

7.
Domingos que serán locomotoras de auroras
brotando en la rosaleda
emparrada en el jardín de casa.

8.
Un día —sin querer—
inventaré inventar palabras y sonidos.
Cuando nací, lloré.

9.
Las horas (¿habrá reloj para contarlas?)
patinas de un gran armario
repleto de fina porcelana china.
Meras memorias de voces y silencios.

10.
Diafragmáticas rutas de aire.
(microvellosidades de sueños)
Maravilloso aliento del más allá.

11.
En el infinito sosiego del cuarto vacío,
¿cómo
acomodar en adelante tus chancletas
debajo de la cama?

12.
¿Qué coser en la vieja máquina Singer?
¿Nuestra vieja ropa de la infancia?
Pulsas, bien lo sé madre, en la nueva arpa
sutiles sonidos de galaxias,
eternos estruendos de amor.


CALLE DEL BARROCÃO

en el patio de mi infancia
brotaban guayabas
rojas, blancas.

en la terraza de mi adolescencia,
entre pelotas y canicas,
crecían amistades sólidas.

hoy,
hombre maduro,
aún planto sueños
y aguardo frutos.


ESTADO DEMOCRÁTICO DE LA POESÍA

que no se organice la poesía en párrafos,
sino en versos y reversos.
que en las interminables listas de considerandos,
se contemplen todas las formas de poesía.
que nunca más se torturen las palabras.
que se abomine de las cuadrillas (sólo
se permitirán las cuartetas)
que no se dilapide el patrimonio poético nacional.
que se preserve el derecho de la palabra a ir y venir
y a volar,
si es que así lo desea.

 

 

 

FREITAS, Marcos. Na tarde que se avizinha e outros poemas.  Columbus, S/USA:  Kindle Amazon.com, 2019.  s.p.  Capa:Marcos Airton de Sousa Freitas. Prefácio: Antonio  Miranda.  ISBN 978-170236472-20     Ex. bibl. Antonio Miranda

 

 

 

                   QUIMERA

 

 

             I
longe
de mim?
pois sim.

 

             II
o dia amanheceu
o sol subindo
eu dormindo

 

             III
empresto ao regato
meu corpo sujo
de verde lama

 

             IV
te traço
sem o menor
embaraço

 

             V
te descrevo
às claras
ou em segredo

 

             VI   
se amor
não era
o que me espera?

 

             VII
será pólvora
ou festim?
diz para mim

 

             VIII
vida
de cão?
pois não.

 

 

 

 

 

FREITAS, Marcos.  Cem poemas escolhidos de Marcos Freitas.  Brasília: Edição do Autor, 2018  Impçresso em /Middletown,DE,  USA:  Amazon.com.2019/  s.p.  15 X 23 cm.        ISBN 978-17916489094   
Ex. bibl. Antonio Miranda

 

CACIMBA BARRENTA

lassidão de horas na flecha do tempo,
o curumim chora, gente que sofre
baixinho

 

o índio aguarda

a aguada que nunca chega

imensidão de tempo

flecha de horas que chora

baixinho

 

poço seco, rio seco
nova roça
perdida

 

 

 

DESFERROLHADOS

 

e assim sou:
água boa
de Savary.

 

e assim vou
subir o morro
celebrar missa
(em latim)
com Waly.

 

e assim vou
apodrecer à beira-mar:
pera ou rio Anil
da ilha de Gullar?

 

e assim sou:
ou cogito ser
agora. -

 

 

 

 

FREITAS, Marcos.  de arrodeios.   Brasília, DF: 2017.   Ilus. fot.  Prefácio por Marcos Fabricio Lopes da Silva.  Fotos de Marcos Airon de Sousa Freitas.  Impresso Middletown, DE, AS, pela Amazon. Com 2018.  ISBN 978-197-684-977-7-0   Ex. bibl. Antonio Miranda


Os poetas Abhay K., Maracos Freitas e Antonio Miranda no lançamento do livro no tradicional restaurante de Brasilia BEIRUTE, dia 25 de abril de 2018.

 

“Marcos Freitas projeta-se como poeta contemporâneo no sentido meritório que Giorgio Agambem empresta ao termo: “Contemporâneo é aquele que mantém fixo o olhar no seu tempo, para nele perceber não as luzes, mas o escuro”. O que caracteriza a poesia de Marcos Freitas é uma nítida preocupação existencial, sem descuidar de uma fidelidade muito peculiar ao universo íntimo/slsírico, com que transita sem derramentos, porém com fulturante cristalinidade. São instâncias em que a sua arquitetura prescinde de rodeios formais ou contorcionismos de linguagem para falar da geografia afetiva, das dores, dilemas & delícias do ser contemporâneo, tão deslocado nesses tempos de coisificação e etiqueta: “ MARCOS FABRÍCIO LOES DA SILVA

 

 

     INFÂNCIA
                                                                            

     correndo sobre os muros vizinhos
     fugindo aos estrepes de cacos de vidros
     até atingir ruinarias casas abandonadas
     (intermináveis disputas cartoriais de heranças)
     assentadas sobre lajens fraturadas

     percorrendo oficinas de carros velhos
     atrás de rodas para os carros de rolimãs.
     correndo descalço em campos de terra batida
     atrás de bolas velhas de couro rasgado.
     escolhendo talos de cocos de cercas divisórias
     para os futuros papagaios suras, coloridos.  
     sempre correndo, nunca parado.
     sempre aprontado, algo.

 

 

     LEMBRANÇAS

 

     o vento terno me traz saudade de um tempo não vivido:
     um quê de encanto doce e suave de flores de laranjeiras.
     e na secura de setembro árido dos planos centrais, explode
     como chuva esperada e feliz de primavera tórrida e tardia.
     sua dança — água em talvegues — infiltra-se nas camadas.
     saudade, saudade de um tempo que ainda não vivi.

 

 

     ÊSTE MÊS

 

     neste mês, teu beijo: canto de pássaro
     neste mês, teu afago: balanço de águas
     neste mês, meu deleite: fogo de brasa
     neste mês, meu desejo: estampido de estrelas

 


     Em Marcos Freitas, a palavra é substantiva, fala tanto pelo insinuado quanto pelos silêncios. Reverbera uma voz múltipla, intensa e com uma sutil carga metafórica que comunica um peculiar sentimento do mundo. Uma escritura que emerge do olhar profundo e cirúrgico de um autor que busca na condição humana e seus labirintos psicológicos e sociais uma rica matéria estética para refletir sobre a nossa incompletude e nossos desassossegos:


 

      SHUUKATSU

 

      não conseguirei escrever
      nenhum verso com minhas cinzas.
      com elas, sequer,
      escreverei a palavra amor.
      Não sei, ao menos,
      se chegarei à hora marcada.

 

 

O livro de arrodeios é composto por versos pelos quais ecoam vozes que se entrelaçam, se confrontam e questionam a realidade, a existência e a própria linguagem num caleidoscópio de referências consagradas e alternativas. Estamos diante de um poeta claramente afeito ao risco permanente e avesso aos lirismo muxoxos. Sua poética destaca-se pela combinação virtuosa entre economia verbal e densidade de significados, reunindo, no labor criativo, poder de síntese com saber de análise.”  MARCOS FABRÍCIO LOPES DA SILVA                                                                       

                                                                            

 

 

FREITAS, Marcos.  Sentimento oceânico (verdesveredas ou cantos de jurema nas quenturas do bê-erre-ó-bró).   São Paulo: Catramano, 2015.   124 p.  14x21 cm.  ISBN 978-85-64471-45-0 


 

“Como vocês vão constatar aqui, Marcos Freitas está ainda melhor.”         ANTONIO MIRANDA

 

 

LAVOURA DE GALÁXIAS

 

1.
Minha mãe
se foi
meio sem
de mim se despedir.
O poeta
se fez rouco.
O poeta
se fez mouco.

 

2.
Ser forte
era preciso.
Não chorar
era preciso.
Chorei.

 

3.
O cotidiano
se tornou um vazio
entre os meses do ano.
O céu, tédio:
nuvens de peixes
no cinza do rio.
Ruas e praças
sem nomes nas placas.

 

4.
A chave dos sonhos
abriu galáxias de estrelas.

 

5.
Já não me engasgo, mãe.
Apenas com o soluço
de tua ida,
aos mundos dos ventos.

 

6.
O terraço de minha infância
há de ser sempre
o entreabrir de teu sorriso.
(meigo, simples)

 

7.
Domingos serão locomotivas de auroras
brotando nas roseiras
cuidados no jardim de casa.

 

8.
As horas (haverá relógio para medi-las?)
pátinas de um grande armário
repleto de fina porcelana chinesa.
Meras memórias de vozes e silêncios.

 

10.
Diafragmáticas rotas do ar.
(microvilosidades de sonhos)
Sopro de espantos, além.

 

11.
No sossego infinito do quarto vazio,
aonde
arrumar doravante teus chinelos
embaixo da cama?

 

12.
O que coser na velha máquina Singer?
Nossas antigas roupas de criança?
Dedilha, bem sei mãe, na nova harpa
sutis sons de galáxias,
estalos eternos de amor.

 

 

ESTRADA, PÓ E POEIRA

estrada, pó e poeira:
marcos
das estradas mineiras.

lua,
transpor de pontes:
banhos de cachoeiras.

milho verde:
verdes olhos
a refletir desejos.

estrada, pó e poeira:
ora pro nobis
serras sem fim.

 

 

 

De
Marcos Freitas
URDIDURA DE SONHOS E ASSOMBROS
(Poemas Escolhidos  2003-2007).

Apresentação de Antonio Miranda
Rio de Janeiro: Câmara Brasileira de Jovens Escritores, 2010
280 p. (Com apoio de FAC/DF)

 

POÉTICA

1
Que é Poesia?

         uma ilha
         cercada
         de palavras
         por todos
         os lados.

2
Que é o Poeta?

Um homem
que trabalha
com o suor de seu rosto.
         Um homem
      que tem fome
como qualquer outro
                   homem.



FOTO TABOCA

Quem não deixou
sua alma aprisionada
em 3X4
no lambe-lambe
do Seu Chiquinho
na Praça da Bandeira?


 

 

 



QUATRO TEMPOS

 

na madrugada fria

tua alada companhia

 

na manhã quente

novo desejo de repente

 

na tarde morosa

tua língua saborosa

 

na noite sem dança

apenas uma lembrança

 

 

NADA A VAU

 

recrio-lhe

enchendo-lhe de chamego

 

mordo-lhe o pé

e o que mais quiser

 

sugo-lhe a vulva

qual a uma uva

 

faço-lhe esquecer o mundo

fácil... indo-lhe bem fundo

 

 

Extraído de      QUASE UM DIA.  Rio de Janeiro: Câmara Brasileira de Jovens Escritores, 2006.  95 p.

 

 

O POETA E O DESTINO


o poeta é um cretino
que ama sem destino
(o) certo

o poema é seu destino
apesar de cretino
o verso

existe porém
o verso certo
um ser cretino
e um destino?

  

 

QUADRO

hoje sim
quero te descrever
em cores
lambuzar-te de tintas

no lugar dos seios
riscos rápidos
no lugar dos braços
formas curvas
em perspectivas

no lugar das pernas
pingos, pingos e mais pingos
esparramar suave em ondas
teu ventre em chamas

hoje sim
adoraria borrar
todo esse quadro
com um jorro de tinta

 

  

PANO DE CHÃO

com que direito
o poeta invade sonhos

com que direito
o poeta causa danos

com que direito
o poeta tece palavras
como que pedaços de panos

 

AFLORAÇÕES

 

fuga de corrente?

quem sabe

meu coração

não tem voltímetro

 

súbito?

quem sabe

meu trapézio

não tem lona

 

chuva de maio?

quem sabe

meu querer

não tem ensaio

 

desvario?

quem sabe

minha calçada

não tem meio-fio

 

  

LEMBRANÇAS

nas barrancas do meu rio

habitam as lembranças

das garças brancas

 

                               ACIDENTE

 

                               não sei

                               se escapo

                               ileso

                               da batida

                               de teu

                               coração

 

 

NENHUMA CARTA EM MEU NOME

 

de soslaio

a memória de teu rosto

cravado na rocha da ausência: fotografia.

 

o vento quente sopra a cor do esquecimento:

sombria melancolia do dia-a-dia.

 

tentei entender teu nome e nossos minutos

como se houvera fruta na fruteira

de minha existência.

 

o domingo desabitado fareja o ronco do motor

de meu carro empoeirado.

nada, nada além de silêncio e pó.

 

há mais de um ano, nenhuma carta em meu nome.

 

 

NA TARDE QUE SE AVIZINHA

 

sejamos eternos, querida,

mesmo na plenitude de nossa ira.

 

chega de nossos discursos prontos,

não suportamos mais esperar o fim do verão.

 

estranhamos, em silêncio, conselhos dos mais velhos.

 

tentamos, inutilmente, reler os jornais passados;

o que buscamos nas páginas surradas?

 

a paisagem se adensa na geografia das ruas

de nossa cidade desconhecida.

 

mergulhemos no assombro de nosso desejo;

é sempre possível a palavra mais pura e límpida, querida,

mesmo fora de nosso dicionário.

 

o cheiro do feijão, em panela de ferro,

reacende o fogo de lenha da imaginação: o relógio da manhã.

 

herdeiros de nossa própria memória,

divisamos a rua de nossa fraqueza e ausência, na tarde que se avizinha.

 

o leito seco do rio aguarda a estação chuvosa nas cabeceiras;

depositemos, pois, iguarias e provisões na vazante de nossas horas.

 

sejamos eternos, querida,

mesmo na finitude de nosso dia.

 

 

FREITAS, Marcos. Eternal Return and Other Poems: the selected poems of marcos freitas: anthology in three languages (portuguese - russian - english) (English Edition) eBook Kindle

 

Veja / See the e-book no  Amazon.com:

 

https://www.amazon.com.br/Eternal-Return-Other-Poems-portuguese-ebook/dp/B07ZG64VFG/

 


NEW BRAZILIAN POEMS.  A bilingual anthology after Elizabeth Bishop. 
Translated &       edited by Abhay K.. Preface by J. Sadlíer.  Rio de Janeiro:
Ibis Libris, 2019. 128 p. 
16 x 23 cm.   ISBN 978-85-7823-326-6
Includes 60 poets in Portuguese and English          Ex. bibl. Antonio Miranda

 

 

Fronteira

ronda inútil
limites de meu nada

as horas longas de sonhos
as leves madrugadas alheias ao mundo

fronteira de alegria infinita
eis-me, novamente.

 

Frontier

useless round
limits of my nothingness

the long hours of dreams
the light dawn indifferent to the world

frontier of infinite happiness:
here I am again.


 

 

 

FREITAS, Marcos.  Inquietudes de horas e flores. Inquietudes de horas y flores.  Edição bilíngue Português – Español.  Tradução Carlos Saiz Alvarez.  Rio de Janeiro: Livre Expressão Editora, 2011.  116 p.  14x21 cm. Capa: Enita Souto.  ISBN 978-85-7984-262-7  “ Marcos Freitas “  Ex. bibl. Antonio Miranda

 

 

AFLORAÇÕES

fuga de corrente?
quem sabe
meu coração
não tem voltímetro

Súbito?
quem sabe
meu trapézio
não tem lona

chuva de maio?
quem sabe
meu querer
não tem ensaio

desvario?
quem sabe
minha calçada
não tem meio-fio

 

 

          AFLORACIIONES

          ¿fuga de corriente?
          quién sabe
          mi corazón
          no tiene voltímetro

          ¿súbito?
          quién sabe
          mi trapecio
          no tiene red

          ¿lluvia de mayo?
          quién sabe
          mi querer
          no tiene ensayo

          ¿desvarío?
          quién sabe
          mi carretera
          no tiene acera

 

 

VERSION FRANÇAISE



FREITAS, Marcos.  Nous sommes nos songes. Texte établi, traduit et présenté par Oleg          Almeida. ´Brasília: Edição do Autor, 2019. Impresso em/ Middletown, DE,  USA: Amazon.com.2019/  s.p.  ISBN 978-17289099998          15 X 23 cm.  Ex. bibl. Antonio Miranda

 



L'ÉTERNEL RETOUR
 

La poésie
m'effleure l'esprit
sans heure ni date choisies. 

Quelquefois,
elle tarde à venir,
même lorsqu'on sue,
la plantant, une bêche à la main. 

Ce n'est pas toujours
qu'elle pousse,
même lorsqu'on l'arrose
avec de l'eau ou du vin.

 

Et pourtant,
elle rentre toujours
dans mon cœur
et me rend fou
de bonheur.

 

 

ETERNO RETORNO 

a poesia
aflora

sem hora
sem data marcada 

a poesia, às vezes
demora


mesmo plantada
a pá, a enxada

a poesia nem sempre
brota

mesmo regada

a muita água ou vinho

 

a poesia
no entanto
sempre retorna
e me entorna
de alegria

 

 

        THÉORÈME

 

À chaque coin de rue,
je me disperse :
y a-t-il un poème sans émotion ?

 

A chaque coin de rue,

je me résous :

une équation sans solution.

 

A chaque croisée, j'extrais
la racine cubique
de mon cœur.

 

A chaque quartier,
je me vois carré,
les rues de cette cité
n'ayant pas de coins.

 

Serait-ce là mon destin,
ce comptage
sans fin ?

 

 

TEOREMA

a cada esquina
me disperso
há poema
sem emoção?

a cada esquina
me resolvo
equação sem solução

a cada quina
o triplo de mim
raiz de meu coração

a cada quadra
me desenquadro
nesta cidade
 sem esquina

 

é minha sina
irracional
enumeração?

 

 

Rio Parnaíba, Piauí, Brasil
https://pt.wikipedia.org/wiki/Rio_Parana%C3%ADba

 

 

FREITAS, Marcos9º. Mexidão Poético do Verde. (Poemas )  20 de maio de 2023.       Brasília, DF: 2023.   16 p.   
                                                              Ex. bibl. Antonio Miranda

 

        MATA CILIAR

       
sob cérula abóboda em balsa de buritis
        de bravos argonautas
        pretendia descer o rio Parnaíba.
        após a terceira curva
        (espanto) a balsa encalhou
        em imenso banco de areia.
        sonhos de sedimentos
        acumulados anos a fio.
        homens cegos — e covardes
        arrancaram os cílios do rio.



                      (musicado por Raphael Mendes)

 

Página atualizada em julho de 2015.Ampliada em agosto de 2016; Página republicada em abril de 2018; amapliada em maio de 2019;ampliada em novembro de 2019; PÁGINA ampliada em novembro de 2020

 

 

 

 

 

 

 


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