MARCONDES SAMPAIO
Jornalista e poeta. Trabalhou na Folha de S.Paulo (anos 1970-1980). Assim caminha a Mediocridade é seu livro de estréia, voltado para a crítica dos costumes, na linhagem das canções de escárnio e maldizer, sem faltar a auto-perquirição. Cético, crítico, inconformado. Escolhemos exatamente o poema-título, o mais longo de livro, para dar uma amostra da verve do autor.
Antídoto
No pântano do conformismo
O cômodo imobilismo corrói
No combate do forte cinismo
O ceticismo ilumina e constrói
SAMPAIO, Marcondes.Assim caminha a humanidade. Brasília, DF: Editoriasl Abaré, 2008. 116 p. ISBN 978-85-89906-09-8 13,5x21 cm. Capa: Plinio Quartim. “ Marcondes Sampaio “ Ex. bibl. Antonio Miranda
Assim caminha
a mediocridade
No açoite da economia liberal
Déspota mãe da iniqüidade
Globalizada, genocida e abissal
Reina ilha dileta, a mediocridade
No pensamento único estéril
No imobilismo da passividade
Na mórbida inércia de cemitério
É poderosa e fértil a mediocridade
Bens, almas, cultura, trabalho
O patrimônio da humanidade
Exposto à sanha do mercado
Na cegueira da mediocridade
A concentração da riqueza
O curral da assistencialidade
As migalhas à pobreza
Governa a mediocridade
Conluio de banqueiros bilionários
Transforma em gado a humanidade
Seduz carreiristas argentários
Capatazes, vassalos da mediocridade
Esse consenso que se pariu
No conúbio da insensibilidade
Faz o orgasmo do custo-Brasil
Súmula econômica da mediocridade
Retrato da cega submissão
Às regras da voraz comunidade
Que governa o mundo com ambição
E insidiosa ajuda da mediocridade
Sem rumo, na crise da ideologia
Jovens caem na marginalidade
Desempregados, sem fé, sem utopia
Presas fáceis da mediocridade
O telemarketing e suas baias
Semi-escravidão da virtualidade
Espalha-se por outras raias
Com o gerúndio da mediocridade
Vil achatamento salarial
Sustenta a tal empregabilidade
Classe média aparvalhada no beiral
Inerte, rendida à mediocridade
Na feroz ocupação de um país
A lenta agonia da unipolaridade
As garras enferrujadas da matriz
A face-Bush da mediocridade
Seduzida e vítima da máquina
Cultora da infointeratividade
Da desgraça ainda se jacta
A estúpida mediocridade
Lágrimas de jacaré derramadas
Pela exclusão da digitalidade
De crianças sem teto, esfomeadas
Analfabetizadas pela mediocridade
Na exacerbação do individualismo
Na narcisa exposição da privacidade
A submissão ao pragmatismo
É alimento-esterco da mediocridade
Do silicone de bundas e peitos
Faz-se a nova celebridade
De uma minoria de eleitos
Sementeira da mediocridade
Na beleza pela beleza
Na vitrine da futilidade
No exílio da nobreza
Vence a mediocridade
Na compulsão hedonista
Na espalhafatosa frivolidade
A volúpia consumista
É passarela da mediocridade
Na prática do só icar
Nos fast food da sexualidade
A robotização d`alma sairá
Do ventre frio da mediocridade
Nos desvios da cultura
Na indústria da vulgaridade
Nos templos da isicultura
Assim caminha a mediocridade
Padrão de TV auto-referente, bobo
Deseduca com licenciosidade
Ao reter e desdobrar no seu globo
Todo o universo da mediocridade
Na Daslu, Miami, em Seicheles
Novos ricos desovam com lascividade
Exibem o acumulado de modo reles
Em caras ilhas de mediocridade
Abusam do sagrado e do profano
E na busca de apoio e legitimidade
Cidadania, Parceria e Republicano
São achados da mediocridade
Corrompida pela nova ordem
A semântica serve à saciedade
A inocentes e a agentes da desordem
Assim caminha a mediocridade
O jornalismo que se faz espetáculo
Julga e condena, leva à perplexidade
Perigoso se tornado oráculo
Assim caminha a mediocridade
Velho fariseu faz-se Catão
Quase à beira da santidade
A serviço do grande patrão
Assim caminha a mediocridade
No politicamente correto
No embuste à sociedade
Parasita o que já foi desafeto
Assim caminha a mediocridade
Na sórdida manipulação da massa
Diante da corrupção e impunidade
O megaladrão esconde-se na fumaça
Assim caminha a mediocridade
A política submetida e aviltada
No atoleiro da ambigüidade
Factóide, decadente, maquiada
Assim caminha a mediocridade
Oposição impotente e pautada
Pela mídia e suspeita moralidade
Sem norte, sem projeto e atabalhoada
Assim caminha a mediocridade
Na vocação para o governismo
Põe-se máscara de governabilidade
Que une UNE e sindicalismo
Assim caminha a mediocridade
Esse estranho ajuntamento
Essa burra quase unanimidade
O que produz é adubo e fermento
No caminho da mediocridade
Meio mundo, como o Brasil
É vitimado sem piedade
Por esse modelo já senil
Reciclado pela mediocridade
Nesse abismo profano
Em suicida passividade
Assim definha o humano
Assim decai a humanidade
SAMPAIO, Marcondes. Pr´além da Catarse. Brasília, DF: Abaré Editorial, 2014. 85 p. 21x21 cm. Ilustrações de Audifax Rios. “Orelha” do livro por Tarcísio Holanda. ISBN 978-85-89906-18-0 Tiragem: 600 exs. “ Marcondes Sampaio “ Ex. na bibl. de Antonio Miranda
Página publicada em outubro de 2008
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