MARCELO MOURÃO MOTTA GROSSI
“Livro de estréia. Com o risco que isso significa. Deu-mo um amigo da editora. Bela edição, o poeta é antropólogo e roteirista, nascido em Belo Horizonte, em 1978 Vive em Brasília desde a metade de sua existência, e aqui se tornou hiperbólico, em quatro faces virtuais de poesia em sua formação: o self (ser em si), o amor (o ser e o outro), o coletivo (o ser e o plural) e o cotidiano (o ser e o espaço-tempo). Um bom começo.” Antonio Miranda
Leiam também a resenha do livro escrita por Waldemar Euzébio Pereira (com mais poemas do livro):http://www.nosrevista.com.br/2008/05/02/poesia-hiperbolica/
De
POESIA HIPERBÓLICA
Brasília: Thesaurus, 2008
http://www.thesaurus.com.br/livro/1718/poesia-hiperbolica
JAZZ
Projeto minha sombra
Na lucidez do teu ser
E amarro minha desmedida esperança
Ao carretel de linha
Que une tua vida à minha
Meu amor é único
E alimenta-se do teu
CAÇA
Fito minha caça
E sinto-a pulsando
No ritmo de meus batimentos
E a dança psíquica
Tem início
Entre predador e presa
E tem fim certo
Se ela estremece
E percebo, ainda que leve
Um ondular de pele
Sobre músculos
Ainda que avesso
Um olhar servil ante o iminente
TELEVISIVA
Revestem-nos
Da ordem mimética
Que confere sentido à emissão
Da essência fluída e absurda
Que mistura beleza e feiúra
Diluídas em tela, em teia
Convite de aranha, de sereia:
Raios catódicos
Vampirismo psíquico da televisão
BONJOUR
Cerrado da UnB
No céu da Colina
Voa um carcará
É dia!
Não era para rimar
Mas ele estava lá
Que falta faz o domínio da língua francesa
QUATRO REAIS
Eis que dores agudas e repetidas no abdômen
Levam-me a encarar por duas vezes
No curto prazo de cinco horas
A morbidez nosocomial
Plano de saúde pago
Comprovante autenticado
Pelo SISBB
R$ 272, 34 mensais
Entre soro, Plasil, Buscopan e Tilatil
Hospital lotado
Sexta-feira
Divido o confortável
Desconforto do Box 5
Com um tal de Roberto
Que conheço enquanto aguardamos os diagnósticos
Sucumbido por uma dronefrose
De etiologia a esclarecer
Mas liberado às vinte e uma horas
Depois de alguma observação
Meu caso (assim espero) não é grave
Pior sorte teve o outro paciente
Que (assim imagino) deve ter sido internado
No entanto, o que agora perturba meu sono
É lembrar que ele pagou minha refeição hospitalar:
Carne com molho de tomate, arroz e mandioca frita
Suco de uva e gelatina de framboesa
Comida que, pasmem, cobrada na emergência
Ou pior, é lembrar que esqueci de restituí-lo
Quanto valem meus versos tortos?
GROSSI, Marcelo Mourão Motta. Poemas avulsos. Prefácio: Lêdo Ivo. Imagens: Luisa Günther. Brasília: Thesaurus, 2013. I84 p. lus. ISBN 978-85-409-0193-3 Col. A.M.
DE AMOR, ARARAS E URUBUS
Um dia, pensando em fidelidade
deparei-me com a risível constatação
de que há três, ou pelo menos três
tipos de homens e mulheres
Alguns, quando amam
são como araras:
fiéis até o fim
Outros, não
são urubus em penas
de araras
E há os que são urubus mesmo e ponto final
HORA DE ALMOÇO
No estande de tiro do BOPE
A cinco metros do alvo de papel
O poeta senta o dedo
Um na orelha esquerda
E os outros quatro na cabeça
Acho que levo jeito pra coisa
Página publicada em maio de 2008, AMPLIAEDA e republicada em outubro de 2013.
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