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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

MARCELO BENINI
        

Nasceu no ano de 1970 na cidade de Cataguases, Zona da Mata de Minas Gerais, cidade de grande tradição cultural e literária. Foi para Brasília ainda na infância e hoje vive em um núcleo rural próximo à Capital. Trabalhou como redator, principalmente em agências de publicidade e hoje atua na área de comunicação socioambiental. Publicou quatro livros, um de crônicas (O Homem Interdito/Intermeios 2012) e três de poesia (O Capim Sobre o Coleiro/ed. do autor 2010; Fazenda de Cacos/Intermeios 2014; Currais Concretos/Intermeios 2018). Foi publicado na Alemanha pela fundação Lettrétage (2012) em uma antologia de autores brasileiros. 

A literatura sempre esteve presente em sua vida, escrevendo, lendo e convivendo com os livros, como ele mesmo conta: "Lá em Cataguases, meus pais formaram urna respeitável biblioteca com os grandes clássicos da literatura e da filosofia. Quando mudamos para Brasília, meu quarto passou a ser a biblioteca da casa. Isso durante toda a infância e a juventude. A proximidade com os livros nasceu dessa intimidade física. Todos os dias eu acordava e, ao abrir os olhos, encontrava Voltaire, Dostoievski, Flaubert, Balzac". 

Como principais influências literárias Benini destaca os franceses e russos da segunda metade do século XIX, além de Proust, Kafka, Mann e Joyce. Entre os brasileiros, Manuel Bandeira, João Cabral, Vinícius, Drummond e Manoel de Barros na poesia, e Machado de Assis e Guimarães Rosa na prosa. Mesmo começando a publicar somente em 2010, aos quarenta anos, o autor manteve-se sempre em atividade. "O Capim Sobre o Coleiro" é o resultado primeiro dessa produção. A maioria dos poemas começou a ser escrita por volta dos vinte anos e foi sendo modificada desde então, em um trabalho incessante de busca pela forma ideal. 

A poesia de Benini fala de suas experiências em contato com o Cerrado e de seus encontros com os passarinhos, as abelhas, a literatura e a filosofia.

 

Sobre o livro.

         Benini é dono de um estilo lírico e bastante sintético, chegando muitas vezes ao limite. O livro tem vários poemas com apenas um verso. "Evito tudo que possa distrair o leítor da ideia síntese, aquilo que realmente interessa ser dito ", diz. O autor considera também que para a boa produção literaria é necessário o trabalho exaustivo para que o escritor consiga chegar a um estilo límpido e livre dos lugares comuns. Em seu livro de estréia, "O Capim Sobre o Coleiro", Benini usa o elemento alegórico do passarinho para tratar das mais diversas questões ligadas á existência. "No livro, procuro/alar do meu pequeno universo que é todo referenciado em Cataguases", afirma o autor.

 

         O livro é dividido em quatro partes e cada urna delas aborda urna questão essencial da vida humana. A primeira parte trata das relações com a origem, a familia, a infância e a formação. Na segunda parte, o livro toca em questões como o amor, o espanto, as alegrías e as frustrações, enfim a chegada da maturidade. Na terceira parte ha quase urna unifícação metafísica entre o homem e o passarinho. E, finalmente, a quarta parte que se chama "Pega Passarim Com Poesía" é urna reflexão sobre o ato de criar. O livro tem cento e treze páginas e foi editado pelo próprio autor. . Visite a página no Facebook: O Capim Sobre o Coleiro.


"Entre as influências na poesia de Marcelo Benini poderíamos invocar o minimalista Mario Quintana e um outro passarinho — o Manoel de Barros. Está em boa companhia e tem asas para voar sozinho."  ANTONIO MIRANDA

 

 

 

Quando um menino bebe a água do rio

O rio corre para dentro do menino.

O menino discursa o rio

Até que mije o rio outra vez.

 

*

 

Primeiro susto: uma goiaba grávida de bicho.

 

*

 

Minas é um lugar

Em bordas de montanha

Onde o tempo é pano

E a alma é linha.

 

*

 

Há no amor insistência

Esses planos de galinha voar

Cachorros passando cercas.

 

*

 

E eu rindo, rindo, riacho

Diacho de amor mais findo.

 

*

 

A tarde estava presa

Por um jirau de maracujás.

Para que serve um jirau de maracujás

Senão para erguer a tarde?

 

*

 

As andorinhas justificam a existência das telhas.

Os pardais, dos fios.

 

*

 

Embrulho de pão é depositário fiel da poesia,

Principalmente com barbante.

 

 

 

BENINI, Marcelo.  Fazenda de cacos. Prefácio de Chico Lopes.  São Paulo: Intermeios, 2014.  122 p.  14X21 cm  ISBN 978-85-64586-86-4   “ Marcelo Benini “  Ex. bibl. Antonio Miranda.

 

Desistencialismo

 

Faz tantos anos que no tronco da árvore

Coreografadas por um perverso

As abelhas voam em círculos

 

Nada podem contra o sol graciliano

Esse lastimável estado de validez

Essa indelével mandíbula fraturando delicadezas

 

As asas cortadas nos quedaram mansos passarinhos

Acedemos em cair

Em passar longamente caindo pela vida

 

No peito, trago rubra caliandra

Gesto sanguíneo contra o azul

Só eu sei os passarinhos que me habitam.

 

 

Funcionária pública

 

Ninguém entendeu quando a moça da seção

Começou o concerto para piano número 3, de Prokofiev

No meio da tarde só ela ouvia clarinetes e violinos

Batia os dedos violentamente no teclado

Tremulando a melodia nos lábios

E jogando os cabelos no ar

As cortinas esvoaçavam na janela

Não houve pausa para o café

No dia seguinte os processos publicados no D.O.U.

Estavam todos em russo

E a moça digitava feliz uma carta de amor.

 

 

Criado-mudo

 

Se ao amor nomeasse coisa

E faca já foi

Seria o amor das xícaras vazias

No exato instante em que os restos de açúcar

Atestam que amar é uma forma doce de esfriar e

          [esquecer

Mas é também atrair delicadezas de abelha

E se o amor fosse apenas empilhar cadeiras no fim da

          [ noite

 

Se ao corpo assim o nomeasse
Seria o amor escarranchado das cadeiras de palhinha

          [ amarela

 

Mas se o amor ouvisse vozes

A esquizofrenia dos covardes rumores

Maior seria o silêncio e a deselegância do amor.

 

 

BENINI, Marcelo.  Currais concretos.  Prefácio de Ronaldo Cagiano.  São Paulo, SP: Intermeios,2018.  132 p. ISBN 978-85-8499-117-4

 

“O poeta, de certa forma, afere ao mundo e suas atmosferas e apreende o que não está à mostra (como “o rosto da felicidade nas galinhas ciscando a terra”) para esboçar, com seu verbo aguçado, os diversos territórios que habitam nosso inconsciente, além de configurar outros espaços indecifráveis, filtrando na melancolia do existir, a vitalidade da natureza, os roteiros da alma, a difusa ambiência dos acontecimentos de que somos testemunhas em nosso percurso e nos tornam cúmplices ou culpados (“Desaparecidos” , “Minha culpa").


RONALDO CAGIANO

 

 

         Desaparecidos

 

        Não estamos entre os desaparecidos
                   {de nenhuma ditadura
         Não tivemos nossos rostos estampados
                   {em contas de água e luz
         Não estávamos no genocídio armênio
         Nem fomos enviados a campos de concentração
         Não lutamos ao lado de Solano López
         Não somos vítimas da política liberal
                  {para os povos originários
         Nem mesmo tivemos nossos nome anunciados
         Pelos alto-falantes dos parques de diversão
         Simplesmente desaparecemos. 

 

 

         Minha culpa

 

        Sou o homem que explodiu a bomba no metrô de Paris
         O assassino judeu em Tel Aviv
         Sou o jovem muçulmano que invadiu o café
         O terrorista turco, o traficante norte-americano
         Sou o general alemão
         A polícia secreta de Stalin
         Aquele que viajou com Olga até Berlim
         Condenado por mortes, estupros,
         Roubos, agressões e poemas.

 

 

         Ossos        

Ficam os cães porque querem
Por inteira vontade
De ao teu lado estarem
Mesmo com a intragável solidão
Teus estragados humores
Teus dias de câncer e tomografia
Tuas teorias existenciais
Ontologias não desanimam os cães
Ficam por tua carne ainda
Pelos dias em que exporá tua beleza
Pelo que podem ser de companhia
Nessa transitória feira de razões.   

 

        Fim-fim

 

        Esse nosso amor insiste em ser passarinho.

 

 

        Nanquim

 

        Aprendi com as árvores
         A escolher um dia de chuva para tombar
         E pôr a culpa no vento
         Para que ninguém desconfie
         Da minha imensa vontade de cair.

 

POEMAS DO NÚCLEO RURAl.
Edição: Penalux

Foto do autor: José Filho

 

 

A marche do enfant Rimbaud

 

Um militar

Tem tendência a passarinho

Pode ser a saíra

Ou o soldadinho

Todo dia carrega seu fuzil

Engraxa suas botas

Canta o Hino à Bandeira

Um dia descuidaram

E fugiu o passarinho

Levou cantil, botas e fuzil

Encontrou outros tantos

Companheiros

Foi fazer revolução

De passarinhos.

 

A pedra e o carinho

 

Pedra acostumada a ser pedra em si

Somente pedra

Pedra no chão de pedra

Nada fora da pedra

Pedra lançada ao vento

Vindo a ser memória

Da mão que tocou

Sua vida de pedra.

 

 

As bruxas de Olhos d'Água

 

Vivem comigo quatro bruxas

Feitas por mãos de mulher artesã

Vivem comigo auguratrizes

Que algum destino repelem

De louça e pele

Feitas por mãos artesãs

Vivem comigo a balançar

Em intempérie ou brisa

Loucas ou sãs

Enforcadas ou livres

Bruxas ou fadas

Feitas por mãos artesãs

Vivem comigo quatro bruxas

Ocas e vegetais

Cãs e mênstruos

De mulher artesã.

 

 

Consigna n. 2

 

Cada homem ou mulher do povo que cai em combate

Alimenta a permanente revolução das raízes

Debaixo da terra.

 

 

Trabalhadores

 

Deixam-se observar os trabalhadores

Riem-se, constrangem-se, abstraem-se

Ao mirá-los, ainda claro dia

Arrastando os pesos

Verás além dos olhos a longa noite

Que carregam nos braços

Quando retornarem carregados os navios

Verás que todas as almas dos vãos do mundo

Vagam foragidas de um corpo vandalizado

As ruínas darão passagem ao vento

As línguas jogadas aos cães nos restituirão o silêncio

Consigo em duelo, ao ar e ao dia lançado

Pouca conta faz o vigia

De quem o apartará da violenta fera.

 

 

Flores de Kafka

 

As cores sequestradas

Mistificadas em jardins

Ciano, magenta, amarelo e preto

Adesivos, banners, catálogos, prospectos

Brindes, camisetas, painéis

Uniformes anunciam a impossibilidade

De não estar mais dentro daquelas cores

De viver além do azul ou do vermelho

De fugir da identidade

De jogar o corpo fora da escala.

 

 

*

Página ampliada e republicada em junho de 2022

 

 

 

 

 

Página publicada em janeiro de 2011; página ampliada e republicada em abril de 2015.

Ampliada em julho de 2018.
                  

                           

        


 

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