LINA TÂMEGA PEIXOTO
*05-06-1931 +01-09-2020
Nasceu em Minas Gerais, a 5 de junho de 1931.
Em Cataguases, sua cidade natal, ao tempo de estudante, foi laureada em concursos literários.
Integrou a direção da revista “Meia-Pataca” (1948-1949).
Professora de Filosofia. Lecionava no Curso de Letras Brasileiras da Universidade de Brasília.
Pela “Hipocampo” (Rio de Janeiro) publicou o primeiro livro —
“Algum Dia” —, em 1952.
[Antes conhecida como LINA DEL PELOSO, como aparece no livro seguinte, de 1962:
LINA LADY LINA - Brasil : DAMA DA POESIA por RONALDO WERNECK - ENSAIOS
Lina Tâmega: síntese crítica
por Maria de Jesus Evangelista
Com os poemas a seguir transcritos, apresentamos uma síntese de temas e de “arte poética” na criação de Lina Tâmega, consagrada poeta, nascida em Cataguases, Minas Geraias. Sou meio deslumbrada com o domínio que Lina tem no uso das metáforas. Nomeei-a, sem nenhuma babaquice de tiete que sou, domadora de metáforas. Lendo seu livro Dialeto do corpo, 2005, Cataguases. Editora – Empresa / Instituto Francisca de Souza Peixoto, Minas Gerais, percebe-se que esse esquema de alumbramento não é gratuito. E com certeza calará forte na sensibilidade de toda gente.
A ALMA E SUA CAUDA DE FLORES – sobre a poesia de LINA TÂMEGA PEIXOTO – por Maria de Jesus Evangelista (Majú)
A poeta Lina Tâmega Peixoto, anfitriã de uma das sessões magnas da I BIENAL INTERNACIONAL DE POESIA DE BRASILIA (de 3 a 7 de setembro de 2008), no auditório do Museu Nacional de Brasilia.
PEIXOTO, Lina Tâmega. Entre desertos. Rio de Janeiro: Ibis Libris, 2013. 100 p. 14x21 cm. ISBN 978-85-7823-158-3 Col. Bibl. Antonio Miranda
O PEIXE
Ainda se percebem calafrios nas nadadeiras.
Dou-lhe comida de sal enlameada de limão
e ajardino o corpo com ramos de salsa
e laços de cebola.
Acrescento um cálice de vinho branco
para o tempero ser uma jazida de ouro.
Olho o cansaço da fervura
e parece que ávido suga o caldo
que lhe dá feição corada e macia.
Veio de longa distância este peixe
para morrer em um buque de legumes.
Finco o garfo
na festiva coreografia do prato
e mastigo o sabor da oferta
na consistência do peixe
com quem reparto
os cardumes da fome.
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OS CANTEIROS DAS HORTALIÇAS
A grama contorna o caminho dos canteiros
com os tapetes rasgados pelo pisar dos tamancos.
o fulvo-verde-jade amarra as hortaliças
no solo temperado de adubo e água murcha.
Abrem-se ao alvaiado regaço do sol
as escamas crespas dos repolhos
e as folhas da taioba, junto aos regos d´águas,
mordem-se em carícias
no ocre dançar da claridade.
O ancinho vai penteando as ervas
de semblantes benzedeiros
e cisca o fel dos capins daninhos.
Os tomates se agarram ardentes
às palafitas dos galhos
e as vagens, penínsulas de ar,
farfalham as varetas
na alta-maré do espaço.
Disfarçados pelas turmalinas sombras
da trepadeira, os chuchus balançam os sinos
nos emaranhados trapézios
armados pelas gavinhas.
As folhagens dos arbustos vacilam
com a brusca chuva que entorta o céu.
As bolhas dos rabanetes
garimpam no reflexo da poça
o faiscar de suas miúdas gotas vermelhas.
Agasalhadas com toucas de raminhos,
as cenouras enraízam as estacas de cobre
no outro fundo lado do mundo.
As esfaceladas rachaduras da fria madrugada.
Semeado nas hortaliças
o amor se pendura do tempo
como fruto imolado aos pássaros
e enxerta na colheita,
bem-amados e vorazes,
golpes de faca e dos dentes.
No alto, as nuvens despregam-se do azul
e desabam lentas sobre a cinza da manhã.
Desperta pelas fatias mansas da brisa
a fava da baunilha escorre um aroma
sobre as taças castanhas da terra.
Só,
uma joaninha passeia sua alma.
Nesse canteiro de hortaliças me vejo criança atrás não dos suculentos frutos ou fresquinhos legumes, mas dessa joaninha tão ao alcance de todo ser que vê além das tangíveis coisas. Mas há mais no universo poético da mineira que já nasceu no berço das amadurecidas formas de criação da poesia brasileira, clássica e universal na sua tradição ibérica.
Vejam-se alguns exemplos:
DESALINO DE LEMBRANÇAS
Ajaezada de sombreado desalinho de lembranças,
tenho a alma amarrada
com talo de fadiga.
Escorrego no mel das pedras
e, trincados os ossos
em duras poças de barro,
arrasto a pesada pele do corpo.
Aproxima-se o crepúsculo
abrindo com os seios floridos
as paredes do dia.
Estonteada pelas formas do desejo,
agarro-me aos entulhos escandescidos da vida
indiferente ao visível e às virtudes
que coloquem os espinhos do tempo.
Conhecedora das artes literárias a poeta é, para mim, desafio, posto desde nossos tempos do Instituto Central de Letras ao criar no instante, no “bom dia” diário e cordial, metáforas inusitadas para o prosaico ambiente em que trabalhávamos. Sem pretender mundos e fundos dos seus livros de excelente poesia, a análise a seguir busca sobretudo a significativa origem de tradições portuguesas, bem claras na atualização de seu nome avoengo “Tâmega” e “Peixoto”.
Hoje consagrada pelo público e pela crítica, Lina se apresenta com extraordinária maturidade no sentir e fazer versos. Como professora de Língua e Literatura, e escritora de grande cultura humanística, ela “orienta” nossa dificuldade de acesso ao seu mundo onírico e a sua formalização de uma poesia que, sem desdenhar da “história” (todo poema conta uma história. É preciso ouvi-la, o que nem sempre está ao alcance de não-iniciados) privilegia o metafórico e o simbólico.
REBANHO DE COISAS
Não me deixe nunca, rebanho de coisas.
Arraste o movimento do brilho
para o subterrâneo horizonte
que o amor cochila junto à sombra.
Apalpe a esquiva curva do corpo
emaranhada nos quadris do mundo
e os resmungos do coração consuma
na chama acesa por um pêlo do sol.
Não me deixe nunca, rebanho de coisas
que a alma e sua cauda de flores
podem ficar gravadas
em fria folha de pedra.
Como negar no acentuado erotismo de versos assim: “Apalpe a esquiva curva do corpo/ emaranhada nos quadris do mundo / e os resmungos do coração consuma / na chama acessa por um pêlo do sol” seu conhecimento de Camões na delirante sensação desses dourados pêlos.
Estes são inéditos e foram-me entregues pela poeta, que me disse: “Escolha no meu livro Dialeto do corpo, recém publicado, aqueles que lhe agradem.” O que fiz e apresento a seguir:
BIOGRAFIA
Que traço do tempo
se prende ao caule de minha palavra
dardo que vibra
no arfar do coração frágil?
O ar que se agita
com a trêmula pergunta
enclausura meu braço
em minerais murmúrios.
Para buscar a imagem espessa,
a substância que me lenha o corpo,
o osso de cada palavra que canto
crispo a mentira do poema.
(2006:63)
POÉTICA
Fecharam minha boca
com seixos e bordados
No gume do exílio,
como uma luva ou dália,
o róseo grão da poesia
ata em feixe minhas palavras.
Escuto apenas
um trêmulo e inquieto ruído
de que mastiga cristais entre dentes.
Tudo é martírio na áspera solidão
do corpo que arde em cinzas e dores.
No desenho da arte que invento,
minha boca, ungida de mel,
puxa os fios dos bordados
e devora os seixos, pães dormidos,
que costuram e alimentam
o verso que vem vindo.
(2006 : 65)
Á FLOR D’ALMA
Compro um barco e aí vou
descobrir um continente.
Já me cansei desta terra,
do abrigo, das promessas.
Fecho os olhos e abro as velas
sinto a sorte delirando.
Todo estendo meu cabelo,
frutos neste mar brotando.
Lá, deixei tudo o que tinha
como se já fora morta.
Ah! Porém, fraqueza e âncora,
coração, levo comigo,
pois não consigo afogá-las.
Pesam tanto. Eu não sabia.
Não descubro meu destino
nos rodopios do vento
que açoita a minha paixão.
Navego na mesma rota
de um avô açoriano
- ermo sol da estrela norte.
Que sofra por ter querido
reino tirado dos livros.
O tempo já é outrora,
sigo na imagem do mar.
Eis que súbito, encalho
à flor d’água, d’alma.
(In Poetas mineiros em Brasília, 2002, p. 129/130)
PEIXOTO, Lina Tâmega. Dialeto do corpo. Poemas. Cataguases, MG: Editora-Empresa Instituto Francisca de Souza Peixoto, 2005. 116 p. ISBN 85-88965-06-2 “ Lina Tâmega Peixoto “ Ex. bibl. Antonio Miranda
Dialeto do corpo é o recém-publicado livro de Lina Tâmega Peixoto, renascida agora com essa bem cuidada edição de sua cidade de Cataguases, em que os poemas, mais do que do corpo e da alma, falam de uma inteligência de raro domínio de arte poética. Lina já era uma poeta consagrada por outros livros assinados como Lina Del Peloso, sonoro nome de professora e mulher casada com o arquiteto José Francisco Del Peloso, um dos pioneiros em Brasília, professor na UnB e também artista plástico de reconhecido talento. Lina fala do que sabe e bem sabe que poesia é mais que “intensa sensibilidade”. É o poder da metáfora em que se mostra verdadeira mestra no seu emprego, muitas vezes encaixada em mistérios de uma urna grega. Isso, contudo, não implica hermetismo ao ponto de tornar o seu universo lírico inacessível ao leitor comum, mortal amante da boa poesia e das coisas intangíveis. Sem mais outras, o seu verso nos leva a buscar o deleite de belas paisagens de íntimas emoções, numa “poesia que resiste ao mundo de impressões e sensações”. Grande é o nosso aprazimento na leitura do livro que já se faz raro não somente pela excelência de suas composições, mas também pela síntese crítica de escritores e poetas como Hernani Cidade, Astrid Cabral, Joaquim Branco e Francisco Inácio Peixoto, bem como os consagrados poetas seus companheiros e amigos como Oswaldino Marques e Carlos Drummond de Andrade.
Brasília, maio de 2006
PEIXOTO, Lina Tâmega. Água polida. Rio de Janeiro: Edições Galo Branco, 2007. 96 p. 14x21 cm. ISBN 978-85-7749-021-9 “ Lina Tâmega Peixoto “ Ex. bibl. Antonio Miranda
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