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LILIA DINIZ

 

 

A artista maranhense Lilia Diniz nasceu no Meio-Norte, na faixa de transição entre a Amazônia e o Sertão nordestino. Foi alfabetizada artisticamente pela literatura de cordel. Há mais de 10 anos interpreta autores consagrados, como Patativa do Assaré, Cora Coralina e Louro Branco, além de canções de João do Vale, Maria da Inglaterra, Marinês entre outros. É formada em Artes Cênicas, pela Universidade de Brasília (UnB), Pós-graduada em Gestão Cultural, membro da Academia Imperatrizense de Letras (MA) e da Academia de Letras do Brasil/Brasília. Possui seis livros publicados: “Babaçu, Cedro e Outras Poéticas em Tramas”, “Miolo de Pote da Cacimba de Beber”, “Sertanejares”, “Ao que Vai Chegar”, “Mula sem Cabeça” e “Mundo de Mundim

 

A CIGARRA – revista  -   ano 23 – no. 40  . Santo André, SP: Gráfica Cartex, novembro 2005.  Editores: Jurema Barreto de Souza, Zhô Bertholini.  Capa: Paulo Mentem.  Ex. bibl. Antonio Miranda.


BUCHADA

 

 

                          Grávida de poemas
                          baldeio versos pálidos
                        embriagada pelo
                      licor da inspiração
                    Entonteço
                      e cambaleio quase em
               passamento
               Tenho alucinações com
          gosto de alho e
          no escuro tateio versos
      que fervilham como
    azeite apurado
  no fogos da casca do babaçu
Busco dormir em vão
poemas vão germinando
qual plantio de feijão
  no abafado das
    roças encoivaradas
      No turvo das do quarto
           misturo palavras no papel
               quando passa a gastura
                   vem a ressaca
                   Bebo novamente na
                   caneca prateada
                   da garapa que me
                    engravida

 


 

 

LILIA DINIZ no 29ª. CHÁ COM LETRAS
na Embaixada da Índia (31/10/2018)
apresentou, entre outros, este admirável poema:

 

A boniteza de Zé

 

Se eu fosse descrever

a beleza do meu Zé

seria o nordeste todo

pra dizer como ele é

caatingas e sertões

martelos e mourões

ofereço ao meu José

 

Me Paraibo abestalhada

de pensar nas suas coxa

no gosto banana roxa

daquelas bem roxeada

és meu coco catolé

meu seridó, meu caboré

minha cantoria arretada

 

És tu Zé, rio Poty em pororoca

és caatinga e cerrado

um Piauí de quintura

poema emburitizado

mangueira que me entontece

rabeca que me enternece

Parnaíba, delta amado

 

Sua boca é puro gosto

de um bom  arroz de leite

Rio Grande em deleite

paçoca e carne assada

pra minha sede Severina

tua saliva é cajuína

mais pura, mais gelada

 

Nos lençóis do teu corpo

não canso de emaranhar

tua língua tem sotaques

te rogo que me mates

na praia grande do teu mar

no tambor do meu peito

Zé, vem se cacuriar

 

És manteiga de garrafa

o mais gostoso melado

Maceió de gostosura

doce arrapadurado

da nação alagoana

és o mais doce da cana

alfenim, do bem puxado 

 

Benzo ó Deus! Os olhos Teus

é alvorecer na Bahia

de feitiço, brilho e magia

que faz o meu carnaval

Bahia, bela e quente

que tira o sossego da gente

Salvador sem temporal

  

Esse dragão do teu mar

traz Zé que vou amansar

prendo no meu entre perna

deixo ele na caverna

e pra sair da enxurrada

meu corpo é tua jangada

vem nimim se atracar

  

Tua parecença é bem dizer

safra de caju madurado

Aracaju de delícias

tu és mandacaruzado

és que nem pirão forte

patuá da minha sorte

inverno bem amojado

 

És um recife de desejo

a tua pele meu pecado.

Não é um recife qualquer

é um recife afrevaiado

um recife bem José

da cabeça até os pé

bem maracatuizado

 

Tens a nordestinice toda

Meu Zé bem desejoso

me embeleza, me esquenta

caatinga e sertão mimoso

o couro do meu chapéu

és chuva caindo do céu

de inverno mais chuvoso


LÍLIA DINIZ

LÍLIA DINIZ


“Liça muié”

me  rio
me    lua
me    pote
me jacá
me  poço  me  mato
me  pilão  me  barro
me  azeite  me açude
me  abane    me esteira
me  cabaça  me quibane  me  cacimba
me  vagalume  me  lamparina
me  poetiso
em  ti

Brincadeira de menina

Então a gente brincava
imitando as lavadeiras
aos dos açudes, dos poços
em cantigas corredeiras,
fazendo espuma branquinha
lavando com as casquinhas
daquelas saboneteiras
as roupas das bonequinhas
todas bem prazenteiras

 

Urdiduras

Teço dia após dia

a mortalha que vestirei

Por enquanto

coloco botões

pequenos, grandes e coloridos

(caseio meus dias sempre antes de vivê-los)

 

Nos bordados já prontos

figuram borboletas

que levarão o melhor de mim

(restam duas ou três, não mais)

 

 A minha mortalha escolhe sua cor

à medida que é tecida

um dia é amarela

no outro já é vermelha

(nunca escolheu ser branca)

 

E prego flores nos bordados intermináveis

Há noites que experimento

e sinto o gosto da morte

confesso que gosto e gozo

mas sou impelida a despir-me

pra terminar de tecê-la

(ainda hoje desmanchei um babado de cravos)

 

Afogada

Náufraga no açude
dos teus beijos
pesco estrelas
no céu da tua boca

De
MIOLO DE POETA DA CACIMBA DE BEBER
Ilustrações de Xiloucos, Bia de Mello e Mamoela Afonso.
3 ed. Brasilia: Edições Lamparina, 2006. Ilus. 104 p.
Edição artesanal, papel craft, acondicionada em caixa de buriti.

 

Cantiga de ninar


         “lua, lua, pega essa menina
         e me ajuda a criar”


Elevada em
apelos poéticos
ao céu da tua cabeça
fui entregue à
deusa das
noites sertanejas



Brincadeira de menina


Então a gente brincava
imitando as lavadeiras
as dos açudes, dos poços
em cantigas corredeiras
fazendo espuma branquinha
lavando com as casquinhas
daquelas saboneteiras
as roupas das bonequinhas
todas bem prazenteiras


Sabor nordestino

Se me queres cajuí
desejo ser doce e raro
deixar no teu corpo o cheiro
dos cajueiros nordestinos
Desejo ser cajuína
saciar tua sede
como os beijos sonoros
dos passarinhos empapuçados
Desejo ser “pé-de-tonel”
embriagar teus sentidos
aquecer teu corpo
com meu pequeno caju em flor

 

DINIZ, Lilia.  Sertanejares.  2ª. Edição.   Imperatriz, MA: Edições Lamparina, 2012.  102 p.  Formato irregular, papel kraft, incluindo bandeiras feitas de tecidos coloridos. Capa abano: José Ferreira Diniz.  IMAGENS: Diego Janatã, Alexandre Almeida e Alice Diniz.  Projeto gr[afaico: Lilia Diniz e Haroldo Brito.Edição artesanal costurada à mão.  Ex. bibl. Antonio Miranda. 

 

LOUVAÇÃO

Bem que vi foto pagou
com labacéu medonho
nas capoeiras
o canto da juriti
e o balanço das palmeiras

Se ninguém ouviu eu quero
com esses versos rasteiros
bendizer as lavandeiras

Louvo Marias naquelas
desdentadas e sem medo

Louvo Raimunda do brejo
cacimbada de desejo

Louvo Rita desmilinguida
cantadeira de encanto
Luzia, Preta, Conceição
Querubins, Margaridas
benzedeiras de mau olhado
vento virado, algoro e quebranto

Lavadeira de rios e cacimbas
dos poços e dos brejinhos

Encantadeiras de dores
parteiras de alegrias

Carpideiras orquestrando
o labacéu dos passarinhos

Empresta meu canto ainda
que de taquara rachada
pra fazer a louvação
junto com a passarada

 

VIOLA

Cada nota é faca cega
enferrujada
rasgando minha alma
em noites de lua cheia
minguante de alegria
crescente de saudade
latejo e mereja
novos balseiros
em notas dissonantes

 

ALUMIADA

As caliandras enfeitam
as sombras tortas do cerrado
como os teus olhos
enfeitam os tortuosos
caminhos nas trilhas
de mim mesma

 

DÓI INTÉ A ALMA

Mode tua ida repentina
inda hoje é dia que
meus olhos e alma
estão diluridos

Pelejo dias e noites
pra arrancar o gosto
que ainda sinto
das tardes quentes
quando amantes em pecado
nos lençóis de carne ardente
breamos nossos corpos
na estação das mangas

 



Na foto:  Edmilson Caminha, Antonio Miranda, Abhay K. , Makarand R. Piranjape,  Lilia Diniz e, Zenilton Gayoso  na sessão do Chá com Letras, Embaixada da Índia, 14/10/2016, em Brasília. CLICK S/FOTO para ampliar.

II BIENAL INTERNACIONAL DE POESIA DE BRASÍLIA – Poemário. Org. Menezes y Morais.  Brasília: Biblioteca Nacional de Brasília, 2011.  s.p.  Ex. único.

 

 

Cabe ressaltar: a II BIP – Bienal Internacional de Poesia era para ter sido celebrada para comemorar o cinquentenário de Brasília, mas Governo do Distrito Federal impediu a sua realização. Mas decidimos divulgar os textos pela internet.


Essência

 

Impregnado em meu

corpo

trago o cheiro doce do

cedro.

Nas minhas magras

veias

o que corre não é

sangue azul

nem vermelho

é puro leite

é puro azeite de

babaçu.

 

Minha pele

foi tecida

pelos bilros de

minha avó “Baíta”.

 

Meus olhos esbugalhados

foi mãe da lua

que alumiou,

com o triste canto da

rolinha fogo pagô

fogo pagô! fogo pagô!

 

O pulsar da

minha vida

tem o ritmo

traçado

pela dança da

mão de pilão.

 

Meu riso frouxo

nasceu

das cantigas de

cordel

à luz das lamparinas

brincadeiras de roda

cair no poço e

pulando corda.

Forjada nas

farinhadas

nos engenhos de

rapadura

e nas debulhas de

feijão

mesmo saindo do

mato...

Ele não!

permanece dentro

de mim

grudado que nem

mucuim

 

Alumiada

 

Careço de ti

iluminando os meus dias

com a lamparina

dos teus olhos

 

 

Tocantins

 

Em tuas águas

mergulho pra ver

melhor o mundo,

lavo meu corpo

cansado,

banho meus sonhos

ressecados,

afogo desilusões,

renovo minha esperança

e toco a vida adiante.

 

É apenas um convite para que visitem o blog da autora, onde tem mais:

http://lilia-diniz.blog.uol.com.br/

TEXTOS EN ESPAÑOL

Traducción de Cecilia Pavón

 

VARGAS & MIRANDA Compiladores.  Selección y revisión de textos por Salomão Sousa.  TRANS BRASILIANA  ANTOLOGÍA  36 MUJERES POETAS DO BRASIL. MARIBELINA – Casa del Poeta Peruano. 2012  134 p.      Ex. biblioteca de Antonio Miranda

 

      Broma de niña

       
Entonces la gente jugaba
       imitando las lavanderas
       las de los embalses, de los pozos
       en canciones rápidas,
       haciendo espuma blanquita
       lavando con las escamitas
       de aquellas jaboneras
       las ropas de las muñequitas
       todas bien placenteras.


       Urdiduras

       
Tejo día tras día
        la mortaja que vestiré
        Mientas coloco botones
        pequeños, grandes y coloridos
        (coso mis días siempre antes de vivirlos)

        En los bordados ya listos
        figuran mariposas
        que llevarán lo mejor de mí
        (quedan dos o tres, no más)

        Mi mortaja escoge su color
        a medida que es tejida
        un día es amarilla
        al otro ya es roja
        (nunca escogió ser blanca)

        Y fijo flores en los bordados interminables
        Hay noches que experimento
        y siento el gusto de la muerte
        confieso que gusto y gozo

         pero soy impelida a desnudarme
         para terminar de tejerla
         (aún hoy rompí un ramo de claveles)


         Ahogada

       
Náufraga en el vertedero
         de tus besos
         pesco estrellas
         en el cielo de tu boca.


*
Página ampliada e republicada em julho de 2024

 

Página ampliada em setembro de 2016. Ampliada em novembro de 2018; ampliada em julho de 2019


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