JOSYRA SAMPAIO
Nasceu no Rio de Janeiro (RJ), em 28/09/1931. Mudou-se em 1967 para Brasília para compartilhar o sonho de Dom Bosco, onde “correrá leite e mel”. Fez cursos na USP, com destaque para Filosofia da Música (do prof. José Miguel Wisnik). Como professora, desenvolveu vários trabalhos na Fundação Educacional do Distrito Federal e na Aliança Francesa. Promoveu um Tribunal Popular de julgamento da dívida externa, e visitou Cuba onde trabalhou nos laranjais ao lado de camponesas. Acompanhou o MST para fotografar as trabalhadoras do movimento e expôs esse trabalho em Brasília. Recebeu do ministro da Cultura da França, M. Jack Lang, a Comenda Chevalier de J’Ordre des Artes et des Lettres.
Bibliografia: Cantigas; A Espera, Thesaurus (s/d); Soma; Formosa (acompanhado de vídeo sobre danças do Brasil, que foi distribuído às escolas públicas do DF).
Não desejo esse corpo
que sei
sempre dando e suplicando sóis
Corpo espiral
de umbigo a outro
gastando vida
O que eu desejo é o outro
Completude perfeita
A outra face
O lado obscuro
Então vou palmilhando
como quem lavra
flores varas falos botões
multiplicante iluminando
Perfeito o laço
ele é tudo
e sou ele
quando o tenho
***
Lua crescente branca
pousada no tapete algodão
corpo tendido entre quietude e fragor
Ela te aguarda
brilhante e dócil
atenta ao gozo próximo
desejo contido na espera
Lua negra indócil
perscrutando da metade oculta
te enlaço por cima inesperada
liquefazendo meu gozo no teu ventre
Teu olhar se ofusca na brancura
e teu prazer mergulha
na profundez da outra face
a oculta inebriante obscura
***
Àqueles que se dizem
naturalmente irresistíveis
sedutores respondo
Não me cativa o falo
Atraem-me certos pomos
dourados
verdes
ou maduros
que exalam certos perfumes
de vida
Intensamente
***
Repousar no lilás dourado
de agosto
preencher tempo de desejos sem
resposta
E a faísca?
Inútil
quarta-feira está chovendo
por cima de todos os flamboyants
***
Para aqueles que nos arrancaram olhos,
cabelos, boca, ouvido,
para aqueles
já não haverá tempo
de conhecer de perto
a mulher que
desde ahora esta
entera
e mira sonriente
para el Sur
com su niño — nuestro sueño
de hombre
entero —
en sus brazos
Página publicada em março de 2008, por indicação de Salomão Sousa.
SAMPAIO, Josyra. Soma. Brasília: Dupligráfica, 2002. 52 p. ilus. 14x21 cm. “ Josyra Sampaio “ Ex. bibl. Antonio Miranda
Te quero porque
é em ti que vou
saindo de mim
Essa parte tua que é minha
Essa parte tua que é minha
tão pouca mas tão tua
quero completamente
minha
Esse pedaço de ti
é tão meu
quanto eu sou toda tua
Para Cláudia,
reinventando
Ser apenas
como nuvem que
apenas é
brilhante e firme no espaço
Ou como pássaro que
apenas é
ondulante traço
brilhante e firme
flutuante traço
Apenas ser
Ah! ser apenas
MEU ESPANTO
I
Lá vai atravessando
pela rua o arco dos ombros
e os cabelos brancos
aquele senhor
que não tem tempo
nem mais a criança
Ele a perdeu
nesse horizonte de asfalto
É filho é irmão e pai
mas vai atravessando sem árvores nem estrelas
talvez em busca do que nem sabe
cismando velhaco
e a penúria agarrando-o na garganta
A pele cafusa morde-o
e ele se arrasta pela grama
que lhe oferece o verde
inutilmente
Do outro lado da rua a mesa
de um bar
testemunha
o derradeiro cálculo que ele anota
— de que sinistro ardil? —
estranho entre os passantes
Agora o elevador, a sala, a mesa, o lápis
e ele
sôfrego atrás dos óculos
se reencontra enfim
dentro das gavetas
(...)
Página publicada em março de 2015
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