JOÃO BORGES
Formou-se em jornalismo pela UnB. Trabalhou nos jornais O Estado de S. Paulo, O Globo e Jornal de Brasília, na revista IstoÉ e na Rede Bandeirantes. Foi responsável pela área de imprensa do Banco Central de 2000 a 2002. Em 2003 ingressou na GloboNews como repórter e comentarista de economia e hoje é editor de economia do Jornal das Dez. Nasceu em Pirajuba, Minas Gerais.
HÁ VAGAS para texto e traço. Brasília, 1983. No.1. Edição: Armando Veloso, Chico Leite, José Adércio Leite e Paul Joe. Edição de Arte: Regina Ramalho. Capa: Jô de Oliveira. Revista cultural brasiliense.
A seguir, um dos poemas desta edição:
BRIC A BRAC TUDO PODE SER DITO NUM POEMA. Ano II. Número II . Capa: Resa. ª. edição. Editores Luis Turiba e João Borges. Diagramação e arte de BRIC-A-BRAC Documento: Antônio Carlos Guimarães. Brasília, Cultura Gráfica e Editora Ltda., 1986.
S. p. 23 x 32 cm. ilus. Inclui “PRÉ PÓS DO CONCRETISMO segundo A. de Campos - Ex. bibl. Antonio Miranda
AS PRIMEIRAS NOTAS DO ABUSO
I
vôo, intravôo através das farpas de um tema.
um tema?
um coração/poema, uma confluência de sangue, vasos, músculos:
não chora não ri oxigena.
ao avesso, não o órgão bem talhado, em sua forma, mas um ato
de degenerescência:
verte a um copo de cerveja, palavra-espuma, bolhas coloridas às
centenas;
e, numa terceira linha, uma confusão de fibras, uma inextricável
rede de intrigas
II
Sucumbe o gesto ao tempo à intempérie algum vislumbre
Um saque se dele não se incumbe
não a pérola, mas oh! que desbunde! sua auréola.
para efeito de sucessivas verificações, a auréola registrada:
no poema
no bronze
no lenço
anúncio de TV
fita magnética? nada pode te assegurar!
no vento
sim, memória/medula de tudo
ou num espelho abandonado que na recarga do reflexo se
estilhaça
e antes que os últimos pedaços se acomodem no canto da sala
e a luz se apague
no rapto do olho (espelho ainda)
como se um grito do vazio irrompesse com todas as sílabas:
cuide, com todas as suas forças cuide para sempre de mim!
.
E deus, ou uma formiga, ouvisse
e a imagem por este frágil processo se perpetuasse.
III
veja, o não e o sim que o silêncio afia e desafia:
a sede, vivo espelho d´água, na esgotada vive
IV
um coração/poema
no que não seca nem se entrega ao mar
um coração/poema
rio
quando mais seco, tudo banhar
um rio mais que navega, um rio é tudo que fica
V
é tudo que fica, como por exemplo, no rosto as marcas
de um dente
para que te a avaliem a eficiência.
colher o fruto?
avaliar + morder o fruto?
descer da folha à raiz, destino reservado aos sóis.
VI
o poema é uma hipótese
a formiga uma obra-prima
deus uma invenção anterior à eletricidade
( )
idéias essenciais, os verdadeiros sentimentos
se alimentam de um ponto vazio e não se degeneram
VII
um coração/poema
estrutura, fendas
uma tremulação vermelha
uma fogueira
VIII
viagem, viver, escrever, escreveremos
não há porto de chegada
não há nada
IX
girando sobre um eixo fictício
nova posição remete a um novo ângulo
assim como peça móveis
1 — a última gota, aparada na mão, contém o mar, e os rios
que já chegaram:
2 – a palavra, menina, que como uma folha branca, por duplo
reflexo, te ilumina;
3 — nascer, sempre nasce, pela suprema graça do que nasce, meu
pacto de morte exata
X
em movimento, como pingente, rabiscar no corpo do poema:
supratema
linha do horizonte, têmpora
XI
um tema é o que possa vir tocar sua atenção, nem eterna nem
momentânea
um ponto de onde você não pode se afastar e mesmo
assim a este risco se disponha:
atire-se voz! Aventura!
nenhuma ave-palavra basta, nem uma aeronave lavra os céus
sacia um tema
se mais falara, silêncio
gangrena
XII
todavia
tocar a atenção
como se o dedo mínimo cobrir todo o leque pudesse
Página publicada em outubro de 2021
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