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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 




JOANYR DE OLIVEIRA

(1933-2009)

Escritor pioneiro de Brasília, nasceu em Aimorés, MG, em 6.12.33. Bacharel em Direito, jornalista desde os 16 anos e Analista Legislativo (aposentado) da Câmara dos Deputados, depois de haver ingressado, também por concurso público, no quadro de Revisores do Departamento de Imprensa Nacional (Rio, 1959). Além de poeta, várias vezes laureado, é cronista e contista. Também antologista: Organizou Poetas de Brasília (1962), primeira obra literária editada no DF, Antologia dos poetas de Brasília (1971), Antologia da nova poesia evangélica (Rio, 1978), Brasília na poesia brasileira (Rio, 1982), Poesia de Brasília (Rio, 1998); Poemas para Brasília (2004) e Horas vagas (contos, 1981). 

Obra poética: Minha lira, Rio, 1957; Cantares, Rio, 1977; O grito submerso, 1980; Casulos do silêncio, Rio, 1982; Soberanas mitologias e A cidade do medo, Anaheim, CA, EUA, 1991; Luta a(r)mada, id., id., 1992; Flagrantes Líricos, Buffton, OH, EUA, 1993; Pluricanto - trinta anos de poesia, 1996; Canção ao Filho do homem, Rio, 1998 e 2000; Vozes de bichos (infanto-juvenil), Rio, 2000 e 2002; Tempo de ceifar, 2002; A hora de Deus, Jaboatão, PE, 2002; 50 poemas escolhidos pelo autor, Rio, 2003; Por que chora a chuva? (infanto-juvenil), Rio, 2005 e (no prelo) Antologia pessoal - 7 e Biografia da cidade. Prosa: O horizonte e as setas (contos, em parceria com Anderson Braga Horta e outros, 1967), Caminhos do amor (contos, Rio, 1985), Entre os vivos e os mortos (romance, Rio, 1985). Participa de várias antologias (poemas, contos, crônicas) e outras publicações, no Brasil e no exterior: Argentina, Canadá, Espanha, EUA, França, Índia, Itália e Portugal.. Membro de academias e outras entidades culturais. Residiu em Vitória, Rio, São Paulo, Goiânia e cidades do interior e nos Estados Unidos (Nova Inglaterra e Califórnia).

Joanyr de Oliveira, faleceu na manhã do dia 05 de dezembro de 2009, no Hospital Santa Helena em Brasília e foi sepultado no Cemitério Campo da Esperança em Brasília, como pioneiro e figura destacada da cultura local e nacional.

 

TEXTOS EM PORTUGUÊS / TEXTOS EN ESPAÑOL

 

HAICAI

Sempre a olhar os céus,
errei. Bem mais errarei
contemplando a terra.


BRASÍLIA
A Lúcio Costa

Amorosa e clara,

a cidade

              voa

                      com as próprias

  asas.

 

Alegorias em pluma,

estátuas no rosto das águas.

Arcos, trevos, o verde.

Eixos geram esperança

na fronte do homem.

O lago ama com os braços,

abarcando o equilíbrio.

 

A terra afina os tímpanos

e as perfeitas retinas:

canta nas noites a fonte.

Artérias humanas e urbanas

em suas vigílias: áureas

dádivas: o branco, as superquadras.

 

(O pretérito nos mausoléus,

longe de nossos cânticos.)

 

Amorosa e clara,

a cidade

              voa

                      com as próprias

  asas.


O EU CENTAURO

O vento esculpe na nuvem
o meu eu todo centauro.
Nele me encanto. E o cavalgo,
vou trotando sobre o tempo.

As patas sobre o azul
jorram sendas, luminares.
Alimária e seus mistérios
imersos na Grécia antiga,
a renascer fulgurante
das constelações e do
ventre côncavo da lenda.

Bebo assim mitologias
a desaguar nas alturas.
A somar bailado e canto
das mil tribos submersas
no negro mar da memória,
de candentes epopéias,
sou as crinas tremulantes
e o retinir mais agudo
dos cascos enluarados.

O vento beija-me o corpo
em rodopios, no espaço.
Dois olhos resplandecentes
entre luas apagadas
espraiam meu níveo rosto
neste trotar de centauro.


ARS POETICA (I)

(Trad. de Jean R. Longland)

The poet dismisses
the laws of man.
He clothes himself in daws,
inhales the rounding of the hours.

On the steep side
                            of the body
his hand plucks the fruit.
The pulp, the seed,
the stalk, the anguish.

Passersby spit and die.
Golden epitaphs
on the mornig's shoulders.
Demons are angels
in the arches of the gale.
Melancholy heroes
wound the non-commitment
of clouds ands waters.

A bird on high
makes na eternal circle.
The poet re-invents
the geometry of the world.
he re-writes the warbling
and the pictorial flight.


CONDIÇÃO

Para ser livre, em célicos abismos
tributo aos sóis e miragens,
e a quanto voeja e paira
nos vagos portais dos ventos.

Para ser livre, aceito lâminas
e brasa e sede e cegueiras
pelos campos da carne
em fundos mundos opacos.

Para ser livre, ato mãos e mandíbula
à trajetória dos deuses,
beijo a luz de seus feitos
e os afogo em sombras.

Para ser livre, mergulho os pulsos
em dor e delírios,
em dejeto e salsugem.
(Vou fluindo no tempo.)

Para ser livre, apodero-me do azul
onde as vozes se aninham.
Sons alados me tangem
convertendo-me em brumas.

Para ser livre, me diluo e regresso
entre dorsos de arcanjos,
entre lodos e arpejos,
nas algemas das noites.

Par ser livre, sou áspero e rude
contra nuvens e rostos.
Meus bramidos soterram
regozijos e abraços.

Para ser livre, rumino os mausoléus
e a lividez dos corpos,
e as cãs e os agudos soluços,
e o luzir de epitáfios.

Para ser livre, oponho-me à pedra
e ao metal -e me sangro.
Escarneço dos laços
e dos guantes da terra.

Para ser livre, coabito
com sicários e insônias,
e apascento as loucuras. (Assim
as chaves do Reino me visitam.)


CANTARES II

(Colóquio)

Pelas pisadas dos rebanhos
na quietude do outono,
Deus espraia o mel de Sua voz.

Ouvi, ó tendas de pastores,
rodas de carros faraônicos,
eqüinos revestidos de auroras.

Tranças debruçadas no silêncio
somam-se à bondade das videiras
e aos cachos bailarinos da seara.

No dorso intangível da solidão
Deus espraia o mel de Sua voz.


O MENINO MUTILADO

Bagdá, seis de abril, domingo.
No subúrbio de Diala,
um menino chamado Ali Abbas
perdeu as mãos e o sonho.
O coração do mundo contraiu-se
ferido pela imagem enfática.

Seus pais se desintegraram
nas profundezas do sono.
Com que sonhariam no instante
em que o míssil desvairado
saltou sobre as velhas telhas
e o assombro total das paredes?

Os pais de Ali Abbas talvez
no seu amplo tapete onírico
navegassem o branco da paz.
O sonho, ingênuo e sem olhos,
não situa as portas detonadas.

O míssil de nome Tomahawk
bradou "não" e "não", e categórico
fez da casa sombras e ruínas.
Devorou falanges, falangetas,
os braços, o amanhã e o sorriso
do guri sonhador Ali Abbas.

Comovido indagou Ali Abbas:
"Quem sabe poderias trazer-me
meus dois braços de volta?"
As lágrimas envoltas no silêncio
afagaram as palavras do menino
e odiaram o míssil e seu ofício
de antropófago no céu de Bagdá.


NID

(Trad. de Jean-Paul Mestas)

Le petit oiseau sans plumes
sans chant ni voix,
retenu dans son envie d'ailes.

Le nid humble
dans la crainte du bec, des frayeurs,
touche la fragilité du corps.

Le petit oiseau:
don précoce à tressaillir dans la nuit.

Le nid:
main sans fatigue à cueillir la vie.


ESCRÚPULO


Deito o poema na aragem,
longe dos sacrilégios.

Os vassalos do metal,
os abismos, os delírios,
os tímpanos de pedra e cal,
as destras mãos na rapina
e as sinistras nos fuzis,
os decibéis desvairados
com quatro pedras nas mãos,
as volúpias dos cifrões,
os parlatórios e fossas,
as fomes palacianas,
os lobos condecorados
pelos guantes do Sistema

não fazem jus ao poema.


NEW YORK CITY


Os altos ponteiros da noite
apontam exaustos para o céu.
A chuva choraminga e cai
nos pés da Quinta Avenida.

Um negro talvez do Harlem,
rouca voz angelical,
oferta o reino de Deus.
Judeus de barba e casacos
em três manadas de espantos
a derramar-se na esquina.

Trinta passos saltitantes
a expor com jeito os trejeitos
contra vitrinas e nomes.
Um rio a jorrar piranhas
sobre o passeio apinhado.

A Estátua da Liberdade
matreira sorri no escuro
do topo de sua glória
e eis "The New York Times"
a pontificar soberbo
para reinos e universos.
Fumaça apunhala o ar,
conduz o peso das vidas.
Sonhos flutuam seus braços
em altas viagens brancas.

Passam passos de Al Capone,
passam dráculas.
            Passam lânguidos
sobre fantasmas de bondes.
Há mortos embriagados.
Casais de corvos de Pöe
escarnecem da Lei Seca.

***
(Minas Gerais nem suspeita
deste doido mundo esconso.
Juntinhos na madrugada,
seus profetas ressonam...)


LA MATURA PAROLA
(Trad. de Mercedes la Valle)

La matura parola
cade e insanguina
nei giorni opachi la
                            parola
ferisce nella sua vigilia
la crosta del grave silenzio.

Nelle sirene dell'angustia
nei mormorii e fughe
la matura parola
apre le mani perplesse
nel dorso dei giorni.

Contro la valle della morte
la matura parola.
Nella matura parola
l'epitaffio delle ombre
e la conzone degli uomini.


PRELUDIO

Para Afonso Félix de Souza

Con bridas de fuego y espuma
entre el crepitar y el hielo,
sorbes néctar, cielos y brumas.
Caballo sin revés ni pelos,
crines ni cascos, los lomos
incorpóreos por los yermos.

                Flechas de tropeles y espantos.
                (Osadía, insania y miedos.)


Así, ave encarnada y fria
hecha el resto de las eras
para las orillas del infinito
- y el pensamiento se hiere
sobre diosas diluídas
em lo ignoto, en claridad y tinieblas.

                Mi canto navega al aire.
                (Tallo y dardo, oveja y fiera.)
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 





 

 

 

 

 

 

 

 

 

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OLIVEIRA,  Joanyr deSoberanas mitologias e a cidade do medo.  Anaheim, CA – USA: S. S. Printing Graphic Design, 1991.  47 p.  14x21,5 cm.  “ Joanyr de Oliveira “ Ex. bibl. Antonio Miranda

 

DO SORTILÉGIO E DA INFÂNCIA

Entre frutas passadas ou imaturas,
a negra mão cerzia o véu da noite;
em sons enovelada e em vã procura
intimidava o céu um açoite.

O menino encharcado de magia,
a ungir o frágil com reverência,
brindava à luz, em pranto estremecia,
e a banhava no mar de sua inocência.

O celeiro de estórias severas,
maior que o templo azul das prateleiras,
concebia sacis, almas e feras.

Espantalhos pingavam das goteiras,
com multidões de filhos de outras eras,
a bailar e a fugir pelas lareiras.

 

DAS SOBERNAS MITOLOGIAS

A casa azul destas mitologias
tem paredes suspensas na memória.
E tudo a refluir, abrindo os dias,
pesa a bateia grávida de escória.

Universos nervosos e inexatos,
sob o rumor de coisas e entidades,
coabitam com luas com gatos
a converter delírios em verdades.

Animais a lamber alegorias,
sem distinguir as abelhas dos patos,
ministram saborosas teorias.

Servil aos versos mais intimoratos,
me tempero no sal das zombarias
e presto ao vento contas de meus atos.

 

DA ESQUIVA PALAVRA

Se a palavra se esquiva, vou buscá-la
com paixão, com desvelo e reverência;
nunca sei se num mestre ou numa vala,
porque sempre aceitei sua inocência.

Sei do verbo nas fossas e nas chamas,
mas prefiro da moeda o lado oposto:
as palavras são virgens ou são damas
a oscular o silêncio de me rosto.

Navegante da noite, me maltrata
o nosso corpo-a-corpo, a nossa luta
em que tanto rejeita quanto é grata.

Essa lânguida fêmea...  Ela se oculta
pelo ermo de meu ser, e me arrebata
intangível, fugaz, plena e absoluta.
 

 

Extraídos de

ANTOLOGÍA DE LA POESÍA BRASILEÑA

Org. y traducción de Xosé Lois García

Santiago de Compostela: Edición Loiovento, 2001.

 

ELEGIA N. 8

 

Assim maduro no exílio,

presa de tuas parábolas,

construo em fugaz semblante

longo e vago itinerário.

 

Quando  —apenas mero relâmpago?—

nossas veredas se cruzaram

eu nem sequer em teu rosto

pousei as teias do olhar.

 

A poesia de minha boca

estendia-se na distância.

As retinas que me buscavam

do abissal de tua essência

diluíam-se em espaço

onde nem passei, menina.

 

Hoje espero teus vocábulos

que escalam trêmulos e tímidos

até as bordas e o âmago

de tanta perplexidade.

 

E diluído eu caminho

por incorpóreas muralhas.

Em dizeres que floresces

por vasto campo de ausências

és fonte de ásperos dilemas.

(Por que és tanto Esfinge, menina?)

 

 

RAÍZES DE HOMEM NO OUTONO

 

Grito roxo e grave

dos olhos profundos.

Semente das auroras

imprecisa estéril.

 

Onde a rosa-dos-ventos

e as flores matutinas?

Os caminhos murcharam,

os abismos não dormem.

 

O sorrir do homem

gotejante lívido.

A semente das auroras

no ventre do outono.

 

Eis a rosa-dos-ventos

cegueira e vertigem.

O corpo sem horizontes

rumina as raízes da solidão.

 

 

 

TEXTOS EN ESPAÑOL

 

Extraídos de

ANTOLOGÍA DE LA POESÍA BRASILEÑA

Org. y traducción de Xosé Lois García

Santiago de Compostela: Edición Loiovento, 2001.

                                              

                                               ELEGÍA N. 8

 

                            Así  madro en el exílio,

                            presa de tus parábolas,

construyo en fugaz semblante

largo y vago itinerário.

 

¿Cuándo —apenas mero relâmpago?—

nuestras veredas se cruzaron

yo ni siquiera en tu rostro

pose las redes de la mirada.

 

La poesía de mi boca

se extiende en la distancia.

Las retinas que me buscaban

desde tu esencia abismal

se diluían en el espacio

por donde ni pasé, niña.

 

Hoy espero tus vocablos

que escalan trêmulos y tímidos

hasta los bordes y la esencia

de tanta perplejidad.

 

Y diluído yo camino

por incorpóreas murallas.

Diciendo que floreces

por basto campo de ausências

eres fuente de ásperos dilemas.

(¿Por qué eres tanto Esfinge, niña)

 

 

RAÍCES DEL HOMBRE DE OTOÑO

 

Grito rojo y grave

de los ojos profundos.

Simiente de las auroras

imprecisa estéril.

 

¿Dónde la rosa de los vientos

y las flores matutinas?

Los caminos se marchitarán,

los abismos no duermen.

 

La sonrisa del hombre

goteante lívida.

La simiente de las auroras

en el vientre del otoño.

 

He aquí la rosa de los vientos

ceguera y vértigo.

El cuerpo sin horizontes

planea sobre las raíces de la soledad.

 

OLIVEIRA, Joanyr de, org.  Poetas de Brasília.  Brasília: Editora Dom Bosco, 1962. 107 p    16 x 22cm. 
Ex. bibl. Antonio Miranda

 

 O DOMINGO AZUL

              “Todas as funções da alma
estão perfeitas neste domingo.”
(P.M. Campos – O Domingo Azul do Mar)


As mãos desse domingo azul    
recolhem as fugas não concluídas.

Vejo que o tempo erode na sua invisibilidade —
as marcas se fecundam no meu rosto.

No domingo azul está o relicário;
que a memória do azul domingo perdure intacta!

É o leito róseo da visão furtiva,
o sorriso fiapo já perpetuado
e um certo crepúsculo em sangue
que em avidez sugou-me.

As mãos desse domingo azul
usam meneios que brotam de surpresa,
o filme retendo no indelével
cálidas
e nelas a brisa e o seu odor
a fluir para os mundos no aquém sitiados...

Corpos que hoje florescem nas campinas
inteiros vivem no domingo azul
de mãos construídas de imensidade,
gravando a amenidade em pedra,
eternizando-a.

Temo a exaustão das horas
e as bordas com a cor do além da vida.
Temo a fuga afinal desse domingo azul...

 

       OLHAR DE MENINO

ao J. Júnior
ao J. Judson

Nos olhos do menino, a invenção
recalcada no rotineiro insulso.
(Sons inauditos  rasgam a altura,
plenos da inocência criadora.)

No passeio, um inseto traduzindo,
veem alma no glacial cimento
os olhos do menino, e acolhem,
são aconchego do que não pressentimos.

Incursionam pela frases do crepúsculo,
leves, e a eles é límpido o ígneo livro
no espaço — concha do que se externa,
do sinete da espadas interiores.

Esquinas reeditam as cantigas
de arquivada infância e episódios:
e o menino dialoga com os anjos,
o candente da lenda e o estribilho repete.

Quisera eu recanto ou alameda
no multicor dos olhos do menino,
para de alma trasbordar e de sangue
os poemas que noite me distila, inepta.

 

 

       OS SENHORES DA LEI

Os pais da lei, multípedes alados,
deitam a projeção nos campos.
E os bois da impaciência, anti
(gos), ruminam o dia novo.

Os tutores da lei, na infiel balança
asfixiam zuartes que reinvidicam;
os martelos apartes esfacelam;
sob a tutela a dura voz, apenas.

Os apologistas da lei, ao leme,
praticam anestesia no esquelético.
Na aleivosia do gesto e do sorriso
constrói pedestal “para os milênios”.

Os gendarmes da lei, de espada longa,
pesam as ruínas de aço na vindima
e as sementes cremam, temerosos.
(Medalhas no peito lhes florescem.)

Os sacerdotes da lei, em lascívia,
gozam o vinho, os ossos roem,
e aspergem. Profetizam que “in eternum”
vertebrados escudarão o templo...

E os cativos da lei, ao pai da lei,
como ao gendarme e ao apologista,
ao sacerdote e ao tutor, exercitam
um Réquiem mesclado à Marselhesa.

(Não chorarei pelos donos da lei...)
 

 

       CÚMPLICE
                á N. G. 

Amanheço para a namorada
e sou um homem inútil.

Flutuo meu castelo novo,
canções o embalam;
há luzes envolvendo-me o olhar.
Enebriado no sortilégio,
um condor me absorve.

Mas há o túnel dos homens
a esmagar o mais tênue acorde;
azorragues da lei de duas faces
sobre o horizonte-miragem dos pobres...

Emudecido pelo amor
sou co-autor no crime —
a indiferença é enorme:
que será de nós, meu Deus?

Amanheço para a namorada
e sou um homem inútil.
O silêncio é-me cruz nos ombros
e ela não compreende...

 

 

Página ampliada em junho de 2021

 

                      

ESCRITORES BRASILEIROS 1985. Coordenação Editorial: Maria Almeida.   Rio de Janeiro:     Crisalis Editora, , 1985.    115 p. 
       
Ex. bib. Antonio Miranda, doado pelo livreiro Brito.


 

OPÇÃO 

Se eu acaso rimar
a palavra Excelência
com mel ou céu, José,
ou com outras coisinhas
dulcíssimas e amenas,
bendirão meu poema
e o colorido sem par
de minhas metáforas.

Se eu porém rimar fome
com a palavra homem,
bem o posto teremos:
olhos de fel e desdém
dirão copiosas (copiadas!)
ofensas no meu nome
e amplos rótulos temíveis
cravarão em meu rosto.

Teu lamento de séculos
repercute em meu sono.
Digo não! aos senhores:
por que haurem teu sangue?
Minha paz refloresce
em teus ásperos caminhos.

Chamo-te irmão, José.
Chamo-te irmão, José.
 

* 

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Página publicada em janeiro de 2022

      

 

 


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