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GUILHERME GONTIJO FLORES

 

Guilherme Gontijo Flores nasceu em Brasília, em 1984, e reside hoje em Curitiba. Seu primeiro livro, Brasa enganosa, será lançado este ano pela Editora Patuá. Professor da Universidade Federal do Paraná.

 

 

101 POETAS PARANAENSES (V. 2  (1959-1993)  antologia de escritas poéticas do século XIX ao XXI.  Seleção de Ademir Demarchi.  Curitiba, PR: Biblioteca Pública do Paraná, 2014.  398 p. 15X 23 cm.  (Biblioteca Paraná)

 

 

 

NÃO BASTA O RIO

 

murmúrio

adocicado das águas

rumo certeiro transparência

do olho d'água

desaguar suave sua torrente

não adianta fonte pura

ou perpétuo devir dos rios

como se fosse foz

seu único destino

 

não basta o rio —

cruzar a vida como esquina

sem banzeiro que revire a via estreita

nem

sorrir pra cantilena ilusória do mar —

 

carece macaréu em barro e areia
arrancado as árvores revendo
o próprio rumo     estrondo só
sal revoluto

o corpo inteiro em pororoca

 

 

 

PENSEM NA PLANTA ANTROPOFÁGICA

 

            no cauim comercial
    
na planta que consome a pedra
consome a água

                        mais dura que a pedra
e reverte o verde da carne em muro
                       
em pele estanque

 

no não lugar entre a carne

                        e novamente a pedra
repleta de um som silente de planta

 

 

 

NA RACHA FIBROSA DA LÍNGUA

 

                   a querer domar
amansando na fala
o fundo maior do velho
                           
mundo

vomitamos insinceros
     
a vida num caldo
                  
cauim de cultura
incultos sabores gentios

 

mas antes de moldar-nos homens
           
tolos moldam anjos

 

 

 

AMETISTA

 

i — o poema

 

instalada no estresse mecânico
da rocha

       purpurescente
em seu casulo
compósito de quartzo

 

a ametista desabrocha
seu veio
feito falha

que o olho logo acolhe

como se fosse ela a sua própria

rocha

 

incrustada na drusa
esdrúxula

como que no cerne do fracasso do granito
em seu enorme geodo

      joia parca
ela se despetala

 

flor na forma do cristal

 

2 —o problema

 

ametista
do sul — RS

a mão que se embrenha no breu da rocha
flor nunca colhe

 

procura nessa pedra o pão
nosso de cada dia
do peperito inala pouco

a pouco o pó

                 do peperito
e dele faz anelação

 

tateia por sobre o tempo da terra
escava o pão da sua cova
e ali se
enterra

 

 

 

3 — o negócio o esquema

 

polida incrustada
no anel agora (semi)
preciosa

 

ela se faz de pão a preço

o olho que o anela transforma a pedra
em gema que gera

      mais-valia
na boutique de pedras

 

4 — o metapoema

 

incrustada na página ela não

            passa de palavra
em que sequer se paga o pão
— convém aqui citar

 

a man (who could not earn his bread
because he would not sell his head) —

 

sem preço de mercado

que aqui se consome

entre os dedos gelados de um poeta

de província

seu protesto é menor do que o grito
da última flor do prado

            perdida
soterrada na geada

 

não cabe nas rodas literárias

com sua tanta cor que fere

nem pra pedra de cabral ela serve

não carrega no corpo a poeira do asfalto

            o concreto gelado no asfalto

            a canseira do asfalto
retornada ao fracasso
ela é demasiado lírica
demasiado límpida estampada

            de preto

 

nem torre de marfim

 

 

 

Página publicada em maio de 2016

 

 


 

 

 
 
 
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