A rima denuncia é o título do livro de GOG que a editora Global, em boa hora, lança pela Coleção Poesia Periférica. Sinais dos tempos. Poesia social, de denúncia, de protesto, sempre esteve presente na poesia brasileira, desde suas origens. De Gregório de Mattos aos Inconfidentes (mesmo que nos apresentem como líricos e bucólicos, eles também fizeram o registro da opressão colonial); passando pelos abolicionistas como o caso máximo de Castro Alves; atingindo um ponto alto entre os modernistas mais lúcidos como Carlos Drummond de Andrade (Rosa do Povo) e a vida severina cantada em cordel culto pelo João Cabral; até os tempos heróicos da resistência ao regime militar nas vozes de Affonso Romano de Sant´Anna, Moacyr Felix, Ferreira Gullar e Thiago de Mello. Mas também estavam os cordelistas e os compositores dos morros registrando a nossa história social para os ouvidos dos que, como sempre, pensam que a poesia é território exclusivo da lírica e da alienação.
Não cabe mais perguntar se letra de música é poesia, se poesia social é ou não é poesia... Muitos poemas funcionam num processo em que cumprem uma função. Se sobrevivem, é coisa para os pósteros, para os historiadores da cultura. Se vão ser considerados banais, discursivos ou mesmo panfletários, sem valor literário, é questão que não cabe aos autores. Importante é avaliar o impacto que esta literatura alcança, o papel que desempenha. É o caso do hip hop, do rap urbano, das músicas que, a exemplo de GOG, animam uma cena peculiar de nossa vida como grupo social, onde a literatura e a música funcionam como canais de expressão e reflexão.
De GOG
A rima denuncia
São Paulo: Global, 2010
256 p. ISBN 978-85-260-1420-6
Prepare-se!
E eu concluo, mano:
Periferia segue sangrando!
Hemorragia interna,
irmão matando irmão,
Favela contra favela,
— Não acredita?
Confira!
Rap Nacional realidade dura!
— Click! Click! Bum!
Infelizmente, o som das ruas
GOG
A Matança Continua
Vamos falar agora, cara!
Em detalhes, propostas, verdades
Que precisam ser ditas
Somos das ruas e trazemos a você
Nosso cartão de visitas
A matança continua e ninguém nada faz
A matança continua e ninguém... Nada faz
Aquela vez
Você virou de costas, nada fez
Igual toda vez
Ato por ato, foi só foi só se complicando.
Agora escute:
Saiba que o medo, a omissão destroem
um homem,
Você não vê, não crê,
mas muitos passam fome,
A crise existe, insiste, persiste
Às escuras, nas ruas, não é armação.
Será que você nunca vai entender?
Que o sistema, cara,
Cobra muito caro de você
E dá pra trás na hora h, pode crê!
Cedo ou tarde, você vai sentir,
À flor da pele, o sistema que repele.
Prepare-se, pois é mau, cara!
Você tentar, e descobrir, que a vida é isso aí,
Não temos forças...
Pra prosseguir, não adianta insistir, não.
E você grita em um momento de aflição:
-Maldição! Maldição! Maldição!
Oh, que explodam-se!
Os que insistem em se omitir.
Por causa de vocês o mundo está assim:
Próximo ao fim.
A matança continua e ninguém nada faz
A matança continua e ninguém... Nada faz
Você não vai além de suas obrigações.
Que tal saber, cara,
Você está marcado pra morrer!
A minha vida, a sua vida
E a de nossos filhos
Está por um fio.
Você ignora,
Pensa que é safo,
Mas não está salvo.
Eu bem que te avisei,
Falei, cansei de te chamar,
Pra bater um piá.
Deixa pra lá...
Realidade aí está.
Bala na agulha
Insegurança nas ruas, cara.
Agora, segura, cuide-se!
Coloque grades, cadeados no portão,
Para deter sua criação,
Vacilão, tinha tudo nas mãos
E não soube armar.
Viver não é só aprontar.
Ouça nossa voz, ela vem das ruas,
Ela pede, implora vida mais justa
Para por fim numa triste melodia
Que se alastra noite e dia
Numa proporção que arrepia
E nos obriga a viver....
Viver numa vida passiva
Na mira de um ferro
Essa vida eu não quero
Eu não quero me diga
Me seja sincero,
Se isso é o que você quer
Diz...
A matança continua e ninguém nada faz
A matança contínua e ninguém... Nada faz
Tarja preta
A rima tem urgência, o caso é complicado.
Tem que ser certeira, não pode errar o alvo.
A rima denuncia e sacrifica
O que a lei do homem não entende, e
Santifica!
Ora rica, ora pobre, ora vibra, ora sofre...
A rima é muito mais que a tinta e o pergaminho.
Errou quem comparou seu teor ao do vinho.
GOG
ENTREVISTANDO GOG NA BIBLIOTECA NACIONAL DE BRASÍLIA
Antonio Miranda entrevista o cantautor GOG na Biblioteca Nacional de Brasilia, no dia 3 março de 2011, em que o poeta fala de sua formação literária e musical, da criação de seu livro “A RIMA DENUNCIA” (Global Editora, 2010) e explica o compromisso libertário através da produção poética da periferia.
POESIA E POLÍTICA – POESIA E RAP – POESIA E PERIFERIA - POESIA SOCIAL
Página publicada em novembro de 2010; ampliada e republiccada em março de 2011.