FLORENCE DRAVET
”Versos transparentes de Flor, de sol, de águas e ventanias. Poesia pura que nos leva a terras tecidas de sonho. Sal necessário à realidade. Pingos de luz planando sobre a razão.” Ana Beatriz Barroso
De
OS TRANSPARENTES
Brasília: Casa das Musas, 2007
O Lunicórdio existe.
Sim. Ele existe. Sem explicação, ele existe. E aos que não entendem, eu compreendo.
O Lunicórdio existe como minha mãe existe nas terras distantes. E morta ou viva, ela sempre estará. Por isso, não precisa que eu a veja, que a chame ou que lhe peça um beijo de boa noite. Certas crianças aprendem isso muito cedo, outras nunca.
***
A explicação prosaica roubou ao nome o seu canto.
A repetição prosaica roubou ao nome o seu encanto.
O Lunicórdio jamais se deixará constelar com estrela nenhuma.
Dei-lhe um nome ao pensar que uma metáfora
poderia garantir sua liberdade. No entanto, todos os
nomes prendem e a força desvirginada sobrevive.
Virgem é o desconhecido.
***
Com o lobo negro ao meu lado, apanho ervas no mato em chuva. Saro minhas feridas, calo meus gemidos. Vão-se as lembranças na imensidão do tempo atrás., a dor em lascas permanece, arma dos justos.
Não farei nenhum discurso poético. Escreverei um verso a cada esquina.
***
Continuarei sem voz.
Petrificada ainda
Mas dentro chora um rio com saudades de mim
Um dia hei de correr livre do meu nome
Com a flor a girar e despetalar meu corpo
Com a força desperta a carregar minha alma
Trocarei as palavras por imagens
Os argumentos serão pingos de luz
E os homens, ah! os homens! Terão na cabeça um deus
e no centro uma Rosa
***
O semeador de boas novas apanhou uma a uma suas
músicas e para sempre, nos deu as costas.
Em nossa terra, a primavera não existe. Resta-nos
O vermelho enegrecido das luzes do Avante.
Ontem passou por mim o Cavaleiro Azul. Foi na
respiração e na consciência inteira.
Em troca do meu corpo ele me deu a lança,
E a certeza reta da resistência inócua.
Sinto comigo tudo e ouço dentro os cascos, o fogo da
passagem, os golpes de espadas.
De joelhos ainda, faço uma oração
à Ordem voluntária
e às chamas ardentes.
Página publicada em março de 2008 |