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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

FLÁVIO R. KOTHE

 

Flávio R. Kothe é professor titular de estética na Universidade de Brasília. Licenciado, mestre, doutor, livre-docente, fez pós-doutorado em Yale, Heidelberg, Berlim, Constança. Foi professor titular visitante nas Universidades de Rostock, UFRGS e no Instituto de Estudos Avançados da USP. Tem mais de trinta livros e de trezentos trabalhos publicados nas áreas de ensaio, tradução, poesia e ficção. Do espólio de Nietzsche, traduziu e publicou pela Editora da UnB: Fragmentos finais, 2002, 2.a edição 2007; Fragmentos do espólio (julho de 1882 a inverno de 1883/1884), reeditado em 2008; Fragmentos do espólio — primavera de 1884 a outono de 1885, 1ª edição 2008. Na mesma Editora publicou: - A narrativa trivial, 2.a edição 2007; O cânone colonial, 1997; O cânone imperial, 2000; Fundamentos da teoria literária, 2002; O cânone republicano, vol. I, 2003; O cânone republicano, vol. II, 2004; Ensaios de Semiótica da Cultura, 2011. 

KOTHE, Flavio R.  O palhaço empalhado.  São Paulo: Roswitha Kempf editores; João Scortecci editor, 1987.  104 p.  formato 14x20,5 cm.  ex. autografado.  Col. A.M.  (EA)

  

CANINOS

 

Adeus, amados amigos, adeus: por muito amor é que

agora, após anos e anos de casório, vos digo adeus.

Não vos sintais mal, não fostes vós que me traístes:       

quem mais me traiu foi o sonho de sair da dura opressão.

Livros falam de traições, maldades, invejas, ódios,

sim, até falam de sonhos perdidos e ocultos punhais.

Sei, vivemos num selvagem capitalismo, refeitório

onde todos são pato e prato e garfo e faca de todos.

Se o percurso pela floresta for caminho de perdição, .

todo animal acuado há de buscar no sangue salvação.

Sei que há prazer em se entregar ao cansaço, ao cão,

mas a nós resta buscar outro caminho, a ferro e fogo,

entre cães e contra os cães, mas com o canino pronto.

 

 

PRISIONEIRAS DO PARAÍSO

 

Vejo andorinhas andarilhas dançando nas nuvens

e um sorriso ténue se estende em rosto cansado:

prisioneiras do paraíso chilreiam primaveras

e rugas em rosto são signos de um templo morto.

 

Um voo veloz na foto de um pássaro ausentado

busca o abscôndito, tece esperas, pede tempo.

Não mais, não mais, não mais: umas de areia,

mestres, pegadas na praia, perigos de outrora.

 

Não mais, não mais mestres, templos, areias.

E mesmo assim a esperança nessa era sombria,

mesmo assim o registro das rugas do templo,

mesmo assim ver o voo no pássaro prisioneiro.

 

Canto, sim, canto, como cantam as andorinhas,

como cantam essas palmas ao sol da primavera,

como canta a calada foto de um pássaro voando,

ah sim, como cantam os entes tocados pelo sol.

 

KOTHE, Flávio R.  Quarteto de Rostok (seleta).  São Paulo, SP: João Scortecci Editora, 1994.  121 p.  14x20,5 cm.  N. 08 388  “ Flávio R. Kothe “  Ex. bibl. Antonio Miranda 

 

          MÃOS E PROMESSAS

          Tuas mãos se erguem acima dos olhos
          tuas mãos se erguem acima dos tempos
          mãos marcadas por cicatrizes antigas
          mãos a perpetuar pendências perdidas
          runas e ruínas de razões já raivosas
          carentes de carinho, calos só calados
          mãos a deplorar os pássaros perdidos
          mãos se lamentando por todos os poros
          enquanto esporos pospõem as promessas
          pérolas, pérgolas de brilho fatídico.
          Conterá em si um monstro toda utopia
          o mísero consolo de nenhures tantos?
          — Razão nenhuma é a tua última razão
          caminhos de nuvens, vagos nenúfares.
         

 

CALENDAS DEGRADADAS

Cantam os monges da abadia mais ausente
como se vozes sem corpo pudessem ressoar.

Pobres mãos, de tudo despojadas, repousam
no banco de madeira de uma igreja qualquer.

Um solista canta um solitário solo como se
a sua voz de Gregor ainda pudesse ressoar.

Alfarrábios antigos em vetustas bibliotecas
colhem os olhares saudosos do perdido saber.

Um monge copista caminha pelos corredores
pousa os olhos cansados na fonte do jardim.

Um canário cativo na gaiola de madeira azul
pula e canta como se alegria ainda tivesse.

Correm as folhas tantas dos maus calendários
como se dias houvesse nas ausências do tempo.

 

GARDELÃO

Em nós morava a utopia
  e bem além de nós morava
            a vida que viver valeria.

Andamos pelas ruas do agora
   pés fincados firmes no lixo
            a alma em cacos  prolixos.

Gardel canta tangos no céu
   enquanto o Boca dança ao léu
            a Argentina anda no beleléu.

Um anjo revoa pelo espaço
   mira os latinos com olho gasto
            não vê redenção fora do garço.

Nossas mãos rezam em vão
   cá não há lugar para coração
           acaba inútil qualquer oração.

É preciso estar atento e forte
   pois aqui ronda a fome e a morte:
           remember friends alife do norte.


Página publicada em maio de 2015  
 

 

 


 

 

 
 
 
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