FERNANDO ANTÔNIO DUSI ROCHA
Fernando Dusi é mineiro de Ubá. Formou-se em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora e há mais de vinte anos radicou-se em Brasília, onde é procurador do Distrito Federal, professor e autor em Direito Administrativo.
Mestrando em Teoria da Literatura na Universidade de Brasília, debutou na poesia recebendo em 2005 o Prêmio Especial de Poesia Estrangeira "Publio Virgilio Marone", na Itália, com a coletânea Versos Ciclópicos, que integram a primeira parte da obra O EXÍLIO DE POLIFENO (Rio de Janeiro: 7Letaras, 2006). Naquele mesmo ano, recebeu a Mention d'honneur no 3 Concurso Internacional de Poesia na categoria de poetas nacionais e internacionais, realizado pela Association Les Écriv'Aisne, de Sinceny, França, com o poema Ode de la débâcle. Recentemente, sua coletânea de poemas Odes do acaso, que compõem a quarta parte deste livro, foi selecionada no âmbito do Concurso "Pensieri in versi" para fazer parte da Antologia 2005 da Accademia Internazionale II Convivio, da Itália.
Em 2006, foi agraciado com Medalha de Prata no Concurso Internacional de Poesia da Association Culturelle Artistique "Le Bleuer International", em Essars (França).
Em outubro de 2006, recebeu na Itália o Prêmio de Melhor Autor Estrangeiro, pelo seu livro "O Exílio de Polifemo", no âmbito do Concurso Poesia, Prosa e Arti Figurativi, promovido pela Accademia Internazionale Il Convivio, tendo concorrido com mais de cento e setenta autores estrangeiros de língua espanhola, francesa, romena e inglesa.
De
LIÇÕES DE TAXIDERMIA
Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2009
ISBN 978-85-7480-445-3
Novo livro de Fernando Antônio Dusi Rocha,
lançado na Biblioteca Nacional de Brasilia
no dia 14 out 2009
O EXTRAVIO
perguntei por você em tantas vozes
em tantas lacunas semânticas
em tantos subjuntivos pretéritos
em tantos universais substantivos
mas você não me responde
s6 se afasta e se encafua
em seu refúgio de patina
ainda percebo seu dedo inquieto
na penúria de minhas mãos
nas trinchas de minhas costas
sumiram-se as falas na sombra e
em meus braços ouço seu silêncio
que sustenta a desconfiança
de nunca remover essa oxidação
sim pois em você tudo se oxida:
o antigo o moderno o claro o escuro
o orgânico e o inorgânico colidem
numa dialética de conflito
tudo isso extravia meu desejo
e me quedo em pavimentos erráticos
sob um véu que ainda a esconde e
rouba de mim meu método catártico
todo sonho numa redoma de vidro
de onde você insiste em não sair
perguntei por você e ouvi
um sussurro: sumiram-se as vozes
na sombra e na mágoa
por salas e salas de nosso desencontro
IL TASSIDERMISTA
E l'infinita vanita del tutto
GIACOMO LEOPARDI
CARA MIA, IL CATALOGO C'É QUESTO
lanço-me a tempos sem pejo bem antes
de repassar os ponteiros de minha culpa
não sou mais viandante não sou mais
encantador nem fidalgo da luxúria: apenas
sou discípulo de meus próprios rumos
toquei minha própria terra prometida
sem advertência ou sinais de misericórdia
ostento-me como amante de evanescências
do perfume que exalava de minha assídua
sedução. Ah, as mulheres! As mulheres
que hoje arrotam bolhas de formol na
tentativa de dissolver seu aprisionamento
delas ainda sou carrasco em frascos
empoeirados. Sempre me neguei a aceitar
que hálitos de amores roubados não se
prestavam a vidros enfileirados. Em vão
tento redimir-me: de nada restaria expur-
gar essa culpa por reter em êxtase lique-
feito minhas cópulas catalogadas. Não me
doem as lápides de noites licenciosas: hoje
cumpro o fado de sedutor de almas empalhadas
v
resposta amortecida de uma mesma carta
conteúdo espalhado pelos cantos da sala
envelope crispado (pétalas de papel de arroz)
nenhuma saída: só a luz patente de uma janela
me contenho e não vejo o antegozo das dores
aquelas que tanto instigam meu lado errante
hoje me concedem luxúria. Diarréia dos sentidos
(só de neles resvalar me contraponho inteiro)
que respingue o nanquim de linhas sobrepostas
onde ardem pirilampos artificialmente autocidas
reponho as horas mornas. Não me reprimam
permitam ao menos o sortilégio das boas horas
ou a transigência de mais uma profecia
ou esse retrato absurdo de tanto querer sobreviver
VI
e como se não bastassem tantas corbelhas
qualquer forma de remissão era consentida
naquele instante padecido de longo rasto
me desmanchei para enxergar a luz
ganhei, por muita cedência, lentes obtusas
translúcidas. Biombos de seda roxa
reparo hoje num canto escuro do quarto
um catre e dois tomos de minha biografia
revolvo a terra e as mesmas ervas deitam em si
depois de tanto radiar, o cego do mundo voa
recobra seus sentidos mais escarniçados
concedam ter outras lentes (sinceras que sejam)
mas não me lancem à sorte da própria luz
devotada por gratidão. Hesitante de tanta dor
(De Versos Ciclópicos. In: O EXÍLIO DE POLIFENO (2006).
refugo das horas
badaladas escuras
sucumbem meu coração
são pedradas lançadas a esmo
pedaços inertes de um caleidoscópio
fragmentos submersos da memória
frangalhos de um pano roto de cor duvidosa
cacos de almas magnetizadas
que insistem em me visitar
restos contados de um chá dançante
véus rasgados de um templo abandonados ao culto constante
folhas colhidas ao relento
moscas que rondam o marca passo implacável
que robotiza o tempo e o medir das horas
(De Versos Cismáticos. In: O EXÍLIO DE POLIFENO (2006).
reflexo incontido
há o outro
e o outro não tem nome
feliz depravação do destino
tantas vezes irrogado
há o outro
e o outro não tem tom
não tem cheiro
mas exala o éter das horas corridas
há o outro
e o outro respira luz
devolve sustenidos
e transcende os muros ancestrais
há o outro
e o Outro não tem dor
rompe absurdos
cospe impropérios
é excomungado a cada dia
pelo pecado consentido de tanto viver
(De Versos Consentidos. In: O EXÍLIO DE POLIFENO (2006).
na virada da ampulheta
(com reverência a T.S. Eliot)
como ouso perturbar o universo?
pudesse retroceder a alquimia
dos tempos e verter em areia
a queda da alma. Tivesse os
poderes do raio urrando sobre
os insanos. Apagasse as
sinas inconciliáveis. Enganos.
como ouso perturbar o universo?
cantasse árias de paraíso em
tom solene. Roubasse da platéia
dos anjos a vaia. Tocasse viola
em psicoacústica. Sem pausas.
encantasse a medusa e suas
cabeças atentas. Roubasse
partituras wagnerianas inéditas
como ouso perturbar o universo?
perambulasse nu nos shopping-
centers. Sangrasse salmoura
premeditando a cura. Sondasse
á lua pelo canal lacrimal
como ouso perturbar o universo?
fixasse os olhos na frase feita
medisse minha vida em colheres
de açúcar. Estancasse o tempo
num minuto para decisões e
revisões. E no mesmo minuto
tudo mudasse. Amasse e
concedesse amor.
como poderia ousar tanto?
(De Sete passos de transformação. In: O EXÍLIO DE POLIFENO (2006).
ode derretida
Culto aos deuses por uma alma incorrigível
e rara. Erro no canto selvático que tomba sobre
minha cabeça (quase evaporada de tanto buscar
vagas perdidas). O grito dos corpos triturados
na fusão de uma betoneira. Num impulso contínuo,
sem perdão. Enquanto meu gesto se anula por
explicar as sementes dos ancestrais. Enquanto
os riachos escorrem, me levanto em sobressalto.
E desafino na monotonia desta ode sem compaixão
(esse lamento sem afago). Esse gemido que só me
empresta silêncio. E sucumbe ao ruído dos gelos
rompidos por uma primavera absurda. Meu coração
se anela na luz de uma geleira. Minhas narinas
inalam o contratempo de vidas fundidas. Mas
insisto em cantar. Aflito, ouço o tropel das
águas rápidas (os rumores dos cursos d'água
impacientes que aprisionam em cascatas esta
alma deslocada e fatiada). Me conceda, ode
inútil, toda contorção. Me permita sentir
pela primeira vez a doçura de viver entre
gelos intactos. Me dê o sursis por me adiar
sem assistir a ruptura dos seres fatigados
(por sorte sublimados). Ah, quisera agora
um canto bizarro: um laudatório nem sólido
nem fluido. Quisera a licença do gelo no
momento cirúrgico do degelo. Sem defesa:
uma valsa vienense. No curso das águas
capituladas que invadem este poema e que
me dizem porque minha vida é indizível e teimosa.
Porque tudo isto estorva um espírito efêmero.
(De Versos indulgentes. In: O EXÍLIO DE POLIFENO (2006).
A seguir, textos enviados por ELGA PÉREZ LABORDE, em novembro de 2020,
para ampliar a página do poeta:
(Seleção feita pela tradutora para o Portal da poesia da obra - "com 36 poemas afetados" - Crisol com açúcar, Rio de Janeiro: 7 Letras, 2011. Vale destacar que com essa mesma obra o poeta foi laureado como primeiro colocado no Prêmio poesia, prosa e arti figurative, na categoria de poesia em língua neolatina, pela Accademia "Il convívio" da Itália. E algumas poesias foram premiadas na França. É integrante da Societé des auteurs et poètes de la Francophonie, com sede na França).
18
Crisol com açúcar
quando todos deixaram cair a máscara
eu não via mais desespero nem vergonha.
nem peste. Reluziam teus olhos no instante
desta verdade. Pois eu não mais suportaria
fardos de areia nos meus costados. Tudo
fugia à minha memória em sobressaltos de
cólera: os meus momentos de vacuidade
de insurreição. As máscaras despedaçavam-
se sobre meus pés. (Eu evitava recolher os
cacarecos temendo uma recaída). Tuas mãos
abriram-se com grandeza um espetáculo
que a humanidade oferecia: um verniz da verdade.
nada mais faiscava ao meu lado: só o gozo
daquele nosso crisol derretido em rapadura.
1
Meu esconderelo
interessam-me verdadeiramente as fechaduras antigas
pois nelas sou impudico. Nelas minha alegoria
é quase corpórea. Nelas me encarrego de
espreitar meu próprio prazer: solitário sussurrante.
interessam-me na mesma conta as fechaduras
de portinholas mouriscas. Nelas sou um
grão-vizir em derrota. Nelas me refugio da
degola em pregão: de mina pena ainda não cumprida.
mas interessam-me muito mais as chaves
perdidas pois nelas ocupo meu tempo seminal
ao almíscar aprofundado em tantos vestíbulos idos.
por fim interessam-me as chaves mestras que experi-
mentei em minha vida. Por elas aproprio-me de tantos
segredos: em cavidades que encheram nosso último beijo.
2
Eu, viajor
eu, posso ver as paixões de ontem
sem a perda em tua ebriez. Paixões não são mais
do que reticências que ainda insistem em
tua sintaxe lasciva: meu furor – tua dormência.
eu, viajor, pisoteio os segredos tratados na
areia. Lá onde as ondas não chegam a te consumir.
um filete desenganado descreveu-me tua essência.
por mim nenhuma palavra foi dita a mais.
o sol caiu e a loucura assolou-me de pronto:
nenhum golpe de vida quis socorrer-me.
a luz solar sobre todas as mãos não descartou
nosso reencontro. Mas o vento desfez os signos sobre
a areia que um dia li e de longe o mar sangrou.
23
Na cauda ainda tem veneno
de que sono me despertaste? De alguma liturgia
em russo de alguma letargia sem inverno de alguma
orgia saturnal? Ainda não pude perceber de qual
compasso me retiraste. Só enxerguei cortinas no assoalho.
quisera voltar ao meu sono de casulo. Prosseguir em
dança de borboletas bêbado de tanto alçar voos. Aterrisar
em florestas de pedras misturar-me às flores fósseis.
dar-me o sagrado direito a apodrecer très doucement.
De que sonho me arrancaste? De lá onde nasci
fauno e cresci minotauro e urrei de meu labirinto
até que todas as paredes ruíssem em pedras de dominó.
escapei de um céu de topázios que parecia cair sobre
mim. Mas a terra que pisava ainda nutria frutas
e infâmias. Preferi ser insone. Mas na cauda tem veneno.
TEXTOS EN ESPAÑOL
(Tradução de Elga Pérez Laborde)
18
Crisol con azúcar
cuando todos dejaron caer la máscara
yo no veía más desesperación ni vergüenza.
ni la peste. Relucían tus ojos en el instante
de esta verdad. Pues yo no soportaría más
fardos de arena en mis costados. Todo
huía a mi memoria en sobresaltos de
cólera: mis momentos de vacío
de insurrección. Las máscaras se despedazaban
sobre mis pies. (Yo evitaba recoger los
trastos temiendo una recaída). Tus manos
se abrieron con grandeza un espectáculo
que la humanidad ofrecía: un barniz de la verdad.
nada más centelleaba a mi lado: sólo el gozo
de aquel nuestro crisol derretido en caramelo.
1.
Mi escondrijo
Me interesan verdaderamente las cerraduras antiguas
pues en ellas soy impúdico. En ellas mi alegoría
es casi corpórea. En ellas me encargo de
acechar mi propio placer: solitario susurrante.
Me interesan en la misma cuenta las cerraduras
de portezuelas moriscas. En ellas soy un
gran visir derrotado. En ellas me refugio del
degüello en pregón: de mi pena aún no cumplida.
pero, me interesan mucho más las llaves
perdidas pues en ellas ocupo mi tiempo seminal
al almizcle penetrante de tantos vestíbulos idos.
por fin me interesan las llaves maestras que experi-
menté en mi vida. Por ellas me apropio de tantos
secretos: en cavidades que llenaron nuestro último beso.
2.
Yo, viajero
yo, viajero, puedo ver las pasiones de ayer
sin perderme en tu embriaguez. Pasiones no son más
que reticencias que aún insisten en
tu sintaxis lasciva: mi furor – tu somnolencia.
yo, viajero, pisoteo los secretos trazados en la
arena. Allá donde las olas no llegan a consumirte.
un filamento desilusionado me describió tu esencia.
Mas un día el mar llegó. Apagó nuestra inocência.
por mi ninguna palabra demás fue dicha.
el sol cayó y la locura me devastó de repente:
ningún golpe de vida quiso socorrerme.
la luz solar sobre todas las manos no descartó
nuestro reencuentro. Pero el viento deshizo los signos sobre
la arena que un día leí y de lejos el mar sangró.
23
En la cola todavía tiene veneno
¿de qué sueño me despertaste? ¿De alguna liturgia
en ruso de alguna letargia sin invierno de alguna
orgía saturnal? Todavía no pude percibir de cuál compás me retiraste. Sólo vi cortinas en el suelo.
quisiera volver a mi sueño de capullo. Continuar en
danza de mariposas embriagado de tanto alzar vuelos. Aterrizar
en bosques de piedras mezclarme a las flores fósiles.
darme el sagrado derecho a pudrirme très doucement.
¿de qué sueño me arrancaste? De allá donde nací
fauno y crecí minotauro y aullé de mi laberinto
hasta que todas las paredes cayesen en piedras de dominó.
escapé de un cielo de topacios que parecía caer sobre
mi. Pero la tierra que pisaba aún nutría frutas
e infamias. Preferí ser insomne. Pero la cola tiene veneno.
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Página ampliada e republicada em novembro de 2020
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