ÉZIO PIRES
Nasceu em Cantagalo (RJ), em 1927. Reside em Brasília desde 1960. Poeta, ficcionista, teatrólogo, crítico, jornalista, membro e fundador de diversas entidades culturais de Brasília. Trabalhou no Diário e Emissoras Associados, sendo por muitos anos jornalista do Correio Braziliense, onde foi um dos mais aguerridos divulgadores da emergente literatura de Brasília. É um dos fundadores do Sindicato de Escritores do Distrito Federal. Recebeu o prêmio Fundação Cultural do DF. De sua vasta bibliografia, destaque para seus livros de poesia: A Beleza tem fome, Da Anta Casa Editora, DF, 1990; Anjas, Da Anta Casa Editora, DF, 1990; Hora marginal, Editora Livraria D. Bosco, DF, 1962; Menina S trinta, Editora Livraria S. José, RJ, 1958; Messias da hora, 1959; O Que os olhos devoram, Editora Cultura, 1992; Poema interrompido, Convênio do SEDF e Cegraf, DF, 1988.
PARA OUVIR O SILÊNCIO
contra o silêncio não luto: —
sou poeta em estado bruto ...
me nasceram c/poder de morrer
... esta vida me cansa
não tenho direito à esperança
para entender o prazer ..
a poesia e os mortos do amor
estou ouvindo o silêncio ...
— não insista
todo discurso é fascista.
VOZ BAIXA
naquela noite de festa
a lua cor de prata
falou em voz baixa
para a minha tristeza:
se mata.
O QUE FAZER???
o que fazer
para ver longe
o que se desamou
se o beirute fechou
para a madrugada???
o que fazer
para ver as coisas
que não são vistas
na minha lembrança
se não tenho
mais esperança???
o que fazer
do fim da noite
se vem sempre o dia
para repetir o fim
da noite?
?
?
CORES DA SOLIDÃO
só falo
sonâmbulo
o que acordado me calo
mas me ofereço
paisagem
de carne e osso
nos balanços de seios
na beira do rio
na beira do corpo...
nas viagens
das virgens
(babilônicas)
fui feito urgente
de desejo insatisfeito
fiquei sem caminhos
(sem rios)
para chegar ao mar
só
me sonho boi
para mastigar cores
da solidão...
FUGINDO DE MIM
brasília:
no escuro
ainda te procuro...
em sonho te suponho
ilha da solidão
onde não se precisa
mais do coração...
onde se esconde
prazeres
dos mortos
de todos os poderes
— ainda não sei
se é um prêmio
ou castigo(???)
ser teu candango
antigo...
— quem és tu
brasília
que fugiste de mim?
depois de acordares
cadáver do sonho
corpo morto de ilusão
— és mulher
flor, anja, demônio
ou uma alucinação?
onde me deixaste só
estou ouvindo
o silêncio
do ódio e do amor...
se fugiste de mim
em plena W/3
não fugirás nunca
da tua virgem nudez...
tua ausência me cansa
mas em sonho
mato
o coveiro da esperança
não fugirás nunca
da nossa história
ainda que fujas de mim
nos crimes livros e filmes.
NAMORADA
Procure meu coração
Namorada me procure
Me procure vivo
Me procure verde
No meu verde negrume
Me procure no riso
Me procure no abraço
Me procure na glória
Me procure agora
Me procure nos rios
Me procure nos mapas
No meu sábado de folga
Me procure nos galhos
Me procure no orvalho
Me procure em tempo
Em tempo de prece
Me procure em silêncio
Em silêncio de prece
Procure meus beijos
Procure meus olhos
Me procure na dor
Namorada me procure
Procure meu coração
Namorada meu amor
OLIVEIRA, Joanyr de, org. Poetas de Brasília. Brasília: Editora Dom Bosco, 1962. 107 p 16 x 22cm.
Ex. bibl. Antonio Miranda
ENCONTRO MARGINAL
vou marcar encontro
com inimigos do regime
vou pedir seus nomes
para meu livro de poemas
vou perguntar-lhes
porque as palavras
estão velhas dentro dos homens
e porque o bom caminho
é o mais largo em cada passo
se o que conduz à vida
fica mais estreito?
depois vou lançar manifestos ás chuvas
em defesa do meu crime
vou chamá-los de irmãos da lua
e semeadores do impossível.
FRUSTRAÇÃO DA NOITE
eu quero ser maquinista
da leopoldina raiuval
aquela máquina comprindona
de verniz amarelo
de apito dobrado
e sair pelos campos
espantando os bois
correr correr
e quando chegar na penha
eu paro
a penha é milagrosa
e eu paro na penha...
cala boca louco!
BALADA PARA O MOLEQUE — SOZINHO
1
chego em mim mesmo
em noites de inverno
quase fome de pássaro
corro atrás do vento-azul
em áureos tempos fluídos
sem pai e sem amigos
2
em sonho guardado
deixaram o colégio
e as árvores — e as ruas
flutuam em meus pés...
3
me vejo sem cor
ex-dono de uma valsa
em tardes de sol
que o boi mastigou
4
me vejo sozinho
com as noites de amor
que Deus não beijou...
Página publicada em fevereiro de 2008. |