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   EUDORO  AUGUSTO     Eudoro  Augusto Macieira de Souza (16/08/1943). Poeta, jornalista e professor, Eudoro  Augusto nasce em Lisboa. A família muda-se para São Paulo em 1953, e se  transfere para Florianópolis, dois anos depois. Em 1963, Eudoro Augusto vai  estudar letras na Universidade de Brasília - UnB, onde também faz mestrado em  literatura brasileira. No Rio de Janeiro, onde passa a residir em 1971,  aproxima-se do grupo da poesia marginal - Bernardo Vilhena (1949), Ana Cristina  César (1952 - 1983), Antonio Carlos de Brito (1944 - 1987) - e lança seu  primeiro livro, O Misterioso Ladrão de  Tenerife, em parceria com Afonso Henriques Neto (1944). Retorna a Brasília  em 1991. Apos 12 anos sem publicar nenhuma obra, reaparece com o livro de  poemas, Olhos de Bandido, em 2001.   Fonte: www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_lit/index.cfm  
 TEXTOS EM PORTUGUÊS   /  TEXTOS EN ESPAÑOL
       Na  foto, trabalho de Eudoro Augusto na Intervenção Urbana do grupo Loucos de  Pedra, em Brasília. Ler mais em: http://loucosdepedra.tripod.com/      DeEudoro  Augusto
 UM ESTRAGO  NO PARAÍSO
 Carta Selvagem.  Clarabóia.
 Brasília:  Edição do autor, 2008.   163   p.
   IMPRESSOS  INÚTEIS Não  sei por que os guardonessa gaveta íntima.
 O certificado de reservista.
 O diploma de pós-graduação.
 O mapa esperto pra uma festa chata
 que rolou uns três meses atrás.
 Felizmente não compareci.
   CORREIOS &  TELÉGRAFOS
 Chegou alguma coisa pra mim?
 Alguma carta? Um convite? Uma encomenda?
 Nada. E as contas?
 As contas chegaram.
 
 
 A EXCEÇÃO E A REGRA
 
 Nem todos os poetas são cabeludos.
 Nem todos os críticos são carecas.
   DISCIPLINA   Justamente  porque a história da minha vida mais  parece um quarto desarrumado não  quero morrer no meio desta desordem. E  assim antes de se matar Lídia  Helena sacode o tapete estica  os lençóis e o edredon guarda  no armário as roupas íntimas espalhadas  sobre o sofá. O  gato assiste a tudo lambendo as patas em  movimentos lentos e regulares.
 
     
   De Eudoro  Augusto CARNAVAL Ilustrações de LUIZ AQUILA São Paulo: Massao  Ohno – Roswitha Kempf, 1091 Formato:        ilus. col.       HISTÓRICO   bêbado  e rouco em  carro aberto meu  coração desfila aos berros desde  outros carnavais       1961    montado  numa vassoura e  falando daquele jeito não  foi difícil vencer o  concurso federal de fantasia       1963   somos  você mais eu somos  tudo cordão toda  corda metal e sopro toda  sensação       1964   chegou  o general da banda ê-ê chegou  o general da banda ê-ah       1968   Grêmio  Recreativo e Escola de Samba Unidos  do Aparelho de Palmares da  comissão de frente à  ala das baianas teje  tudo preso   (tóxico  não foi nem  crime passional o  enredo é outro neste  carnaval)     ==============================================================   OUTROS POEMAS....   SAPO     O que procuras, homem de Deus? Procuro o beijo de uma princesa perversa que me devolva ao brejo.  Cansei de ser príncipe.     ANA C   Outra vez nos braços do amor perdido. Sempre o declive. Sempre a vertigem. Ás vezes o abismo. Posso inflar as velas de outra imagem e assim navegar teus canais azulados, minha lúcida amiga. No céu-da-boca desta manhã fica apenas um risco: relâmpago longo como o olhar. Luz. Outra luz. Louca luz. O mesmo anjo que beija tua orelha fina invade o cinema como um vento fictício e rabisca cicatrizes bem legíveis no coração deserto do meio-dia.     INOCÊNCIA E CULPA   A prova de nossa inocência flutua pelo ar. Por aí aqui ou ali em algum lugar. Em algum jardim sem grama alguma cerca de arame algum buraco alguma circunstância. Nossa culpa é apenas mais um corpo jogado no barranco do acaso sob uma lua cor de sangue.     PÁGINA DE HOJE    Um perfeito café. Notícias recentes confirmam o triunfo da nossa armada na guerra suja de uma baía remota. Um longo passeio pelo jardim dos mudos amores. A memória morta. Palmas carpas flores patos-de-pequim. Carícia sem fim. Ela diz que é sempre ali que a ferida do dia se abre. Regresso ao hotel fugaz. Silêncio durante o almoço. A bebida naturalmente será incluída na conta.     A FUGITIVA   O barco aguarda em algum ponto da enseada. As antenas saltam dos telhados como lanças ao sol. Ela amanhece. Ela tarda. Escondida entre os arbustos e os anões-de-jardim. Fugida. A caminho do porto ela transtorna desnorteia o velho marinheiro. Dizem que foge de um amante gelado e fala sem parar nas ilhas do sul.
 
 Seleção de WALMIR AYALA publicada  originalmente na REVISTA DE CULTURA  BRASILEÑA N. 39, JUNIO 1975  pela Embaixada do Brasil  na Espanha      O ROSTO LENTO DA ÁGUA   I Quando o vôo è mais real do que o pássaro; quando horas e areias nada acumulam sobre o corpo momentâneo da terra que se perfaz; quando o dia se fecha na concha do hábito, o tempo dorme nas plantas, na mulher, no mar vidrado,   e no que homem as mesmas febres os tédios e segredos mesmos repetem o círculo exato o circo de pedra onde a vida demora,   que coisa nasce em força ou forma é anjo ou fonte, incêndio arvorescendo para dentro do sono, ou simples luz clareando o interior das rochas o dentro dos corpos fixos e o domínio amarelo dos dias?   II Que respiração estremece o rosto lento da água que presença se levanta pelas superfícies do silêncio, abrindo espaço para fora do ar para além do que é número do que é sonho ou sombra, além de asas e ossos muito além de aurora e negrura de moscas, mortos e remorsos, sob as máscaras de pó e as formas súbitas da chuva?     A PAISAGEM DO NÃO   Quero a paisagem do não onde o falar é silente onde a palavra se crava no muro nulo do vento. Quero a paisagem do não que dá contra uma parede quero o amplexo do nada, da falta, do nojo, da sede; a dispersão do meu corpo na água de sombra verde ver todo o sonho escoar-se em mil buracos de rede; quero a lucidez da fome a pata fria de medo a contradição do homem e o seu pouco segredo de permanecer no sono ou de ser branco no negro; quero lua mais oculta que a rosa clara onde cedo a fêmea curva do anseio; quero calar o direito da morte, do grito, do nome, calar os ritmos secos do ar ao ar respondendo: quero a paisagem do não onde falar é o silêncio.   -------------------------------------------------------------------------------------------------   De OLHOS  DE BANDIDO Rio de Janeiro: 7  Letras, 2001.   PLANOS   Continuarei a fugir do verão porque amolece meus ossos p as farpas de sua luz me cegam. Em março vou cruzar os braços. Contornarei as alamedas do outono com a possível dignidade. Com um pouco de sorte passarei o inverno em teu peito. Na densidade da lã. Pele rosada, lareira, Mozart, samovar, Lágrima, sorriso tímido, sopa de cebola. A primavera é tola. Não tenho planos para ela.     BUROCRATA   Por um momento levanta a cabeça abandona a papelada e os carimbos e olha vagamente com um meio que seria o infinito. Mas logo recompõe o rosto pálido impávido e ajeita a barata sobre a gravata.     SÁBADO   Uma chamada matinal um olhar diagonal e esta dor no centro do peito reduzem meu sábado a ruínas.     ABRIL   Não tenho mais olhos pra enfrentar a claridade de abril. Não tenho mais ouvidos pra escutar você me dizer que o amor não tem direito a sinceras  desculpas ou que o ódio não precisa de texto. Não tenho mais saco pra passar a vida pensando o inexplicável ou tentando afastar um sentimento~ lento demais para ser verdadeiro.     EU E A REALIDADE   O que eles chamam realidade não passa de uma fantasia careta. Quanto a mim sou apenas mais um rio que corre para o bar.     O SER E O NADA   Enquanto isso aparentemente passivo o filatelista necrófilo olho-de-boi parado planta vírgulas na vida e rumina as ervas do nada.     DESPERTAR   O telefone é um susto. Do outro lado da linha Alguém articula um bom-dia rouco de pedra. Engano Eu não moro mais aqui.   ============================================================================ 
                        De Correspondencia celeste.  Nueva poesía brasileña (1960-2000). Introducción, traducción y  notas de Adolfo Montejo Navas.  Madrid: Árdora Ediciones, 2001 – Obra  publicada com o apoio do Ministério da Cultura do Brasil.  POÉTICA 2
 Para que dormir encolhido
 nos estábulos da razão?
 Para onde o desfile hipertenso
 de cantos, sombras, douradas falas
 e translúcidos remorsos?
 Por que as raízes
 as direções e as plumas
 se as palavras pastam
 em terrenos baldios
 nas mesas sujas do acaso?
 
 (De O misterioso ladrão de Tenerife,  1972)
 TRAÇOS (2)
                           Um certo ascoao dever e ao poder
 não favorece a linha dos lábios
 nesta fotografia feita em pedaços,
 que recomponho lenta como um hara-kiri
 
 A hora tem rugas inesperadas
 É tarde da noite e o poeta deveria batalhar
 de manha cedo o seu emprego estável.
 
 Olhos seguem olhos como cães atiçados
 pelo brilho das estrelas proibidas,
 pelo gosto do sangue,
 pelo rastro de pequenos animais
 abatidos sem paixão.
 Pelo fogo que acendemos numa noite de chuva
 sem qualquer esperança.
 De O desejo e o deserto (1989)
 Capa da edição de O MISTERIOSO LADRÃO DE TENERIFE
 de EUDORO AUGUSTO e AFONSO HENRIQUES NETO
 Goiânia: Oriente, 1972 - 78 p.
 Edição limitada, obra hoje considerada escassa, de difícil obtenção mesmo em livrarias de usados.
 ===============================================================     AUGUSTO,  Eudoro.  Cabeças – 88 poemas.   Rio de Janeiro: 1981.  s.p.    11x21 cm.  Projeto gráfico: Vera  Bernardes.  Foto: Sirota.  Col. A.M.   (EA)   20   tias hirtas e laboriosas preparando as noivas e os mortos moças assombradas bigodes eretos e sinuosos como  répteis os senhores assumem uma pose  inesquecível pra de algum modo vencer a corrosão  do tempo e tudo pára
 mas por uma fração de segundo por algum motivo que mofava em  silêncio naquele álbum  a família ameaça sair de caixas e  gavetas  expor-se à curiosidade das visitas      21   falou pouco naquela noite ainda em 76 me lembro bem nada de muito objetivo que tinha desistido mesmo do livro estava sem emprego mas agora também  não queria ia passar duas semanas com a filha apresentá-la a Patrícia uma brazilianist do Brooklyn que ele  andava comendo não propriamente bonita mas por quem  estava apaixonado de verdade       AUGUSTO, Eudoro.  A vida alheia.  Rio de  Janeiro: 1975.  s.p.   ilus. p&b. 13,5x18 cm.  Capa: Luiz Augusto da Rocha Miranda.  Programação gráfica: Luiz Aquila, Eudoro Augusto. Fotos: Renato Laclette,  Ricardo Saunders,. “Hartland talkie”, desenho de Ary Coslovsky. No miolo,  algumas páginas impressas sobre papel kraft. Col. A.M (EA)   Fora  da jaula
 Uma vida da pesada. Não há jeito
 de leva-la no peito
 guardar maus costumes
 um monte de pelos
 dentro da roupa bem passada.
 Você a conhecia?  Sabia o seu nome
 o nome científico de todos os impulsos
 a sua verdadeira identidade?
   O  visitante
 Entra de mansinho encosta a porta
 sem pressa mas firme fala
 farfala deblatera
 aperta e solta mas agarra
 força a barra
 apronta um ouriço
 que é isso? que é isso? e sai de fino.
   O  alinhamento do poeta
 Dormindo é que lhe vem a notícia
 de um irrestrito arrepiar de carnes
 Na hora do jantar chega o aviso
 de uma fome remota;
 com o travo do café engole as letras
 de uma grande devastação
 Não aqui, mais ao norte.
       -----------------------------------------------------------------------------------   TEXTOS EN ESPAÑOL  Selección de WALMIR AYALA publicada  originalmente en la REVISTA DE CULTURA  BRASILEÑA N. 39, JUNIO 1975  por la Embajada del  Brasil en España     EL ROSTRO LENTO DEL AGUA    I Cuando el vuelo es más real  que el pájaro, cuando horas  y arenas no acumulan nada  sobre el cuerpo momentaneo  de la la tierra que se dibuja, cuando el día se cierra  en la concha de lo cotidiano, el tiempo duerme en las plantas, en la mujer, en el mar de vidrio,   cuando el hombre con las mismas fiebres,  los mismos tedios y secretos que  repiten el círculo exacto,  el anfiteatro de piedra donde la vida  tarda,   ¿qué cosa nace en fuerza y en forma, ángel o fuente, incendio arborescente hacia dentro del sueño o simple luz iluminando el interior de las rocas,  el adentro de los cuerpos fijos y el domínio amarillo de los días?   II ¿Qué respiración estremece  el rostro lento del agua,  qué presencia se levanta  por la superficie  del silencio abriendo espacios hacia afuera del aire,  más allá de lo que es número, de lo que es sueño o sombra,  más alllá de alas y de huesos,  mucho más allá de aurora y tiniebla,  de moscas, muertos y remordimientos,  bajo las máscaras de polvo  y las formas súbitas de la lluvia?     LA VISIÓN DEL NO   Quiero la visión del no donde el hablar es Callado y la palabra se clava en la tapia nula del viento. Quiero l visión del no que choca contra el muro, quiero el abrazo de la nada, de la ausência, del asco, de la sed; la dispersión de mi cuerpo en agua de verde sombra; ver todo el sueño diluirse por mil agujeros de la red; quiero la lucidez del hambre, la fría pata del miedo, la contradicción del hombre y su pequeño secreto  de permanecer en el sueño o de ser blanco en el negro; quiero la luna más oculta de la rosa clara donde surge la hembra curva del deseo; quiero callar el derecho a la muerte, al grito, al nombre; callar los ritmos secos del aire respondiendo al aire; quiero la visión del no donde el hablar es el silencio.    =========================================================================   *De Correspondencia celeste.  Nueva poesía brasileña (1960-2000). Introducción, traducción y  notas de Adolfo Montejo Navas.  Madrid: Árdora Ediciones, 2001 – Obra  publicada com o apoio do Ministério da Culta do Brasil.    POÉTICA 2 
          Traducción  de Adolfo  Montejo Navas.   ¿Para qué dormir encogido
 en los establos de la razón?
 ¿Hacia donde el desfile hipertenso
 de cantos, sombras, doradas charlas
 y translúcidos remordimientos?
 ¿Por qué las raíces
 las direcciones y las plumas
 si las palabras pastan
 en terrenos baldios
 en las mesas súcias del azar?
          (De O misterioso  ladrão de Tenerife, 1972)   TRAZOS (2)            Traducción   de Adolfo Montejo Navas.     Un cierto asco al deber y al poder no favorece la línea de los labios en esta fotografía hecha pedazos, que recompongo despacio como un harakiri.   La hora tiene arrugas inesperadas. Es tarde de la noche y el poeta debería  batallar por la mañana temprano su empleo estable.   Ojos siguen ojos como perros azuzados por el brillo de las estrellas prohibidas, por el gusto de la sangre, por el rastro de pequeños animales abatidos sin pasión. Por el fuego que encendemos en una noche de  lluvia sin ninguna esperanza.            De O  desejo e o deserto (1989)       Página republicada  em dezembro de 2007. Página ampliada e  republicada em março de 2008, novamente ampliada em junho de 2009. outra vez ampliada em março de 2010; aumentada e republicda em set. 2012.
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