ELIZABETH HAZIN
Nasceu em Recife, em 1951. Doutora em Teoria literária pela Universidade de São Paulo, com especialização em Literatura inglesa pela Universidade de Londres. Professora da Universidade de Brasília e pós-doutorado em Roma.
Obra poética: Poesias (19740, Verso e reverso (1977), Casa de vidro (1981), Arco-íris (1983, infantil), Espelho meu (1985), Martu (2006), O arqueiro e a lua (1994). Ganhou vários prêmios de poesia.
“Elizabeth Hazin realiza uma poesia sofisticada e límpida. Tem o sentido da medida e não perde com isso a temperatura exigida pelo verso”. Marco Lucchesi
Ver também: POESIA INFANTIL DE ELIZABETH HAZIN
PRINCÍPIO DO FIM
Por que nada permanece inteiriço
em sua casca,
protegido?
um dia racha
e pela fenda
passam peixes e navios
fantasmas que na noite ganham vulto:
fogo, chama, fumaça
nada permanece inteiro
tudo se esgarça
assim é o intervalado texto do destino,
forrando a mesa
por que não se estende eterno,
se é tão fino?
por que não dura a inteireza?
Extraído de BRIC-A-BRAC. Brasília, 2007. Catálogo da exposição coordenada por Luis Turiba, com curadoria de Marilia Panitz, no Centro Cultural da Caixa.
De
Elizabeth Hazin
Martu
Rio de Janeiro: Phibliblion; Fundação Rio, 1987. 123 p.
"Prêmio Rio de de Literatura - 86 Poesia
"Admirável, este é o termo, admirável, este Martu, que é exatamente o primeiro nome — Terra do Ocidente — que os assírios deram às regiões habitadas povo da Palestina, a quem, aliás, o poema é dedicado. (...) Por isso repica dentro da gente uma satisfação estética e moral enorme a medida que vamos atravessando as realezas da arte poética com que Elizabeth Hazin construiu este longo e belo poema."
AFFONSO FELIX
(seleção de poemas)
O melhor está sendo feito?
Não.
Perdido nas esquinas
sugerido nos desejos
o melhor não tem mais jeito.
É o pão que não comemos
mas amassamos
esse vinho derramado
que não bebemos
todo amor que não amamos
— imaginado —
é sempre o que não fazemos.
o melhor nasce desfeito
ou nos desfaz em mil momentos?
Não quero o milagre
quero a lágrima
— esse vinagre —
que bebo até o fim
até o fel:
felicidade afinal.
Há dias intensos
— pura dor —
mas como evitar o amor e seu punhal?
Há dias que sei:
mais um milímetro
e é a morte.
NASCE EM SILÊNCIO. GUARDA TODO GESTO
E GRITO PARA A NOITE QUE MAIS TARDE
JÁ SE INCENDEIA AGORA SOBRE A PALHA
DE TUA CAMA POBRE. QUE FOGO ARDE
E SE DERRAMA DESDE A ESTRELA CLARA
DESSA NOITE? Ó MENINO QUE DISSOLVE
A DOR DO HOMEM, SEU PECADO ACESO
— NASCESTE QUANTAS VEZES (OU MORRESTE,
SÓ PRA NASCER DE NOVO A CADA VEZ)?
NASCE EM SILÊNCIO, NASCE E RECUPERA
EM NÓS A PROMETIDA FACE: O FOGO
QUE HOJE TE AQUECE O CORPO E CRESCE A SOMBRA
DE TODOS OS QUE À VOLTA DO TEU BERÇO
ACENDEM NOS,
TEUS OLHOS A ESPERANÇA.
De
LÊGO & DAVINOVICH
Rio de Janeiro: 7Letras, 2006
Diálogo poético entre Elizabeth Hazin (Lêdo) e Davino Sena (Davinovich), dois poetas pernambucanas com raízes em João Cabral de Melo Neto e o memorialismo de Manuel Bandeira, sem imitá-los. O resultado é comovente e estéticamente cativante, na voz de dois jovens desterrados curtindo sua pernambucanidade. Aqui, apenas uma amostra. A.M.
LÊGO:
Cais da Aurora, casa de meu avõ,
onde o que fui semelhava eterno
chama acesa sobre o rio mais sedento.
De tudo o que ficou, o que ficou?
(p. 7)
DAVINOVICH:
Ficou a luz, umna luz
que tudo corrompe, luz
de recife, luz marinha
sobre tua cabeça e a minha
de quando ainda o sal, velas
que o branco enfuna... vê-las
era a infância, poder sentir
vento e sal, jangada e rede.
(p. 8)
LÊGO:
Nosso elemento natural se desencanta:
há mares e mares em que não quebram ondas
onde nunca tem espuma, nem saltam peixes
onde não navegam barcos — antes afundam —
e toda saudade é uma palavra verde
que sabe a sal.
Mas terá, sim, restado alguma infância.
E terá sido ela pátria ou exílio?
ou só aquele tempo roubado ao relógio?
(p. 10)
DAVINOVICH:
Uma ilha, em sonhos, deve haver
onde alguém, sonhando, fica a ver
o que foi, fomos, mais que exilados
de um sítio tranquilo no passado
(o vendedor passava defronte
e o mel se oferecia em cones)
ora fixa, tal ilha, ora vaga,
ao sabor da mente, qual jangada.
(p. 11)
LÊGO:
O mar é triste
o mar é sempre triste
pura melancolia ondulante
mas o Recite resiste
calmo ou alucinante
esse Recite resiste
á sua própria tristeza líquida
soube-o o conde holandês
e o chamou
belo país do Brasil
sem igual sob o céu
por que o Recife insiste?
nunca se cansa?
e por que existe?
(p. 44)
DAVINOVICH:
O menino olha o Recife
às margens do Capibaribe
para buscar urna resposta
no barrento rio que ressona
como o lento mestre na sala
sob lentas nuvens matemáticas.
O céu azul não dura. Nuvens
sorvem o rio, pastam os úmidos.
As estrelas no azul incerto
trazem o infinito mais perto.
O menino sonha com o céu
que a nuvem gris escureceu.
Num canto sombrio da sala
o filtro de barro autorizou
urna obesa gota de água.
(p. 45)
LÊGO:
Sob o signo claro da água
retorno a um outro Recife
aquele das cartas cifradas
se já não há quem decifre
o mundo será sempre novo:
as águas do Capibaribe.
Como reter o que passa?
Como voltar ao que tive?
(p. 62)
DAVINOVICH:
As crianças que fomos
são espectrais peixes de sono
a flutuar entre Recife e Olinda
entre as cidades antigas
entre as frases antigas
os rios, as ruas, os risos.
Já diziam os flamengos
ou os flamingos, pouco importa:
Capibaribe e Beberibe confluem
(flutuante Olinda, Recife anuente)
para na foz dar voz ao Atlântico.
(p. 63)
Indicação de Elga Pérez-Laborde. Julho 2007; página ampliada e republicada em junho 2009, depois da visita que Elizabeth me brindou na Biblioteca Nacional de Brasilia.
VARGAS & MIRANDA Compiladores. Selección y revisión de textos por Salomão Sousa. TRANS BRASILIANA ANTOLOGÍA 36 MUJERES POETAS DO BRASIL. MARIBELINA – Casa del Poeta Peruano. 2012 134 p. Ex. biblioteca de Antonio Miranda
¿Se está haciendo mejor?
No.
Perdido en las esquinas
sugerido en los deseos
lo mejor no tiene vez.
Es el pan que no comemos
Pero amasamos
Es el vino derramado
que no bebemos
todo amor que no amamos
— imaginado —
es siempre el que no hacemos.
lo mejor nace deshecho
¿o nos deshace en mil momentos?
No quiero el milagro
quiero la lágrima
— ese vinagre —
que bebo hasta el fin
hasta la hiel:
felicidad al final.
Hay días intensos
— puro dolor —
pero como evitar el amor y su puñal?
Hay días que sé:
más un milímetro
y es la muerte.
PRINCIPIO DEL FIN
¿Por qué nada permanece sólido
en su cáscara,
protegido?
un día quiebra
y por la grieta
pasan peces y navíos
fantasmas que en la noche ganan bulto:
nada permanece entero
todo se destroza
así es el espaciado texto del destino,
cubriendo la mesa
¿Por qué no se extiende eterno,
si es tan fino?
¿por qué no dura la entereza?
Caderno de Antonio Miranda com dedicatórias e textos poéticos de amigos coletados durante encontros literários de 2009 a 2012
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Página ampliada em julho de 2024
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