PRISÃO SATÂNICA
Não quero voltar a esta pedra que me consome,
Esta dor do desejo que não alimenta a fome.
Não quero comer deste prato de sangue talhado
Onde se encontra a vida do louco e amargurado.
Não quero deste repudioso pão dolorido,
Este afago do inferno, este guia perdido.
Não quero este anzol e esta letárgica tortura
Onde festejam juntos prazer e sepultura.
DEBAIXO DO CÉU
Mundo de decisivos quereres
E raríssimos pensares.
Mundo das imobilidades vegetais,
Dos homens, inertes animais.
Mundo dos desaproveitáveis espaços,
Dos psicotrópicos e marca-passos.
Mundo dos deleites perigosos,
Audaciosos abismos viciosos.
Mundo de festas e morfinas,
De loucuras e elípticas ruínas.
Mundo da promessa e do adeus,
Do esquecimento e da ausência de Deus.
GERAÇÃO PERDIDA
Ei, barman ,
Dê-me um copo de sexo
Bem gelado.
Pra eu entrar na night
Alucinado.
Traga-me também
Camisinhas de chiclete,
Só para espantar o medo
Das coisas caretas.
Um último pedido:
Três cubinhos de sugar
Aqui no meu nariz
Para adocicar a noitada
Da minha vida desgraçada.
O ESPELHO
Disse que a vida era feita de horizontes
Com uma mão cheia de gritos indefinidos.
Libertou um pássaro do bolso
Com suas agulhas quebradas,
Pregado sobre um sonho triste.
Arrancou as vestes apressadamente
E correu como um louco
Por sobre um caminho disforme
Deixando para trás uma perna,
Gotas açucaradas de sangue
E pedaços de um jornal rouco
Desenhado num abstrato
Auto-retrato.
COSTA, Elias. Pedras e flores. Brasília, DF: Centro Editorial, 2015. 88 p. 14x21 cm. ISBN 978-64494-72-5 Nome completo do autor: Joaquim Elias Costa Paulino. Ex. bibl. Antonio Miranda
PEDRAS E FLORES
Talvez seja melhor sofrer a dor a anestesiá-la.
Antecipar o sofrimento que o deixar para depois do sono.
Às vezes, é necessário viver por detrás de vidraças quebradas
Por pedras atiradas pela inconsciência alheia,
Carregar as cruzes que os outros abandonaram.
Não se pode abandonar uma guerra sem antes morrer por
[tentar vencê-la.
A dor da tentativa não leva à insanidade, mas aos palácios do
[amor.
E se não houvesse a dor, de que serviria a misericórdia divina?
E se não houvesse a dor, quem compreenderia as dimensões do
[amor?
UNIVERSOS
Dedicado ao ilustrador Fernando Lopes
Os cavalos estão brincando.
Estão correndo sobre os campos do céu,
De estrela em estrela.
Todas as noites os cachorros passeiam pela lua
Onde colhem e comem a virtude dos lobos
Até se tornarem eles mesmos.
Os elefantes navegam pelos oceanos do céu
Como titânicos navios de velas sem destino
Engolindo os planetas.
Os peixes mergulham nas lavas do sol
Enquanto os pássaros recolhem os cometas
Para soltá-los nas próximas noites de revoadas.
As árvores reúnem-se em volta das fogueiras
E cantando e dançando pela música das chuvas
Esperam em silêncio o sacrifício de si mesmas.
Os homens colonizam os buracos negros,
Desbravam os labirintos do vácuo,
Semeiam pesadelos e assassinam sonhos.
NÓS MESMOS
Ao ilustre poeta Antonio Miranda
Quem me levou a ingenuidade
E fez-me meu próprio canibal,
Decerto também comeu dos frutos
Da árvore da ciência do bem e do mal.
Quem foi este que me extraiu do silêncio,
Libertou meus monstros
E teceu em meus olhos as teias da dor?
Quem foi este que me batizou em águas poluídas,
Arremessou-me no inferno e privou-me da vida,
Como quem entra no nada e não acha a saída?
Quem sou este? Quem sou este?
Quem sou este sem mim?
Quem sou este que devorou meu eu?
O meu próprio assassino de mim.
O GARIMPEIRO DE ALMAS
O Garimpeiro de almas
Garimpava tranquilo sobre as águas.
O poeta perguntou:
— Quanto de nós será tirado,
Garimpeiro?
E Ele respondeu:
—Quanto for preciso.
E com a bateia em suas mãos, continuou
Separando pedras de pedras,
Recolhendo humildes partículas de ouro
E descartando orgulhosos seixos.
COSTA, Elias. Flor na tempestade. Brasília, DF: Trampolim, 2017. 120 p. ilus. 14x21 cm. Nome completo do autor: Joaquim Elias Costa Paulino. ISBN 978-85-92864-84-2 Ex. bibl. Antonio Miranda
ATÉ QUANDO?
Até quando atormentar as feras?
Até quando oxigenar destroços,
cultivar farpas e colher crateras?
Até quando reanimar cadáveres,
assassinar o Eu?
Até quando reviver na história
o que foi maldito e nunca teve glória.
POEMA DISPERSO
Onde foi, no destino, em que uma das veias deste rio se
[secou?
Onde a energia se isolou? Onde vácuo?
Onde foi que o elo da corrente se quebrou?
Onde mãe deixou de ser mãe, pão de ser pão? Morte?
Onde o homem entregou ao acaso a sua sorte?
Onde Adão? Onde Eva? Onde sexo? Onde trevas?
Onde estamos nesse momento?
Onde me faço? Onde me arrebento?
Em que parte do espaço a gaivota perdeu o seu vento?
EM NÓS MESMOS
Um grito inaudível
dentro de um eu incerto.
Se aqui dentro é floresta,
lá fora é deserto.
Enclausurado,
um homem caminha em si mesmo,
por dentro de metáforas humanas.
Amor e Amargura.
Ali, percebe o florescer das horas
nos mais belos jardins
e mais sombrias sepulturas.
Ele nasce, cresce, envelhece e morre.
E ele, enquanto cego, não compreende que nem [espírito
é eterno.
O LIXÃO
Onde os ratos festejavam os humanos excrementos
e os urubus velavam pelos ascos bolorentos,
o sol incendiava um forte hálito cruel
de decompostos orgânicos, lixo e papel.
No aterro empilhavam-se carroças, caminhões,
multifaces definhantes em enormes multidões
de seres que ceifavam no bagaço da matéria
realidades retorcidas e migalhas de miséria.
Vez em quando a cólera das máquinas se ia
e os famintos devoravam o que a terra engolia.
Vinda a noite, inflamadas, as víboras no mato
espreitavam os famintos ao luau do fogo-fátuo.
Página ampliada e republicada em fevereiro de 2018
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