ELIAS ANTUNES
João ELIAS ANTUNES de Oliveira nasceu em Goiânia, em 1964. Tem sete livros publicados, entre romances, novelas e poesia, sendo que todos premiados. Bacharel em Direito. Funcionário público de TJDF desde 1993, por concurso público. Foi professor de Historia da Filosofia, de Redação, de Estética e Literatura e de Direito e Legislação. Traduziu e lançou Poetas suecos (antologia) e Música da vítima e outros poemas, de Horácio Castillo. Foi traduzido para o espanhol em 2005.
CORPO E ALMA
Conhecer as encostas neste mar de cascalho onde proliferam
lágrimas e risos de condição humana nesta pequena
aventura que recomeça a cada dia.
Homem: por dentro a prisão da carne ou a liberdade do
grito? E ressurge como os capins o impacto da pedra
na fronte.
Quisera ser os pastos de bois e anus e pragas e conhecer
cada pequeno existir cada fuga de carne mínima, cada
centímetro de ruptura e colisão, como numa caçada
de falcões.
O homem por dentro: ser posto no mundo, largado no
mundo feito coisa, painel de guerra e fúria. Como ouvir este
silêncio escondido sob os ventos do turbilhão?
Homem: coração de pedra e carne. Homem: leão, rato,
tantas faces dentro a face, qual trama de mar e tinta
objeta, escrevendo as memórias do porão. Uma concepção
de paraíso debaixo das pernas do tempo.
Bandeiras de derrotas e vitórias crescendo como
pendões de milho nos campos minados da solidão.
E a palavra homem criando personalidade própria como
mosca nascendo do barro: criação!
Mas não é só isso: há também a foice recurva, que reclama
o pescoço, as notícias de amor e morte vindas de longe
dizer quanto ainda resta de homem no dicionário
e no zoológico, quanto resta de homem
na memória dos bichos, nas pegas da lama,
nos dentes da lua, nos ossos da solidão?
ÁGUAS DE CHUVA
Como esta chuva
Que sorvo em minhas mãos,
Assim a areia do tempo
Transforma meu ser;
Tenho apenas o canto
Da cigarra morta
Nesta solidão do mundo das
palavras;
Tenho apenas o osso,
O sacrifício da ausência
indomável,
semente do nada;
Tenho apenas as redes da
matéria bruta
Tragando os peixes-poemas,
Canções do acaso, gritos
mudos, bois e lobos
no olho esquecido;
Tenho apenas o tumulto
Nesta grei onde se confia à
Aurora e às estrelas.
O CAPIM
Que seu eu das tílias,
Senão o dúbio passo,
O pasto de grama e
capim?
Que sei eu das tílias,
Senão o corpo esbodegado,
O osso tíbio
o passo morto?
Que sei eu das tílias,
Senão a palavra sonora,
Suspensa no ar,
Cheirando a distâncias?
Que sei eu das tílias,
Senão a febre e a memória,
O vazio da pergunta e
Da resposta: pássaro-calado?
CANÇÃO
De que adianta o sonho
de cavalo-marinho
se há os limites do vidro
no aquário?
Toda fuga verdadeira se
inscreve nos gritos
da manhã.
Há anos esperando a canção proletária
subir dos músculos das
lavadeiras, das mãos dos
cortadores de cana,
das enxadas carpindo
do dia.
DIÁRIO DE 64
Era proibido dizer que a manhã estava
enguiçada
não queria submergir no caos
da história.
E um menino mais que antigo
balia no cesto jogado no rio
do esquecimento
as moscas cantavam monótonas
o vôo dos estrumes
resistiam ao verso furado
pelo fuzil.
Havia uma dolente aurora
sem a rotina do café reunindo
os membros dispersos
medo e insônia contemplavam
os uniformes do poder
Não sobrava tempo para a
corrupção do pranto, violão
empoeirado, garganta seca.
Abril empalava as sombras
e o patriotismo e os
heróis exaltados
a resistência era
um rato no
esgoto do tempo.
Poemas extraídos de COLETÀNEA LADJANE BANDEIRA DE POESIA – Volume 1. Organizadores: Cida Pedrosa, Elizabeth Siqueira, Janice Japiassu. Recife: Prefeitura do Recife, Secretaria de Cultura, 2006
Página publicada em outubro de 2008.
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