DULCE BAPTISTA
Natural do Rio de Janeiro, onde passou infância e juventude, tendo se formado em Letras na PUC.
Vive em Brasília desde 1975. Trabalhou no serviço público quando da criação da Biblioteca Nacional de Agricultura, no contexto de um projeto conjunto da FAO (Food and Agriculture Organization, da ONU) e do Ministério da Agricultura. Diplomou-se em Biblioteconomia pela Universidade de Brasília, tendo mestrado em Educação e doutorado em Ciência da Informação, também pela UnB.
Tem contos publicados na internet e é autora de Sob os céus do Planalto (contos, LGE, 2005).
NOVOS POEMAS
Nova gramática
Entrar, clicar, maximizar, digitar;
formatar, inserir, excluir, revisar...
Refazer tudo, editar, copiar, colar.
Só me falta, – adivinhe – salvar!
Que perguntas mais frequentes serão essas
que não incluem nada de imprevisto.
Que, todavia, ensejam impessoais conversas
por meio dos fabulosos, infalíveis
algoritmos...
Se perco o fio da meada, não há problema:
embarco no chat da live, no blog, na rede,
na resposta certeira que está no sistema
do site, do arquivo, da biblioteca sem
parede...
Formulário, cadastro, senhas mil,
o futuro chegou no meio do passado.
É de repente, é devagar, eis o ardil:
ninguém quer chegar atrasado.
Robôs, ícones, aplicativos, novidades
tecnológicas, vocabulário surreal;
no metaverso de gentes e cidades
tem contraste social e comércio mundial.
Resta saber o seguinte: é mentira ou
verdade
aquilo que se diz, circula e propaga
aos quatro ventos de pretensa unanimidade,
só porque disseminou-se que nem praga.
Na nova gramatica do pensar, do dizer e do fazer,
é preciso inteligência para deletar o mal
sem antes fugir ou sucumbir. E para percorrer,
numa boa, o caminho sem volta da realidade
virtual.
2023
Redes
Palavras curtas, abreviadas, aos borbotões.
Frases feitas, flechas certeiras, exclamações.
Vai e volta, bate, rebate – que sabidões!
Um dia da caça, outro do caçador, um dia
quem falou o que quis ouviu – ou leu – o que
não quis. Na tela, o pisca-pisca da espera
de mais alguma. O tempo vai fechar?
Nada disso: é tudo um mal entendido
até que uma hora dessas começa tudo de novo,
o bafafá, a confusão, o dito pelo não dito.
Quem te amava, hoje te odeia,
quem cantava, hoje chora, quem falava
hoje cala. Sentimentos? Afetos? Bondade?
Onde? Perdidos por aí, ou enroscados
nas redes, nas teias do barulho e do maldizer...
Pisca-pisca, acende-apaga sem trégua, sem
pensar, sem querer, só por dizer,
só porque quis, ninguém sabe o que diz,
se alguém escapa, é só por um triz.
*publicado na coletânea Mulherio das Letras Portugal – Poesia
O próximo dia
Tudo é passageiro, já se sabe,
mas não é certo o que vem primeiro
depois do que já vai tarde...
Se é luz do sol, breu de trevas,
ruas ermas ou multidões.
Caudaloso pranto, tristes emoções...
E se assim é, assim sendo,
tentando esquecer o medo,
sem jeito para dar jeito
naquilo que não tem jeito,
quero só alegria em meu peito:
Volúpia de corcéis em disparada
no rumo da incerta alvorada.
(prosa poética)
O vira-lata
O focinho passeia entre cascas, papéis engordurados, chicletes. Paciência de cão vira-lata em meio ao vai-e-vem dos bípedes perdidos na multidão.
Ônibus interestaduais vomitam gente na rodoviária, enquanto o bicho prossegue em seu irracional afã de farejar sobras. Alguém em vão lhe assovia.
Fruto proibido
Detrás da porta o menino se esconde. Com mil cuidados retira o celofane vermelho do bombom de chocolate com cereja. Não está previsto que coma chocolate antes do almoço; ainda assim, o menino faz de conta que esqueceu as recomendações maternas e dá a primeira mordida.
O gosto inefável do fruto proibido faz com que esqueça por instantes de todas as interdições desse mundo.
Palavras
Palavras podem ser:
conexão; bálsamo; impulso; consagração.
Mas também:
pedrada; ferida; ruptura; decepção...
No pensamento e na fala
Assim como na escrita:
Dizem tudo, tudo escondem;
São e não são.
Tarde
Uma tarde,
Uma gente fria
Na sala quente
Do andar vazio...
O prédio é novo na esquina antiga
Cadê meu povo que não me liga...
Chego tarde, saio cedo...
Na floresta urbana o sol arde.
Guerra
Uma bomba lá, um tiro aqui;
Ônibus queimados, escombros...
Sangue.
No final da rua, um perigo sem aviso
Sob o céu, sob o céu, o mesmo céu
Do Rio de Janeiro, de Londres, Bagdá, Jerusalém, Beirute,
Nova York, Haifa, Madri, Ceilândia, São Paulo, Paris...
Azul, cinzento, enegrecido por cacos, fuligem, fumaça e ódio.
DULCE BATISTA enviou poemas escritos em 2014, como sendo “bissextos”... Aqui reproduzimos três deles, celebrando o reencontro:
Entardecer
Translúcido céu, trinados,
Grama, folhagens, copas, troncos,
Baila a brisa no meio do verde.
Motores distantes, freadas, chutes a gol.
Indistintos ruídos – entardece.
Paisagem do dia seguinte
O mato cresce onde não devia,
O rato rói o que não podia.
Poças, cascas, lama – restos de vida
– da noite pro dia.
****************
In vino veritas
É tinto, branco ou quê? Não me diga
que é rosê...
Carne branca, vermelha, ou quê?
Não me diga que é patê...
Encorpado, chileno, com buquê,
ou francês, pra agradar o freguês...
Nada disso: o melhor é o português.
Ou melhor: de cada qual um pouquinho,
um trago de cada vez...
Dulce Baptista, dezembro 2017,
Feliz Natal!
VOZES DE AÇO. XXI Antologia Poética de Diversos Autores. Homenagem ao Acadêmico Antonio Carlos Secchin. Organização, Montagem e Editoria Jean Carlos Gomes. Volta Redonda, RJ: PoeArt Editora, 2019. 102 p. ilus. fotos. p&b e col. 15x 21 cm.
ISBN 978-65-5031-008-0 Inclui textos e fotos de poetas brasileiros contemporáneos de varias parte do Brasil. Ex. bibl. Antonio Miranda
DESTINO
Poeira, ventania, pedrinhas,
lá se vão as ilusões...
Folhagens, insetos, miragens
não são mais que impressões.
De repente, um clarão, um estrondo,
produzem tremendas visões.
Transbordam rios, caem pontes, somem ruas
num grande mar de aflições...
Na escura noite do medo,
o destino é o grande segredo...
Entre pesadas nuvens a lua se esconde.
Mais água será que vem?
É sabido, repetido, todo ano é igual:
vidas, sonhos, fantasias — no meio do lamaçal.
Fatalidade, descaso, Juízo Final?
Natureza revoltada, vitória perene do mal?
Ou, nada mais nada menos,
que o esperado temporal?
Na escura noite do medo,
o destino é o grande segredo...
POEMA DESCABELADO
Coração inquieto, acelerado,
coisa de amor mal explicado.
De rua em rua, de sol a lua,
sim, tudo é bem complicado.
Você vai, você volta,
me prende, me solta,
some, aparece,
no outro me esquece...
Eu choro, tremo,
penso no fim, mas — ai de mim,
tenho medo do fim.
Por isso, no escuro te vejo,
no vazio te alcanço,
no sonho te busco,
no buraco me lanço.
NATUREZA
Um fio d´água escorre das alturas no negro paredão de pedra.
O sol ressurge entre vales, nascentes, colinas,
aquecendo troncos e flores de campina.
Ondula a relva à suave brisa, o gado se espalha na planura.
Aves tracejam pontos no azul
enquanto na colheita a vida é dura.
Mãos ágeis, solo fértil, durante paisagem:
Natureza pura.
COLETÂNEA VIAGEM PELA ESCRITA. Vol. V. Homenagem ao acadêmico Carlos Nejar. Volta Redonda, RJ: Gráfica e Editora Irmão Drumond, 2019. 106 p. 15 x 21 cm. Apresentação por Jean Carlos Gomes. Inclui além da antologia de poetas, textos sobre Nejar escritos por Alexei Bueno, Anderson Braga Horta, Antonio Carlos
Secchin, Antonio Miranda, Antonio Torres, Geraldo Carneiro, Luiz Otávio Oliani, Nuno Rau e Angeli Rose. Ex. bibl. Antonio Miranda
LEMBRANÇA FELIZ
Bolo, velinhas, balões,
empadas, docinhos, enfeites,
transportam infantis corações
ao mais incontido deleite.
É um, é dois, é três,
mais um ano em sua vida,
uma velinha por vez
nesta data mais querida!
Quando um dia, porém,
tudo parecer tão distante,
não se deixe impressionar
pela fugacidade do instante.
Apenas saiba, sem tristeza,
de uma única certeza:
Da vida na melhor lembrança
é ter sido um dia criança.
CERRADO
Cheguei, chorei, gritei,
minha antiga praia deixei...
Estranhos ventos, retas e curvas;
planalto, cerrado, águas turvas...
Eixos, céus, nuvens e cores,
mentiras, verdades, seus atores
somos todos, nas lutas, nas dores,
Brasília de meus temores.
Redemoinho, barro, o tempo é o
tempo, caminhos se abrem,
feridas se curam...
Em todo canto brotam flores,
sentimentos pululam...
Onde andam seus cantores?
POEMA INÉDITO ENVIADO PELA AUTORA:
O livro
Livro de horas, livro de ouro,
de papiro, pergaminho, papel,
brochura, capa dura, de couro...
Que importa, se me falta o mel
que se esconde em páginas, concretas ou não,
que me deixa entrever, vislumbrar paisagens,
decifrar mistérios, pensar de antemão
em precisos relatos ou grandes miragens...
Que importa também se não é nada assim,
se é tela do computador, do celular
que, mediante cliques, te trazem a mim
num minuto, e a um simples olhar...
O que de verdade quero é percorrer, descobrir,
invadir labirintos de palavras, frases,
tempos, lugares diversos, até concluir
que entre começo, meio e fim, existem mil fases,
ângulos de uma pequena ou grande questão
de onde brotam as imensas riquezas
do conhecimento, do saber, da emoção...
Dulce Baptista, 2023
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Página ampliada em abril de 2023
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Página publicada em dezembro de 2022
Página ampliada em novembro de 2019.
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