DENIZE CRUZ
Denize Cruz, nascida em Niterói, Rio de Janeiro, mora em Brasília. Desde a adolescência escreve poemas e vem publicando seu trabalho em prestigiadas revistas literárias, como a Poesia Sempre, da Fundação Biblioteca Nacional, na qual podemos saborear na Edição n°14, de agosto de 2001, o poema Dádiva. Publicou seu primeiro livro de poesia, O fio da pele, pela Editora 7Letras, em maio de 2000. Em 2005, lançou o segundo livro de poemas, Quisera que minha mão sobre teu peito fosse raiz, pela mesma editora, tendo feito lançamentos em Brasília, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e São Paulo.
Em O Fio da pele, Denize Cruz canta o splendor carnis e o splendor verbis, a carne e o verbo, dentro de uma clara sugestão musical, imprecisa e vaga. Como se formasse uma pequena orquestra dos sentidos. Um acervo de possibilidades. Armonia di canti. Uma tensão, que acena, delicada e tímida, para a frágil película do mundo. Do corpo. Da beleza. Da palavra.
MARCO LUCCHESI,
professor, poeta, ensaísta e tradutor
Denize Cruz é poeta em pleno amadurecimento. Sua poesia, seguindo a tendência moderna, se exprime pelo hai-kai, pelo poema-comprimido, pela fala conceitualística e algo filosófica. Mas vejo em seus momentos menos cerebrais o melhor de suas possibilidades. Quando elabora em torno do cotidiano, das coisas visíveis e palpáveis, é aí onde, a meu ver, melhor consegue captar a essência do poético escondido no prosaico. Os versos inspirados pela vista do armário de roupas, das louças de cozinha, a associação rúcula/vírgula e a polissemia do verbo digerir são mostras suficientes de um virtuosismo em desenvolvimento, de uma capacidade de ver as coisas com o olhar transfigurador do poeta.
I VO BARROSO,
na orelha de Quisera que minha mão sobre teu peito fosse raiz
Na sua poiésis, a autora reúne linha, textura, vibração, movimento, transcendência, tempo e espaço, horizonte, o cotidiano que grita, vão livre, solidão do papel, emboço, paralelas, mãos acimentadas, rachadura, argamassa, aguados, afeto arenoso, o oco do chão, risco, chamas em curva, direção dos ventos, relevo do traço denso, golpe, compasso vivo, traço vermelho, porões sem abraços, maçaneta, porta, espelho, sem descuidar dos alinhavos. (...) Denize Cruz rasgou superfícies com a afiada lâmina de um bisturi, incisou o fio de pele, evitou deformadas cicatrizes...
ITÉRBIO GALIANO,
jornalista e escritor, sobre O fio da pele
O fio da pele é um entrecruzar de coragem, empreendimento e desejo de expressão e ultrapassagem. Assim, nele não vigora essencialmente a metáfora enquanto figura de linguagem. O que encontra-se, sobretudo, é a linguagem como metáfora da vida.
CARMEM SÍLVIA HANNING,
na apresentação do livro O fio da pele
Desafiando rimas. Talvez devesse ser dito: desafiando rotas, como na “Veia Norte”, poema último do livro. Velas à sorte, recolhida a âncora lançada em Brasília na noite do Café com Letras em que se viu brilhar o livro de estréia da poetisa Denize Cruz, de Niterói. Cuidadosa edição da 7Letras, esse Fio da Pele tecido com o primor da palavra, reveste-se de outro especial significado por trazer, na contracapa, comentário do poeta Marco Lucchesi. O lançamento (...) foi inserido em recital poético que se realiza às quartas-feiras naquele misto de café, livraria e espaço cultural. Ao lado dos poetas convidados, pôde-se contar com o privilégio do acompanhamento musical de músicos de talento como o percussionista Jorge Macarrão e do saxofonista e clarinetista Fernando Machado, entre outros músicos e cantores. Muitos leitores, bebedores, paqueradores, poetas, quasepoetas, fotógrafos, esculápios puderam participar da grande performance febril que teve ponto alto com a manifestação de um espectador noturno , inculcado de Baudelaire; “ a poesia é morte”. Ao que outro participante respondeu: “a poesia é grito!” ... e gritos de Aaaaaaaahs ecoaram! Parecia coisa ensaiada para brindar um Fio da pele cotidiano, aranha tecendo o fio da navalha em plena noite brasiliense.
DONALDO MELLO,
poeta, na coluna EIXO CULTURAL BRASÍLIA do jornal literário Ars Clara,
por ocasião do lançamento do livro O fio da pele
CRUZADA
Quem me dera esbarrar
a cada trilha explorada
na certeza de estar
encarnada
por dentro, por fora, entre
e assim escalar
indefinidamente.
Quem me dera transcender
a cada volta completa
os limites de ser
repleta.
Quem me dera desvendar
a cada noite suspensa
o sabor de me sentir
desvelada
no tempo, no espaço
como se fosse ocupar
mais um pedaço
do cenário dessa vida
de quem me dera.
(Em O fio da pele)
***
DÁDIVA
quisera que minha mão sobre teu peito
fosse raiz
mas me fizeste folha
ao vento
ainda assim
o amor enraiza
(Em Quisera que minha mão sobre teu peito fosse raiz)
***
jl
Inês Sarmet
s/foto do acervo da autora
ÍMPAR
armário. daqui posso ouvir a escuridão. miro as
portas. são seis. poderiam ser duas. “e nada nos
faltará”. não preciso contar. sinto, são seis. às
vezes, quando o escuro lá dentro esmurra cada
porta, penso nas duas. só duas e o medo não
seria tão claro. são seis? a noite invade a minha
coragem e conto muito mais que seis. portas
fechadas. preciso dormir. os guardados são
tantos... mangas curtas e longas histórias. as mais
doces nas alças fininhas, nas rendas. outras,
eternamente desabotoadas. quando se desfazer
das peças que nunca encontram o seu dia? o
excesso a resistir e a sufocar. não importa quantas
saídas: se seis ou duas. gavetas que sempre
emperram e arrastam aquela meia para o fundo.
coisas que jamais precisariam de um par.
(Em Quisera que minha mão sobre teu peito fosse raiz)
jl
***
Cume
Não há pedras verticais nem paralelas.
Nas entranhas do tato vive a escalada.
(Em O fio da pele)
***
Plasma e sangue
Enquanto houver abraço
trevo, desvio, picada e medo
enquanto houver margem
desejo, rio, queda d’água e boca
enquanto houver traço
no olhar que descansa
enquanto houver laço
entre o sim e o então
todo corpo será horizonte.
(Em Quisera que minha mão sobre teu peito fosse raiz)
jl
***
Reféns
Ocultos de si
contracenam
em parágrafos reticentes
sob páginas coladas
até o gozo final.
(Em O fio da pele)
Publicação proposta por Donaldo Mello e Inês Sarmet
Contato: poesiaamazonas@gmail.com
CRUZ, Denize. O que não há. Poemas. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2012. 110 p. ilus. 16x 24 cm. Desenhos: José Rufino. Fotografia da autora: Débora Amorim. Projeto gráfico: Anita Santoro e Marina Duque. ISBN 978-85-7820-077-0 Col. A.M.
se possível fosse
apagaria
escaparia
mentiria à memória
se possível fosse
desataria um tempo
que insiste em pertencer
mas o possível é um lapso
labiríntico
que inebria e vaza.
A realidade arranha os olhos
desavisados
as veias inócuas
a vida insistentemente verde.
Quieta, a faca
vigia a madureza de seu fio
e aceita
o sangue só é vermelho se sofrido.
Outros espaços a esperar
nada mais para abrir ou fechar
apenas pisar além
da lona flutuante.
Pendurados por ganchos
luzes de inverno e verão.
Como não perceber as estações?
O tempo é alheio à terra e ao céu
a cor vive fora, livre.
Que mãos suportam vendavais?
Nem as tuas, tão intensas.
Página republicada em maio de 2013.
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