CLIMÉRIO FERREIRA
Piauiense (Angical ), em Brasília desde 1962. Cantor, compositor e professor. 5 livros (poesia, entre os quais Essa Gente) publicados e um cd - Canção do Amor Tranqüilo (1995, direção artística de Clodo Ferreira). Participa de várias antologias. Com Clodo e Clésio , gravou 6 elipês. É parceiro de Ednardo e Dominguinhos. Tem músicas gravadas por Nara Leão, Elba Ramalho, Amelinha e Fagner.
sem versos
não há motivo algum
pra que te faça versos
amo em ti:
teu corpo
e a alma nele contida
teus cabelos
em desalinho sobre a testa
as mil faces
da tua cara a cada carícia
teu andar de animal em extinção
ante o olhar atento do caçador
o ódio e o amor
que nos separa / une dentro da noite
condenação
perdão:
estou predestinado a ser feliz.
que fazer?
não sei torturar
nem quero o poder
a honra não me tenta
nem o sucesso almejo
menina,
nem teus apelos domésticos
nem teu regaço em brasa
detêm em mim esta poesia
sou feliz,
como o pássaro da anistia,
sobrevoando o céu tumultuado
executivos, heróis, soldados,
fanáticos, empresários, proprietários,
classe média em geral,
eu vos declaro a minha condenação:
sou cavalo do meu sonho
chorão / 79
brasília é uma cidade
sem saudade
brasília é uma cidade
cheia de saudades
brasília é uma cidade?
pois quando lembrar de mim
pensa em mim numa cidade assim
sem tradição
mano velho
dez horas por dia
ele esmurra as águas
esquecido do próprio nome
e nem treme a fala
(na beira do Parnaíba
entre surrões e cofos
suspira e tenta sonhar
um resto de homem)
nas águas sujas do ex-rio
o vaporzinho de cores berrantes
cruza a lancha moderna e veloz
mano velho, setenta anos,
vê no progresso uma língua estranha
à sua fala — e cala.
esquadrão da morte
o supermercado dispara
a televisão dispara
o político dispara
a construção civil dispara
o imposto dispara
a educação dispara
o salário dispara
o patrão dispara
a religião dispara
o transporte dispara
o povo morre
crivado de bala
na praça pública
Extraídos de 16 PORRETAS. Brasília: Gráfica do Sindicato dos Jornalistas, 1979. 129 p.
CANTO DO RIO
Chore não
Um rio não morre à toa
Corre na terra e não voa
Rio não é avião
É só um leito assentado
eternamente pousado
entre as agruras do chão
o rio é um berço da infância
onde se banha a lembrança
do nosso corpo molhado
O rio é uma estrada d'água
onde lavamos a mágoa
de um sonho não consumado
Falo do Parnaíba
rio que já faz tempo
vai morrendo pouco a pouco
vai pouco a pouco morrendo
Falo do Parnaíba
que deságua no meu peito
cheio de peixes graúdos
e de Torquatos pequenos
Seus coloridos vapores
as beiras cheias de cores
as margens dos meus amores
e dos mergulhos serenos
Falo de um rio bonito
que existiu noutro tempo
E hoje persiste mito
pela poesia do vento
JARDIM DO MULATO
De primeiro era um riacho
transparente e brilhante
encravado e navegante
no coração da infância
Nesse tempo era outra ânsia
ver da beira do riacho
meninas tomando banho
numa nudez elegante
De onde vem essa água
esguia lágrima de terra
costumeiramente seca
de onde vem essa água?
Hoje bem sei de um lugar
cheio de belas pessoas
E que também é o lar
de duas estranhas lagoas
Dizem que uma é tão funda
nunca se chega ao final
É como mágoa profunda
de um amor imortal
A outra lagoa é rasa
que espalha água no mato
E desta água vaza
É que nasceu o Mulato
O Mulato é o riacho
que me traspassa a memória
com muitos sonhos de baixo
Mas isso é outra história
CAMPO MAIOR
Quando à note a brisa bate forte
sobre a lagoa que eu sei de cor
trêmula palma sob o vento norte
balança a carnaúba de Campo Maior
Ah! Certas cidades
deixam saudades duras de curar
Há em certa idade
tal profundidade que vem do lugar
Campo Maior
Plenitudes, eternos paços
Plenos passos, ternos laços
rompem-se
Campo Maior
Altitudes, muitos pedaços
Alguns abraços, buscas de espaços
unem-se
Extraídos de MENEZES Y MORAES, Pseudônimo de José Menezes de Moraes, org. MAIS UNS: coletivo de poetas. Brasília: 1997. 199 p.
De
Climério Ferreira
ALGUNS PENSAMES
Brasília: Tao Livr. Editora, 1979. 117 p
Climério tem muitos títulos no mercado. Temos alguns em nosso acervo: Alguns Pensames. (1979), Da Poética candanga: poesia sobre poesia (2010), Memórias do Bar do Pedro..., Pretéritas Canções. Todos eles obtidos em sebos. Embora nós dois compartilhemos o mesmo espaço de Brasília, nunca tivemos um contato direto... Incrível, numa cidade onde os espaços da literatura e da arte não são tantos como nas grandes metróples. Ou ele vai pouco, ou sou eu que... O certo é que não nos conhecemos. Mas eu conheço a obra literária e musical dele. E aqui vai mais um fragmento, desta vez apresentado pelo nosso amigo comum Vladimir Carvalho.
Climério Ferreira "Resguardou no silêncio de sua discrição e simplicidade toda a emoção de que se nutre para evocar, ora épica ora autobiograficamente, o seu território poético além do Parnaíba." VLADIMIR DE CARVALHO
BAR DO PEDRO
se sigo só morena
quero dizer acompanhado
se já vou tarde
quero dizer vim atrasado
não sigo triste morena
nem satisfeito
deixo tudo como estava
de outro jeito
deixo um frevo rasgado pra Frô
deixo um abraço apertado pró Bê
levo um suspiro dobrado de dor
deixo o meu jeito acanhado para você
veja que jeito sem jeito de partir
é que não tenho outro jeito de ir
se a saudade apertar mais cedo
tome cerveja gelada no Pedro
se a saudade apertar de medo
tome cerveja gelada mais cedo
se a saudade apertar no Pedro
tome cerveja gelada de medo
FLAGRANTE
o maestro de sessenta anos
ouvia entre um copo e outro
um sucesso antigo de Adelino Moreira
de repente
um fio manso de paixão percorreu sua alma
e sentindo o apelo que o corpo não atendia
buscou um sorriso de vinte anos atrás
e ficou assim parecendo um santo
FERREIRA, Climério. Artesanato existencial: poesias. Teresina, PI: Corisco / Sapiens, 1998. 77 p. 12,5x21 cm. Projeto gráfico: Amaral. Editor: Cineas Santos. “ Climério Ferreira “ Ex. na bibl. Antonio Miranda
A menina chora em vão
O amor que espera
Inutilmente no portão
Às vezes ficar sozinho
Nem é tão triste assim
Às vezes fico sozinho
E bem mais próximo de mim
TRATADO DE ECONOMIA
Países não têm destino
Ideias não têm razão
Religiões não têm nome
É tudo tolo e inútil
Se uma família não come
SEGREDOS
Vamos fazer o seguinte:
Não diga nada
E eu serei seu ouvinte
1ª. BIENAL DO B – A POESIA NA RUA. 26 a 28 de Setembro de 2012. Brasília: Açougue Cultural T-Bone, 2011. 154 p. ilus. col. 17x25 cm.
parece que foi ontem
(...) Houvesse tempo gostaria de decifrar
Os segredos aéreos dos pássaros
E a suave arquitetura dos ninhos
Tentaria o mergulho dos peixes
Nas cristalinas águas dos riachos
No balé entre folhas caídas. (...)
TEXTO EM PORTUGUÊS – TEXT IN ENGLISH
NEW BRAZILIAN POEMS. A bilingual anthology after Elizabeth Bishop. Translated & edited by Abhay K.. Preface by J. Sadlíer. Rio de Janeiro: Ibis Libris, 2019. 128 p. 16 x 23 cm. ISBN 978-85-7823-326-6 Includes 60 poets in Portuguese and English
Ex. bibl. Antonio Miranda
Lições Marítimas
Esse vento morno
Que dança nas praias nordestinas
Traz em si uma promessa
Uma vaga esperança
De que o meu amor seja immortal
Como o movimento perene
Das palmas
O mar com suas ondas mansas
Segreda a permanência
Das coisas passageiras.
Lesson from the sea
This warm breeze
Which dances on the northeast beaches
Brings a promise with it
A vague hope
That my love be immortal
As the perpetual movement
Of palms
The sea with its gentle waves
Hides the performance
Of fleeting things.
Página ampliada em novembro de 2020
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