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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


CACÁ PEREIRA

 

Poeta e compositor, estudou violão erudito no Conservatório de Música de Brasília, além de cavaquinho, piano e pandeiro. Lançou, em 2006, o CD independente, inteiramente autoral, O Mundo Era o Céu. Com o samba Inquietação, de sua autoria e ainda não gravado, conquistou o 1º prêmio no 1º Festival de Música Popular da CUT, em 2007, ano em que criou e apresentou o projeto Viva a Arte, abrindo espaço a novos músicos brasilienses, no palco da Eletronorte (DF).

 

Em entrevista à jornalista Angélica Torres, publicada em 2006 na revista Roteiro, ele conta:

“Sou um menino da Ceilândia, filho de um goiano bruto, mambembe, candango da construção de Brasília, com uma piauiense da roça, de gênio forte e muito inteligente, que lavava roupa na beira do rio cantando um extenso repertório de sambas”.

Piauiense de berço, nascido em 1964, esse poeta popular de reconhecido talento e sensibilidade, compositor de samba, choro, xote e baião, teve vivências por São Paulo, Goiás e Mato Grosso, antes de aportar em 1970 na Vila Iapi – uma das invasões que deram origem à Ceilândia, cidade satélite de Brasília –, e lá ser forjado gente e artista. 

Cacá chegou em Ceilândia aos sete anos. Cresceu levando vida de pobre com talento para miserável e direito a participar do quadro de alto índice de violência, o alcoolismo, a prostituição, a malandragem, que se espraiaram na gênese da cidade. O que o salvou foi o pendor para a leitura.

No dia em que o irmão primogênito chegou em casa levando Reinações de Narizinho e Sítio do Picapau Amarelo, o garoto agressivo tornou-se uma nova pessoa. Aos 12 anos já tinha lido a obra completa de Monteiro Lobato e de Julio Verne. E, claro, ganhava assim uma bela base para o espírito do estudante disciplinado e do poeta e compositor que se tornaria já adulto”.

 

Engels Espíritos, gaitista, cantor, compositor:

 “Cacá Pereira é o que podemos chamar de um artista polivalente: toca violão com maestria, compõe hamonias e melodias, canta, dança nos palcos e, sobretudo, é um grande poeta. Sua poesia apresenta uma sensibilidade mágica, um camaleão das palavras que transita por vários universos. Da poesia brejeira, sertaneja, à dos malandros e vagabundos, passando pelas ricas e sofisticadas palavras e rimas da poesia mais intelectualizada, erudita. É, também, um contador de histórias inimagináveis. Caca Pereira é um fusão apimentada e endiabrada  de alguns dos principais elementos da arte!” . 

Poesias
(inéditas) 

DESTINOS  

Folha e borboleta

voam incertas

uma porque se desprende

outra porque se liberta

 

Uma que viveu exposta

outra que nasceu mistério

 

vindas de talo e lagarta

ambas de broto e crisálida

 

Folha e borboleta,

vôos caóticos

 

e um mesmo destino:

 

Uma

que encontrará o chão

outra,

um lagarto faminto. 

 

RIBEIRINHO 

Procurei o rio

de minha infância.

 

Nem uma coisa

nem outra

estavam mais lá

para meu susto e pavor:

procurava ambas.

 

Me senti morrer!

 

Enquanto sigo,

o que existe

fica para trás.

 

Nada posso levar!

 

Corri a escrever o rio,

cantar e chorar águas passadas,

lembrar cachoeiras e pedras,

curvas, a ponte, a barra.

 

Ah, meu desaparecido rio!

 

Do primeiro peixe,

do sumiço da menina

cujo pai enlouqueceu

gritando em suas margens

 

Rio que transbordou enlameando o mundo,

chuva que inundou a minha vida para sempre

de espanto e alegria.

 

Devo àquele rio o que aprendi

- sei agora -

a mergulhar fundo

no poço mais fundo

de minha memória.

 

 

CONSELHOS

 

Corre, menino,

descobre.

 

Pega e guarda,

é teu.

 

Ouve o proibido por eles,

aprende e revela.

 

Espia, pede e pergunta

e não cala, não cala, não!

 

E quando não fores mais menino,

procura por mim

 

e agradece,

para que nesse dia

 

eu seja de novo

menino 
 

ADOLESCÊNCIA  

Agonia em meus dezoito:

mais antiquado que os velhos,

bravo, confuso, afoito

 

 

REBATE 

 

Se a dor que dói no filho

dói redobrada na mãe,

como pode quem apanha

apanhar da própria mãe?

 

 

DA PESTE

 

Olha lá,

os nordestinos migrando.

Sinto-me aflito.

 

Parecem desintegrar

o Nordeste,

enquanto se amontoam

em São Paulo e Brasília

 

que mal os recebem,

torcem o nariz, resmungam 

enquanto eles se ajustam

no cobiçado barranco beira-d'água.

 

Ô, Nordeste sem norte,

sem sul que lhe queira,

sem governo que o valha.

 

Canta, Nordeste!

Silêncio

não lhe cabe.

 

Um dia tu sais

da área de serviço

e te sentas na sala.

Com os donos da casa

ou sem eles...

 

 

PELEJA

 

Cidade grande

vidro e cimento

vida sem tempo

terra de ninguém

 

Gente correndo

com medo de gente

ganha o tenente

perde quem não tem

 

Ô, cilada

me armou o destino

um severino

um bocó como eu

 

sumir na curva do rio

e bater no vazio

num mundo tão frio

sem anjo e sem Deus

 

Ô, saudade,

pelejo e não venço

sofro se penso

esqueço quem sou eu

 

Ainda encontro o caminho

e escapo sozinho

viver de mansinho

num cantinho meu 

 

Letras das canções do CD
O MUNDO ERA O CÉU

 

 

SEM CONSIDERAÇÃO

ouça em http://www.myspace.com/cacapereira

 

Não foi bonito partir

sem que eu pudesse pedir

a ela para ficar

 

Também não acho direito

encher de amor o meu peito

e me deixar

 

Quem de corpo e alma se entrega

não espera dor nem desalento

mas o destino delega

tudo em seu devido tempo

 

Eu sei que o amor se complica

quem nos dera a perfeição

Desaba e às vezes não fica

nem mesmo consideração

 

Difícil é viver sem ninguém

e admitir que acabou

não foi dessa vez que alguém

me amou 

 

TELA 

Que a lua não caia

e fique de tocaia

na barra da saia

onde sai o sol

 

Que o samba pegue

e o rock'n roll ca'regae

que o forró se esfregue

torrão por torrão

 

Que o padre aplaque

a culpa do moleque

e antes que ele peque

sapeque o perdão

 

Que a bomba falhe

que a paz não encalhe

que Gandhi se espalhe

por esse mundão

 

Eu queria ser artista

e modelar a vista

da minha janela

 

Se eu pudesse ser

jangada ia na flor da água

pela luz da vela

 

Que o humano Kant

"olha barata, Kafka!"

mais Rousseau e a África

não morria ao vento

 

Que a notícia boa

chegue feito grua

para a beleza nua

nenhum paramento

 

Que João batize

e Pedro não deslize

e que Judas avise

antes do momento

 

Que o mal não malde

que o bem bom se esbalde

que Jesus se salve

e fuja enquanto é tempo

 

Eu queria ter talento

para mudar o vento

quando traz a guerra

 

Se eu pudesse ser piloto

pairava no topo

da atmosfera

 

Eu queria ser artista

e modelar a vista

da minha janela

 

Se eu pudesse ser Da Vinci

no instante seguinte

eu pintava uma tela

 

 

NOEL

 

Essa noite eu sonhei

que muito tempo atrás

me chamava Noel

 

o mundo era meu

o mundo era o céu

 

Uma só boemia

meu Rio Antigo

minha Vila Isabel

 

Eu era mais eu

eu era o Noel

 

No meu impecável terno branco

saía de bar em bar

em qualquer mesa, num canto

nascia meu samba

 

E diz que eu fumava

e diz que eu bebia

sempre madrugava

às vezes tossia

 

Bem cedo eu partia

e me eternizava

virava uma Rosa tão viva

que nunca murchava

 

O mundo era meu

o mundo era o céu

eu era mais eu

eu era o Noel

 

 

ALMA LAVADA

 

Vivo aqui estou eu

poeta de alma lavada

quem amor não deu, perdeu

quem amou venceu o nada

 

Quem não tem amor

vira alma penada

quem tem, dê valor

para não chorar

o que ficar na estrada

 

Água da fonte saudade

não sacia a sede

que mora no peito

amar pode ser tão perfeito

e também pode doer

no coração

 Pior que perder é não ter

melhor do amor é viver

acaba, mas deixa um brilho

nos trilhos que levam 

o trem da paixão

 

O amor me valha

seja como for

mesmo quando se atrapalha

ainda é meu professor

 

Finda, mas, sem mágoa

dói, mas tem sabor

meu amor não falha

e que valha o amor  

 

LETRAS DE CANÇÕES INÉDITAS 

 

HERÓIS

 

antônio brasileiro samba ao piano

já que o som do pandeiro

é tão animador

 

gilberto passos

em compassos e encantos

baiano que é baiano

salva a dor da dor

 

fá, lá, martini, babo a cria

e quem não há-de?

flor não é rosa vadia,

vadico, vá de co-autor

 

na boca

há o gostinho dos santos, amém

na geral do pereira o samba vem

 

estrela dalva de oliveira ainda se avista

linda é batista e wilson vai polemizar

emannuel teles me deu essa demanda

e viva a banda, e carmem miranda dá, dá, dá, dá, dá

 

aos meus heróis zumbi e julhinho da adelaide

se jorge bem jovem te viu, brasil,

zé ketti bem te quis

sinto dolores durando em saudade

e essa vontade de te ver feliz 

 

 

A HEROÍNA

 

Faísca de carabina

riscou a madrugada

matou de morte matada

a mais linda heroína

 

Ela tombou

e as folhas que caem na estrada

choraram desesperadas

e a noite inteira se calou

 

Os senhores dos destinos

de terra, de lavoura e gado

tomaram os nossos roçados

assustaram nossos meninos

 

e ela, que era tão franzina

coragem que herdou de vaqueiro

chamou à luta o povo inteiro

da vida fez causa divina

 

Ontem quem se lamentava

hoje luta por liberdade

não teme a lei dos covardes

sonha como ela sonhava

 

A morte faz nascer na gente

o sonho de quem se retira

o amor há de vencer a ira

o justo há de ser mais valente

 

Faísca de carabina

riscou a madrugada

matou de morte matada

a mais linha heroína

 

Ela tombou

e as luzes que dormem na estrada

chamaram todas as fadas

e a vida se iluminou.

 

Página publicada em julho de 2008



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