B. DE PAIVA
B. de Paiva (Fortaleza/CE, 1932) é ator, diretor e dramaturgo.
José Maria Bezerra de Paiva, que ficou conhecido apenas como B. de Paiva, nasceu em Fortaleza, Ceará, em 6 de novembro de 1932. Como ator, professor, dramaturgo e administrador cultural, transformou-se em referência na história do teatro brasileiro, em 60 anos de carreira.
Trabalha em mais de 500 produções para cinema, rádio, TV e, principalmente, teatro. Inicia a carreira em 1947 e logo em seguida junta-se a Marcus Miranda e Haroldo Serra, entre outros, para fundar o Teatro Experimental de Arte, um dos principais capítulos da dramaturgia cearense.
Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal do Ceará, retorna ao Ceará em 1998, após quase 20 anos de sua partida para Brasília, onde chegou a ser coordenador da Funarte e um dos fundadores do Ministério da Cultura.
Entre outras coisas, depois de aposentar-se pela Universidade de Brasília (UnB), foi fundador da Faculdade de Artes Dulcina de Moraes, vinculada à Fundação Brasileira de Teatro, da qual também foi presidente em 1995. Em 1999, coordena os assuntos culturais e artísticos da Pró-Reitoria de Extensão da UFC e a diretoria do Colégio de Direção do Instituto Dragão do Mar, além de estar ligado à Fundação Amigos do Theatro José de Alencar.
No Rio de Janeiro e em Brasília, coordena instituições públicas culturais e cria cursos de teatro, como o primeiro curso superior de Artes Cênicas na UniRio. Também trabalha na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde foi reitor.
Como dramaturgo, escreve, entre outras, as seguintes peças: "Complexo", "Lágrimas de um Palhaço", "Rosa Morta", "Vigília da Noite Eterna". Em parceria com o pernambucano Hermilo Borba Filho, publica o livro "Cartinhas de Teatro". Fonte: http://teatropedia.com
PAIVA, B. de. Cantochão para uma esperança demorada. Fortaleza, CE: Imprensa Universitária da Universidade Federal do Ceará, 1980. 53 p. ilus. 24,5x28,5 cm. Ilustração: Alberton. Papel kraft. Capa dura. Tiragem: 142 exs. assinados pelos autores. Ex. col. José Brito.
pranto segundo
Quando a madrugada sedenta chegou
eu vi:
o arremedo do sol, in-sur-gin-do-se.
Um sol tão envelhecido,
tão cheio de remendos e de remorsos,
em um espaço tisnado de fumo,
encobrindo a paisagem,
que não sabíamos mais se era dia
ou era noite.
Ouço a ave madrugadora
retornando de seu ofício de trevas,
— que estranho emprego, o de cantar
a morte da noite.
O velho galo cego de sempre
vem acordar a matina,
choramingando indormida
na espera de milhões de americanos
entre angustiantes pesadelos de pré-liberdade
e a doce ansiedade do pão
que não chega às portas
do leite que não escorre
dos seios mumificados.
O galo-clarim vem ao pátio,
enfadado pelas insônias,
de pé no poleiro do tempo,
assustando faces e surpreendendo mãos
trilhadas por milhares de rugas
em expectativa.
E é, após o anúncio,
que o velho sol vem chegando, SOLenemente,
SOLenemente,
para asfixiar-se no antigo céu apa-ler-ma-do.
O triste céu das Américas.
O sol sem seiva
O sol sem saber
O SOL — saudade só — de Montezuma
e Ataualpa —
O sol — aquele antigo rei do mundo infante,
hoje infame.
A girar, no arranhado ciclorama,
estrelas e planetas
não se redesenham
na noite que se avizinha
sem cotovias e golondrinas,
nem cicio de rosas e dálias;
mas — na feia noite sem alma —
onde não se conversa —
há um olho a hipnotizar
consciências,
ternuras,
saudades,
vozes antigas.
A América mis Hermanos
A América, mis manos,
está anestesiada pelo olho da sala.
A América já não conhece o seu saber,
e que era o segredo dos carnavais,
o passo das danças,
a forma do barro,
a brincadeira dos gestos,
a ciranda dos versos,
a rinha dos risos
e a reza das rosas arrasadas;
Já não sabe da benção do Santíssimo Sacramento,
em volta de quem se esperava eternidade.
— Não sabe re-inventar
o que era antigo
e belo,
o bom
como a festa
o folguedo,
o fandango;
não sabe como era
a vida do povo,
a zoada do povo,
a sonorIDADE,
a idade dos sonhos do povo,
na voz das feiras,
em volta dos chafarizes,
nas rodas das folias.
A América não sabe mais encontrar
e nem encantar
a sua antiguidade
que era sempre
novidade
quando as gentes
l i v r e s —
apascentavam sus horizontes.
Sabem por que?
— É que, na manhã do antigo Novo Mundo
o ícone da sal não deixa haver amanhãs,
“per omnia secula seculorum”.
Página publicada em setembro de 2016
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