ARIOSTO TEIXEIRA
(1953 - Brasília, 23 de janeiro de 2010)
Poeta, jornalista, cientista político, colunista da Factual/Broadcast da Agência Estado, publicou Poemas do Front Civil (7Letras, RJ, 2006). Publicou também poemas e contos em revistas brasilienses, como Bric-a-Brac, nas antologias Poemas, do Coletivo de Poetas do DF (1990) e Candieiro, coletânea de contos de escritores gaúchos (1976). É autor do ensaio Decisão Liminar - A Judicialização da Política no Brasil (Editora Plano, Brasília/DF, 2001).
Graça Ramos, jornalista, escritora, doutora em História da Arte, diz sobre a poesia de Ariosto Teixeira que, “na oscilação entre potência e impotência equilibra-se uma agressividade desconcertante, certo lirismo às avessas, que provoca ao expressar a consciência de que o sujeito contemporâneo sobrevive na intimidação. (...). Fogem os poemas de Ariosto Teixeira do senso-comum. Trata-se de escrita de abissal contundência, que despreza regras politicamente corretas e coloca o leitor diante da pergunta: que viés poético dará conta dos sentidos deste tempo radical?”.
TEXTO EN ESPAÑOL - TEXTOS EM PORTUGUÊS
LINGUAGENS – LENGUAGENES /Edição bilíngue Português / Español. organização Menezes y Morais; tradução Carlos Saiz Alvarez, Maria Florencia Benítez, Lua de Moraes, Menezes y Morais e Paulo Lima.. Brasília, SD: Trampolim, 2018. 190 p. (7ª. coletânea do Coletivo de poetas) ISBN 978-85-5325—035-6. Ex. bibl. Antonio Miranda
TRANSGRESSÃO]
Por aí sussurram segredos
Falam de crimes e escândalos
de Ian Curtis
de Curt Cobain
de Jim Morrison
de Sam Shepard e Tarantino
Por aí sussurram segredos
sobre o saxofone de Chet Baker
esbugalhado como sexo
no passeio público
Dizem que a mente de Wittgenstein
repetiu mil vezes um verso de Rilke
E incendiou-se numa geleira da Noruega
Da minha parte não guardo segredos
cometo sempre a mesma transgressão
Um estupro consentido Um ou outro adultério
Delicadamente tumultuo
o cérebro e o mistério das minhas vítimas
De
POEMAS DO FRONT CIVIL
Rio de Janeiro: 7Letras, 2006.
“De imagens-emoções violentas faz-se este Poemas do Front Civil, de Ariosto Texeira. Na oscilação entre potência e impotência equilibra-se uma agressividade desconcertante, certo lirismo às avessas que provoca ao expressar a consciência de que o sujeito contemporâneo sobrevive na intimidação” In:
http://www.7letras.com.br/detalhe_livro/?id=447&PHPSESSID=0193f96aec3588cf527e538b198dc8b6
DISSOLUÇÃO
O descontrole sobre o que acontece dentro,
Dá a um homem a idéia de desmanchar,
A secura do osso em ácido corroendo-se,
Espuma dissolvendo-se na pia de lavar.
Sente-se um demente a pedir esmola,
As mãos trêmulas, a mente em bruma,
Úlcera afogada em coca-cola,
Saudade de si, melancolia e tontura.
Do tempo emerge o aroma que abala,
Até que percebe que tal fumaça,
É só um erro que de si mesmo exala,
Arma de destruição em massa.
Um homem não sabe o que sente quando nasce,
Mas sabe o que padece até que tudo passe.
CEGO OLHAR
Absorvo a luz que a revela
Quando o sol se desfolha
Não me vê contudo
Se a mim olha
Blindado no escuro
Pálida faísca nas horas
Ao redor dela perambulo
Sombra fria na treva
A tatear cego e mudo
O silêncio que me devora
Noite a noite abro a janela
Que ao mesmo deserto leva
SANTA TERESA
Ao meio-dia subimos o morro
Para ver banheiros do tempo do imperador
Diante da tela de Picasso
Sob a luz mortiça do mosteiro
Ela penteou os cabelos loiros
O líquido azul dos olhos dela
Sorvendo-se no escuro dos meus
Levou-me a ver o que o amor havia causado
À mente de Arthur Bispo do Rosário
Ao anoitecer um piano dissonante
Nos fez dormir já perdidos um do outro
NO FIM DO CAMINHO
Ao meu amor jurei fidelidade.
Imprimi tua beleza no olhar de criança.
Não sabia que das virtudes, a lealdade,
Não era o melhor que trazias por herança.
Descoberto que o humano frágil era,
Ainda assim te dei meu coração.
Não o quisestes. Querias uma quimera.
Nem o teu pusestes em minhas mãos.
Ao longo de tantos, demorados anos,
Cheguei ao fim do difícil caminho.
Atravessei montanhas, desertos, oceanos.
Esforço vão. Eis-me no gelo a tremer sozinho.
O meu amor desfeito em ossos arrasto.
A traição foi tua. Meu é só o cansaço.
ADRENALINA’S BAR
A plebe desfere punhaladas na noite do Adrenalina
Os meninos e as meninas dentro da madrugada
Wodka
Uísque
Absinto
A gente só queria o coração sacudir
Falar a noite inteira
Mentir é tão simples
Fugir é tão fácil
De volta para casa
Tudo vai ficar bem
O corpo se estende na sarjeta
Os hells limparam seus canivetes
Na cara chocolate do moleque
Encheram seu corpo de chutes
E o deixaram com o seu ninho de cobras verdes mortas nos olhos
Abro caminho no deserto negro dos olhos da menina
Pouco importa a guerra noturna em Beirute
O fogo a consumir os prédios da capital
A velha lágrima presa por um alfinete na retina
Onde estará com seu jeito inquieto de pardal
A cabeça raspada de skinhead
Talvez a perca para sempre
Quem sabe a encontro amanhã
A voar sobre a colina lilás
Nada a fazer
Murmuro uma velha canção
Espanco uma lata de cerveja
Não me esqueça
Espero no mesmo lugar
Apareça antes que mais alguém morra no bar
SONETO URBANO
Foi bom ter estado aqui a rir
No mesmo tempo que você.
Às vezes sem saber aonde ir,
Sentir a mesma gana de vencer.
A vida passa tão depressa. Parece
Que sempre seremos os mesmos,
Em busca do sem sentido da festa
que nos vai roubar os cabelos.
Não sei se foi só um beijo amargo,
Tão somente sei que não era amor,
Que tudo aconteceu como um travo,
Emoção rápida, barata, sem calor.
Você era a verdade que não se podia trair,
A lealdade que não nos permitia mentir.
INÉDITOS
VENTO MEDITERRÂNEO
Percebeu que não voltaria mais
Quando as plantas
Começaram a secar
Sempre soube que um
Dia iria acontecer
Que desceria as escadas
Como uma sombra empapada de ar
Mas não que doeria tanto
A dor era isso a dor
Não temer a tempestade da travessia
Quem sabe se voasse para longe
Sempre quis
Ir aonde bem entendesse
Ser o que bem entendesse
Falar com quem bem entendesse
Até descobrir que não existia outra voz igual
No caminho que o terapeuta de florais apontara
Que estava no âmago
Que tudo vem de dentro não de fora
(...) e pensar que ser único bastaria
Construir um veleiro
Uma casa ao vento mediterrâneo
Suprir a alma intratável
Virar como se vira o direito para o avesso
Desabrochar como a orquídea amarela agarrada
Na árvore torta debruçada no telhado
Não
Não suplicaria
Apenas daria de beber as plantas
TROPEL
Algo se quebrou
Ao sabor das palavras em tropel
Algo se quebrou outra vez
Não se sabe se era vidro
Algo se espatifou como se vidro fosse
Como louça chinesa quebra
Como papel rasga
Como osso racha
Algo se quebrou
Ao sabor das palavras em tropel
Ao sabor do painel de lenços brancos
Algo se quebrou quando menos se esperava
Algo se quebrou
Ao sabor de dentes brancos
Como se de vidro fossem os lenços em tropel de palavras
Exatamente quando nada mais havia
Que pudesse ser quebrado
A palavra se quebrou como um lenço de adeus
Como um músculo se esgarça como se pano fosse
Como se em si guardasse a natureza do vidro
E da palavra
OH OS BELOS DIAS
No dorso da água voraz e abrupta
A mulher acena e se precipita
No desenho de um paraíso despovoado
Arco-íris a riscar o céu plúmbeo
Negro poço dos belos dias
A matéria bruta das mãos
Enfim acena e se agita
Mas não se sabe se canta
Ou se grita os versos desta canção
Talvez escreva um poema
Os dedos a unhar o coração
Fundo poço dos belos dias
Ela desliza sobre a crista
A flutuar na suja espuma
As mãos em chamas a clamar
Enquanto rabisco seu nome
Negro poço do meu soneto
Em que se consome
Quem há pouco escavava
O abismo dos belos dias
VENENO
Todo o momento
Um só segundo
Todo desejo
Um só momento
Toda boca
Todo beijo
Todo abraço
Todo medo
Todo cansaço
Todo corpo
Está pleno de um só tormento
Toda luz
Toda cor
Toda certeza
Toda dor
Todo verso
Toda serpente
Resume o escravo da beleza
TEXTO EN ESPAÑOL
----------------------------
TRANSGRESIÓN
Por ahí susurran secretos
Hablan de delitos y escândalos
de Ian Curtis
de Curt Cobain
de Jim Morrison
de Sam Shepard y Tarantino
Por ahí susurran secretos
sobre el saxofón de Chet Baker
protuberante como sexo
en el paseo público
Dicen que la mente de Wittgenstein
repitió mil veces un verso de Rilke
Y se incêndio en un glaciar de Noruega
Por mi parte, no guardo secretos
cometo siempre la misma transgresión
Alguna violación consentida
Algún que otro adultério
Delicadamente turbo
el cérebro y el mistério de mis víctimas
Preparada por ANGÉLICA TORRES LIMA. Página republicada em maio de 2009.
Página ampliada em janeiro de 2020. |