ANTONIO ROBERVAL MIKETEN
(1948-1993)
Nasceu em São Paulo, em 1948. Poeta, romancista, ensaísta, crítico e conferencista.
Licenciatura Plena em Letras (UFRJ); Mestrado em Literatura (UnB);
Doutorado em Literatura, sob a orientação de José Augusto Seabra (Universidade do Porto); Doutorado em Ciências da Linguagem, sob as orientações de A.J.Greimas e Joseph Courtès (Université de France).
Poesia: O Inconsciente do Signo (Brasília, 1982); Ano Passsado em Amarante (Amarante, 1985); Olhos de Orfeu (Porto, 1985); Relatório do Verde (Porto , 1986);
Bandarilhas de Victor Mendes (Vila Franca de Xira, 1986); Perfil de Frente (Porto, 1987); Sílaba Única (Brasília, 1989).
SÉPALA
A aranha fia em branco a talagarça mínima
de uma folha: visível nervura do limo.
SILÊNCIO NO SILÊNCIO
Há dentro de mim um silêncio,
um tigre andasse me rondando,
olhos viesse o oceano,
nas algas de um verde sem fim.
Pássaro que fosse o silêncio,
por vezes o sino de um pássaro,
de um pássaro que não se caça,
nas algas de um verde sem fim.
Aguça o imenso silêncio,
sino de uma concha ao ouvido,
do marulhar de onda esquecida,
nas algas de um verde sem fim.
III
—Ouves um ressôo de plumas?
—Suave rumor de penumbra?
—A penumbra em véu de silêncio.
—É como se as asas ao vento.
—Mas por aqui não há mais plumas.
—Tão só contraluz de penumbra.
IV
—O céu já dá mostras de luz.
—De um pássaro em penas azuis.
—Ainda somos inocentes?
—No silêncio que a luz consente.
—Estamos pregados na cruz?
—Presos nos lilases da luz.
PÁSSARO DE FOGO
Que pássaro, que pássaro contra a vidraça,
Tremeluz o relâmpago à noite que passa?
O POÇO
O poço mais quedo:
um olhar dissimulado,
miragem do medo.
GRANDE SERTÃO
A seguir um rumo,
o rio não quer chegar
a lugar nenhum.
Extraídos de SÍLABA ÚNICA. Brasília: Thesaurus, 1989. 100 p.
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De
Antonio Roberval Miketen
O INCONSCIENTE DO SIGNO
Brasília: Thesaurus, 1982
O Poeta Trabalha
Sobre tons surrealistas,
a madrugada deserta
desenterra suas desventuras:
no sono profundo, trabalha o poeta.
Meu relógio amolece e tomba no poço da noite.
Um velho leva a navalha
para a frente do espelho:
no fundo da escuridão,
se rompem as comportas de uma represa.
Enquanto as naus naufragam nas garrafas,
os bêbados fumam os vaga-lumes.
Tropeço na maciez de um gato morto
e por entre rosas rotas e rotas tortas
chuto uma lata vazia.
Neste gesto salvador, dali me liberta a razão.
No entanto, é muito tarde:
o anjo barbudo me diz: “transformar o mundo”.
Imóvel, um vento de moscas
desalinha capins nos meus cabelos:
janelas profundas de paredes alongadas
trocam olhares maliciosos e cúmplices,
me possuem as horas do sonho.
Um demônio de batina me arrasta
aos sorrisos do velório.
Quando um galo ensaia um solfejo,
as lavadeiras da madrugada
jogam bacias de lágrimas
nas vidraças dos meus ossos.
O defunto se afoga na pia batismal:
meus pés flutuantes,
descendo as escadas do sonho,
pisam o abismo
do derradeiro degrau não esperado,
e o meu coração esgotado
se liberta dos rumores
de todos os clamores tardios.
La Cathédrale Engloutie
A Jorge Antunes
Tremem,
bramem,
fremem,
os dobres dramáticos
da Catedral submersa
em cor
e som.
Nos vitrais do crepúsculo,
o sol – com a ponta do pincel
de seu raio –
pontilha o mar de soluçantes
manchas de melancolia.
Numa impressão de flutuação,
o derradeiro amarelo do horizonte
cerra o azul cansado da tarde,
refletindo verdes dobres
de esperanças indecisas.
Como palpitantes pássaros apedrejados,
as teclas trêmulas do sino –
do débil sino –
buscam as torres submersas,
afundado no infinito
suas nódoas sonoras de sangue.
Debruçada sobre as águas
do inconsciente,
a Poesia está na espera
paciente
da purificação da fonte.
MONA LISA
Indecifrável fresta fresca entre os lábios:
ternura para a perspectiva pictórica,
amargura para quem o hálito na penumbra;
sereno cemitério de elefantes
onde o marfim de assassinadas ilusões;
carne de coreografia invertebrada
onde a volúpia da fome sem dentes;
asas que ruflam a palavra adeus
onde plena plana a pluma lisa;
incisão de bisturi calculista
onde o fino corte da malícia.
Sorri-se da impotência da dar-se de eterno.
Vestígios Do Indizível
Os cavalos do sono
rompem suas rédeas:
uma xucra ma(nada)
galopa à beira de abismos
onde o laço da atenção
impede o precipício,
o tombo do dorso indomável
dos potros do poema.
Os cascos do trôpego trote
imprimem as pegadas
nas trilhas difíceis do papel,
e dessas ferraduras restam as palavras:
o segredo visível
do fugidio vestígio do indizível
na longa cavalgada pelas pradarias do sonho.
A NOITE
A noite,
enorme
aranha
negra.
tece
trêmula
teia
de estrelas.
Penumbras
de pêlos
tateiam
contornos
inertes
de medo.
PALÍNDROMO EM BUSCA DE UM TEMA
M A S S A
A R A E S
S A G A S
S E A R A
A S S A M
CAPITAL POEMS. Brazilian poets in Portuguese English and Spanish. Brasília: Thesaurus, 1989. 38 p.
Ex. doado pelo livreiro Brito (DF).
OITAVA CANTIGA DE AMIGO
Junto às vagas do mar de Vigo,
venho a relembrar de um amigo.
Aves põem plumas no horizonte
e as plumas, águas de uma fonte,
em Vigo, nas algas do mar,
do amigo trazem-me o tardar.
Do além-mar vem, leve por plumas,
a dor que eu não quero chorar.
Porém as gaivotas põem brumas
no profundo do meu penar,
onde, às margens do mar de Vigo,
venho ao relembrar de um amigo.
(De Sílaba Única, 1989)
EL ROMANCE DE ARRUZA
El mejicano matador,
teniendo en la mano solo la línea de la vida,
dentro del terreno del toro
era el de la línea del destino.
Entrando en lado contrario,
ponía en pánico la multitud.
por la lentitud de sobresaltos
con que erguía el paño en la mano.
Entre la investida y el cuerpo,
torcía la línea del cetín
y el toro deslizaba torcido,
destrozado por el riñón.
Arruza, en el riesgo de la vida,
sin retórica en la muleta.
Dándose a la línea de investida,
daba una lección a Manolete.
LESSON OF LIGHT
I
Sudenn the silence turns into light,
as if strains of music, as if a subject in blue.
II
To find light within phrases,
the harmony, the sound of the universe,
so that we can hear the silence,
our own human silence,
so that we can, poet,
step on a page of blood,
III
Almost visible touchable pink of the poem,
an ogive, bewitched, on the shoulders is a dove.
IV
We forsake many things
because we grow towards the sun.
Amongst what we leave behind,
without piety, without remorse,
exists the innocence, the child;
like a sad little bird,
which sings in the bare light
the elegy of conscience.
V
What music, what music fades away in the distance,
ruled by the wings of the bird on the horizon?
VI
Write only what is brief,
in the short light of our life,
that never disturbs the children
and does not wet the margins of one´s vision.
So we need your notebooks,
to dive among the seaweeds,
within the deepest roots
that will light the green of the sea.
VII
Comes from the lucidness, the shine, the breast,
the slow puberty, within the center of scare.
VIII
The pupil of a gazelle
tears the rocks in the horizon.
Violet, the reflexion of the light,
to the east side of the sky,
where the deepest blue hides within the womb;
IX
In Autumn: the flicks of dry pulps;
on the remains of the life blood, the richness of the
fruit.
X
In the silence which opens among the bell knell,
there is a dead little bird, to replace the child.
*
Página ampliada e republicada em dezembro de 2021.
ANTONIO ROBERVAL MIKETEN, born in 1933, in São Paulo. University professor, poet and ensayst. Residence in Brasília.
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