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Poesia Gauchesca

 


 

 

ANTONIO FRANCISCO DE PAULA

 

Nasceu em Caputera, município de Itapeva, antiga Faxina, Rio Grande do Sul, em 1953 no denominado “caminho das tropas”, nas proximidades da fronteira com o Paraná mas reside em Brasília, onde é funcionário público no Ministério da Agricultura. Participa das atividades nativistas de um dos centros de tradições gaúchas — CTG — da capital federal. Como poeta apresenta-se em festividades e músicos, com sucesso garantido. É detentor de vários prêmios por suas composições gauchescas.

 

“Cristalino e sonoro, seu canto evoca a paisagem pampeira.”

José Santiago Naud

 

 

 

COCHO DE CABRIÚVA

 

Quatro metros de comprido,

Forjado à talhadeira,

Rude peça campeira

De puro cerne maciço

Do tronco grosso e roliço

De cabriúva vermelha.

 

Esquecido, sem serventia,

Vive hoje abandonado,

Lá num canto encostado,

No fundo de uma cocheira,

Meio gasto e carcomido

E carunchado nas beiras.

 

Eu comparo esse cacho

A um índio gaudério moço,

Que, à procura de retoço,

Nunca tinha paradeiro,

A lo bruto e mui largado

Pelas invernadas e potreiros.

 

Solitário nas campanhas,

Estendido no capinzal,

Feito palco teatral

Das tropilhas abagualadas,

Das procissões de boiadas

Que vinham lamber o sal.

 

No teu costado se formava,

Quando se reuniam os bichos,

 Os maiores dos bochinchos

Que este peão já presenciou,

Entre guampaços, berros e relincho

Num fundão de corredor.

 

No meio dos entreveros

Foste lambido e beijado

Por boca funda de aporreados,

Haraganos caborteiros,

Por touros, vacas e terneiros,

No arredor dos alambrados.

 

Na fazenda Caramuru,

Entre a restinga e acanhada,

De longe se ouvia a zoada

Dos crinudos teatinos,

Onde grão de milho saía tinindo

Que nem bala da burrada.

 

Nas noites frias de geadas,

Atirado ao relento,

Foste cama e aposento

Pros chirus ventas rasgadas,

Que cavalgavam nas madrugadas

Farejando baile no vento.

 

Foste campeado nos pastos

Por mascates e carroceiros,

Pelos antigos tropeiros,

Que vinham atrás de um punhado

Do sal posto pro gado,

Pra temperar o carreteiro.

 

Velho cocho centenário,

Símbolo xucro do rincão,

Relíquia de estimação

De meus antepassados,

Recuerdo que trago guardado

Na bruaca do coração.

 

 

Poema extraído do livro MEU AVÔ, MEU MESTRE. Poesias gauchescas.  Brasília: Edição do autor, 2005.  53 p.

 

 

VOCABULÁRIO

 

abagualado = abrutalhado, forte, rústico.

aporreado = aplica-se ao cavalo que o domador não conseguiu amansar.

bochincho = desordem, briga, conflito.

bruaca = maleta de couro para transporte de objetos sobre animais.

carunchado = Carcomido, roído, gasto.

chirú = mestiço com índio, caboclo.

crinudo = cavalo de crinas grandes.

entrevero = mistura, confusão de pessoas, animais ou coisas.

gaudério = aquele que anda muito e não tem morada certa, vago.

guampaço = chifrada.

haragano = arisco, esperto, matreiro.

invernada = parte da estância bem cercada, com bom pasto, destinada à engorda dos animais destinados a venda.

potreiro = pequeno campo cercado, de extensão menor que a invernada.

retoço, retouço = namouro.

teatino = sem dono, sem destino.

xucro = rude, grosseiro, bravio.



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