ANTONIO CARLOS OSORIO
(1927-2016)
Antonio Carlos Elizalde Osorio nasceu em Quarai, RS, na fronteira com o Uruguai, em 1928. Fez estudos na França e formou-se em Filosofia e depois em Direito, em Porto Alegre. Vive em Brasília desde a época da construção.
“Tendo estreado maduro aos 50 anos de idade, a sua complexidade é grande. Mas, como dissemos, nos ateremos a esse traço agônico de personalidade poética de Antonio Carlos Osório. Pois é nesse traço que nos parece configurar-se mais incisivamente o perfil daquilo que Mauron chama de “mito do poeta”, seu ser e estar. Perfil este, frise-se, notável pela força do conteúdo e variedade de idéias e emoções, assim como pela multiplicidade expressiva, indo dos hai-kais aos vastos hinos, passando pelos sonetos conceitistas e concisas elegias em verso livre.” FERNANDO MENDES VIANNA
Do autor: Brasília- diálogo com o futuro (Thesaurus, 1978) ensaios; Rebanho de Ventos (Civilização Brasileira, 1979) poesia; O Desafio do Branco (Massao Ohno, 1982) poesia; Conto candango (1980, 1988); Arsenal da Vigília (Thesaurus, 1986) poesia; Topia e Utopia (Utopia, 1991) ensaios e contos; O Silêncio, e suas raízes – antologia (Utopia, 1992); Quase Hai-kais (Porto Alegre, Sistema Editorial Arte e Cultura Contemporânea, 1992) e outros mais...
POÉSIE EN FRANÇAIS
Veja também: HOMENAGEM A ANTONIO CARLOS OSÓRIO EM COLÉGIO NO DF
ELEGIA II
Só, no silêncio profundo da noite calada e fria
Faço a volta do meu mundo, todo já sem alegria.
Busco nova e velha rota transcorrida em tempo vário
Repercorrendo a derrota em vão e dúbio inventário.
Cercam-me antigos mistérios e a fé não mais bruxoleia
Dasaprendi meu saltério e a voz não mais se me alteia.
Imantado pelo eterno em caminho já marcado
Sigo no rumo do inverno, o frio já dentro guardado.
Os contornos familiares começam a esmaecer
E os meus belos ultamares nunca poderei rever.
Aquelas antigas ruas já se fecharam de vez
E a abri-las não há gazuas, que ninguém jamais as fez.
Há refúgio no futuro? A noite é muda e vazia
Só contém silêncio duro. E o aceno de outro dia?
Extraído da Antologia Pessoal. Os degraus do tempo. Brasília: Thesaurus, 2001.
VELHICE
Aos poucos a velhinha foi sendo jogada par um canto do mundo
e foi se apequenando cada vez mais
humilde
para caber nele
e não incomodar a ninguém
com o que resta da sua presença.
ENCONTRO NO TEMPO
Na noite em que me busco
são meus companheiros
os mortos e os insetos.
Os mortos, todos
os queridos, os não-queridos, e dos dês-queridos
os lembrados e os já esquecidos
(que todos são presentes se é que existem).
E todos me falam
Inaudíveis palavras brancas.
E os insetos, este humildes intrusos
na casa grande
(os que sobraram das multinacionais inseticidas).
Com eles também dialogo ou lhes envio por alguma forma
uma interrogação.
Indago de sua temporalidade valente e breve
tão mais valente porque tão mais breve.
Certo, é certo que eles não respondem
mas também esvoaçam contrastando o tempo
e a luz cruel que os chama.
Mais forte ocasional, protejo-lhes o vôo
(e o rastejar)
amparo-os e não sei
se devo protege-los ou solta-los
(difícil optar diante de tal fragilidade).
Sinto apenas que com ele o bravo inseto
com-vivi
à suicida cata da luz
um momento comum
único
para ele e para mim.
VELHO CONÚBIO
Sob os destroços, e os silêncios metálicos da noite
abraçam-se os corpos
já sem sopro
ofegantes.
Náufragos recíprocos agarram-se tais sargaços
e compulsam-se
como compêndios gastos.
Estalam as veias aquecidas apenas
pela comum memória
de gestos anteriores
já dos corpos exangues
desgarrados.
Na cumplicidade da noite
às escondidas recebem
um calor secreto e culpado
CATARSE
Não haja desabafos
que os não contenha o verso.
Guarde e tumule
convertendo-as em silêncio e em lavor
as cinzas das dores do mundo
que penetram os olhos, a boca acerba, os ouvidos
e os poros todos do poeta.
Há que sufoca-las e reacende-las
na lareira rediviva rubra
do canto
(ritmo ácido corroendo
(papel e coração).
Não haja desabafos
nem confissões nem blasfêmias.
Guarde o escrínio
apenas a árdua essência
já depurada da fragrância amarga
do ato de existir.
E brote um cristal o verso
(da lágrima apenas a forma)
com a pureza fria da água da montanha
a cair na estrada esquecida já de seus caminhos
e por isso apta à sede de todos os andantes.
SONETOS DO GRITO – I
A Edison Nequete
Se for preciso grite e é preciso
gritar ora blasfêmias, ora louvor
e alto gritar a hora enquanto é vivo
o tempo em chama matando riso e dor.
Claro gritar, gritar na treva escura
gritar na pura exaltação do amor
gritar a cólera em látego que dura
enquanto carne exsude desamor.
Que grite o homem, só o gritar perdura
perdido embora, grite enquanto é rubro
o sangue a circular a pele impura.
O homem é um grito solto em largo espaço
e se ninguém ouvi-lo pouco importa
ele sempre dirá: sou um grito e assim me faço.
SÚMULA
(1953-1977)
Je viens au pur silence offrir mês
vaines larmes (P. Valéry)
Na noite em que meu pai morreu eu havia ido ao cinema.
Poucos dias antes o havia visto – e ele a mim? –
Já não podia falar.
Não havia mágoa na sua voz hemiplégica
quase ininteligível
Só nela entendi uma palavra
e era uma só: “herdeiro”
O herdeiro que chegava de longe
de má vontade
e passagem paga.
A palavra soou dolorosamente
e até hoje está comigo.
Mas eu não sei se ele a disse com mágoa ou com alegria.
TARUMÃ
Não me sangrem
por favor
as sangas
da minha infância.
Deixem que sigam
seu rumo
vadio e vário
de rio avulso.
Que ora esparrama
por sobre as pedras
espuma branca
e ora em derramas
de sede ardente
ao sol se entrega.
Vai sanga avulsa
vai rio menino
ao teu destino.
VISITAS
Para Mário Quintana
Pensamentos de morte vêm e vão.
Outrora chegavam à noite e ficavam pouco tempo
como visitas bem educadas.
Agora entram a qualquer hora, saem quando querem
e mal educadamente ocupam a casa inteira
(como se fosse a própria casa deles).
Estou pensando em propor um pacto a esses convivas
inoportunos:
falarmos de tudo, menos de coisas tristes.
ELEGÍA (no triste)
para Federico García Lorca
Todavia sopla el viento
caliente de Andalucía
sobre la tumba tuya
y aún todavía el sol
deja su arena de sangre
y viene a besar tu espalda
(que hasta ahora sangra).
Oh! Poeta olivida el dolor
de aquella antigua mañana
cuando llevaron al rio
(y al sucio monte de olivos)
la guitarra y su cantor.
!Oh! catedrales temblad!
!caracoles celebreis!
que hay todavia viento y sol
sobre la tumba del poeta.
!Virgen mora de Granada!
!Señor del mayor dolor!
!A él le compreenderéis!
Extraídos do livro O Silêncio, e suas Raízes, Brasília: Utopia, 1992. 288 p.
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POÉSIE EM FRANÇAIS
REVISTA DA ACADEMIA BRASILIENSE DE LETRAS. Direção: Antonio Carlos Osorio. Brasília. No. 10 – Março 1991. Ex. bibl.Antonio Miranda
POEMAS FRANCESES DE
ANTONIO CARLOS OSÓRIO
dos livro Arsenal da Vigília e
O Desafio do Branco
MOTS CROISÉS
(À Charles Baudelaire
Mon maitre, mon semblable, mon frère)
Il y a la solitude
qui
tue
il y a la douleur
qui
écoeure
Il y a l'angoisse
qui
noie
Et ou est — elle
la joie
res
plen
dis
santé?
CRI/NUIT
Un cri
dans la nuit
au loin j'écoute un cri
et c'est un cri
dans la nuit.
Le cri es t aigu
et voile un sourd désespoir
déjà né anonyme
et ignoré.
est-ce un bruit?
Est-ce le bruit
d'un fin poignard
ou est-ce l'écho
de la voix
que j'étouffe
dedans moi?
GRAND GUIGNOL
La
res/
publique
s'amuse
mais où est-elle ma muse
qui ne s'amuse
pas?
A
ré/
pUblica forma a quadrilha
e dança
sobre coágulos de champagne
e nódulos
de sangue.
São curtos os passos que levam
aonde a república
se diverte.
E verte-se-me o verso
vermelho.
(inútil e compassivo
companheiro).
CAISSA
La vie: un jeu d'échecs
le cadre este long vécu
les pièces s'entremêlent
les jeux sont faits, Messieurs!
La Reine est là debout
Le Roi ici
dessous
Les Fous sont forts
Les Pions deviennent Tours.
Les Échecs de la vie
n'admettent pas
partie nulle.
ÉTUDE POUR UN VOYAGE
A Magdalena Tagliaferro
1er. mouvement
Presto
Magda, oh! Magda
est-ce que tu viens?
déjà t'en vas?
Reste un peu plus
allons ensemble
a Baghdad
où le vizir
(et lui aussi)
est ton ami.
2ème mouvement
Addagio
Tes doigts ont silloné le ciel
de ses puissants éclairs
el l'image rouge de tes cheveux
a briilé les yeux du poète.
Du marbre de tes mains
jaillit le miracle des grands voyages
aux pays du rêve.
Aux pays qui te ressemblent
où tout n´est qu´ordre et beauté
luxe, calme et volupié.
Brasília, 19 de agosto de 1985
LE POÈTE ET SA BLANCHE DAME
On s'aime
et
c'est tout
l'amour toujours
se tait
le toit nous tombe
dessus
nous deux encore
debout.
Toud d'un coup
le temps
s'
é
c
r
o
u
l
e.
CAPITAL POEMS. Brazilian poets in Portuguese English and Spanish. Brasília: Thesaurus, 1989. 38 p.
Ex. doado pelo livreiro Brito (DF).
MULHER SUBSTANTIVO
Palácio-muro. Torre, fortaleza
Lágrima fonte desafio. Ternura
Cântaro. Graça, ânfora. Beleza
Cárcere. Abrigo, paz. Clausura.
Mosteiro, solidão. Guerra-bravura.
Arrimo (proteção). Lança. Certeza
Carinho dor amor. Extremadura
Espada. Escudo. Pétala (aspereza)
Fada (Bruxa). Prece, campanário
Silêncio. Luz. Negrume. Lampadário
Páramo. Montanha. Sortilégio.
Velas, círios, faróis. Turibulários
União. Lamúrias. Pazes. Sacrilégios
Tecido/corte. Cicatriz.
Sudário.
(De “Arsenal de Vigília”, 1988).
ELEGIA XXXII
OU MOMENTUM
O silêncio
cinzento
da campa
abafa
e enfeixa
no mesmo
momento
o júbilo
o pranto
a prece
a blasfêmia.
Soçobra
no tempo
a queixa
selvagem
do canto
e do vento
(“De Revista da Academia Brasiliense de Letras” no. VI)
ELEGIA (NO TRISTE) PARA
FEDERICO GARCÍA LORCA
Todavía sopla el viento
caliente de Andalucía
sobre la tumba tuya
Y aún todavía el sol
deja su arena de sangre
Y viene a besar la espalda
(que hasta ahora sangra).
¡Oh! poeta olvida el dolor
de aquella antigua mañana
cuando llevaron al río
(y al sucio monte de olivos)
la guitarra y su cantor.
¡Oh! catedrales temblad!
¡caracoles celebréis!
que hay todavía viento y sol
sobre la tumba del poeta.
¡Virgen mora de Granada!
¡Señor del mayor dolor!
¡A él le comprenderéis!
LA NIÑA Y EL BLANCO
Para Diva Maria
Qué te dijo la gitana
En Bariloche mi hija
Te dijo que el viento es blanco?
Te dijo: la dicha es buena?
El puñal de hielo hiere
Al cielo con sus azules
Y la roca se yergue enhiesta
Cara a cara con el sol.
El sol nos marca los días
Cuando duerme y cuando nace
Y un mar de nubes abajo
Nos invita a los abismos.
Navega sobre tu llanto
Que es blanco también mi hija
Tal es la nieve a tus pies
Y el fulgor de eses tus ojos.
(Bariloche, Buenos Aires, 27-30/07/86
ELEGY XXXII
OR MOMENTUM
The silence
ash-grey
of the tombstone
embraces
and smothers
at the same moment
all joy
and all grief
at prayer
and all blasphemy.
It sinks
in Time
the wild
complaint
of song
and wind.
(A translation by the author, in memory and honour of
his late friend Donald Landers.)
A SEA ELEGY
Waves of sorrow
make old heart tremble.
But memories of hope
upsurge
from wreckings.
ANTONIO CARLOS OSORIO – born in Rio Grande do Sul, resides in Brasília since 1957. Lawyer and poet.
At present is the President of the Academia Brasiliense de Letras.
REVISTA DE POESIA E CRÍTICA No. 17 – Brasília – São Paulo – Rio -
Setembro 1993 Conselho Diretor: Afranio Zuccolotto, Cyro Pimentel, Waldemar Lopes. 112 p.
Ex. doação do livreiro Brito – DF
LES VIEUX AMANTS
Dans le vieux parc solitaire e glacé
VERLAINE
Vai sobrando a ternura
esquecidos já quase
os soluços frementes
de madrugadas insones
e a dor das ausências
queimantes da carne.
Vai ficando a ternura
e é que resta
nas frestas
estreitas
do tempo
dos ímpetos
selvagens
dos músculos.
Tímida carícia
ainda se arrisca
recíproca
e os braços se apertam
já trôpegos
l e n t o s.
O leito vazio
e os frios lençóis
os álbuns de fotos
tão pouco folheados
nas paredes brancas
caiadas de ausências.
Só sobra a ternura
ao cálido amante
de outrora.
Soçobra a ternura
já tão fatigada
na moça dos sonhos.
BUSCA — III
Noites e noites procuro
em secretos astrolábios
e geografias avaras
a palavra.
A palavra que me abra
os seus ocultos arcanos
e me faça irmão de todos
dos cegos surdos e mudos
daqueles que não nasceram
daqueles que já passaram
de uma a outra palavra.
Noites e noites transmudo
em meus frágeis alambiques
as antigas alquimias
dos bravos metais da terra.
E em mundos, mundos procuro
e em não-mundos também
essa palavras obscura
de repente feita clara.
Mas a noite não revela
(e nem o dia o fará)
onde está a palavra avara.
Calo-me e fecha o silêncio
o ciclo desta aventura.
*
Página ampliada e republicada em março de 2023.
*
VEJA e LEIA outros poetas do DISTRITO FEDERAL em nosso Portal:
http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/distrito_federal/distrito_federal.html
Página ampliada e republicada em dezembro de 2021
Página ampliada e republicada em junho de 2019
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