quebra do  decoro rudimentar 
            “saio de meu  poema
              como quem lava as mãos”
            cabral falou tirando a cera do meu ouvido 
            “tenho apenas duas  mãos”
            sussurrou sob seu túmulo drummond 
            quisera gritar tudo isso
              com palavras feitas de miçangas
              num outdoor do setor comercial sul 
            mas estaria contente
              apenas com fato matemático
              (porém cheiro de plumas e flores)
              de conseguir pagar todas as dívidas que contraí 
                
             luta de classe mídia (ou  “sem livros e sem fuzil”) 
            minha alma
              é DIET
              - um pote de yogurt –
              100% FAT FREE 
            minha alma 
              é SALE
              - uma justa mini-saia blue-jeans –
              50% OFF 
            minh´alma calma combate
              praticando ações edificantes 
            - com minha revolta de meia-volta – 
            minh´alma avança contra os trovões
              no escaldante verão
              de um dia gelado de shoppingcenters 
               
            internet    
            arredia-te
              antes que um dia
              de noite
              (acredite!)
              a rede te enrede
              e te enrabe 
              
                
              merchantagem 
             -o que é poesia?
              uma moça iluminada pelo vermelho do semáforo
              com uma puta cara de santa
              que me olha todo dia atrás do vidro com jeito de
              me ama ou me deixa
              leva dois e paga um
              me ajuda parcelando sem juros no cartão de crédito ou
              no cheque 
            de vez em quando deixo ela entrar
              e ouço pela fresta quente do meio dia que abro:
              min dá dois real aí que é preu comprá a lua e as estrela 
             
             auto-atestado  
            tenho a mesma idade de David Beckham 
            em criança aprendi a respeitar os mais velhos e a ter
              vergonha deles
              tomei alguns antibióticos, analgésicos, usei supositórios,
              fantasiei aventuras
              senti dores no corpo, tive uma infecção intestinal e
              ganhei concursos literários na escola
              fraturei o perônio, não acredito em duendes e nada
              disso mudou o fato de que 
            tenho a mesma idade de David Beckham 
            nunca repeti o ano, mesmo sendo um aluno mediano
              que lia pornografia e filosofia
              tenho calças jeans da moda compradas em liquidações
              de lojas de departamento
              atendo ao telefone com cordialidade fingida quase
              sempre, pois odeio telefone
              dirijo com destreza impressionante e tenho horror à
              canalha, o que me faz lembrar que 
            tenho a mesma idade de David Beckham 
            perdi a virgindade, fiz discursos, chorei algumas vezes
              e falo da doméstica como se ela integrasse uma raça
              paralela
              chorar é cada vez mais difícil, agora que tenho mais
              escravos e acesso rápido à www
              compadeci-me dos desesperados, dos pobres, das
              prostitutas e de meus CD´s e livros
              nunca transei com uma puta ou cheirei cocaína mas,
              mesmo inconscientemente, sei que 
            tenho a mesma idade de David Beckham 
            assisto ao futebol, à novela, ao jornal, ouço Chico e
              Caetano e sou latino-americano
              adoro praia e luxo, odeio gerúndios e loiras oxigenadas,
              jazz e axé music
              me acho normalmente mais inteligente que os outros
              mesmo sabendo que sou uma besta como qualquer um
              sinto-me mais limpo que o porteiro e o tumulto febril
              da cidade e do cyberespaço parecem sempre me
              anunciar que 
            tenho a mesma idade de David Beckham 
            creio-me brasileiro, possua uma dívida com a receita
              federal e meus ideais sempre estiveram à esquerda
              não jogo lixo pela janela do carro nem de casa, uso
              cinto de segurança e aliança
              já acreditei em Deus e no PT, hoje comporto-me bem à
              mesa e isso é tudo que me basta
              tenho fé no cinema nacional e assino revistas semanais
              que me lembram de que 
            tenho a mesma idade de David Beckham 
            já dei jóias de presente e não sou afeito  a escândalos,
              mesmo sendo desabusado e cínico
              sou ateu e li literatura: Drummond, Cabral, Dostoievski,
              Gullar,  Machado, Kafka, Rulfo, Brecht, Beckett, Neruda
                nada disso basta para quem mora na asa sul, no  plano
                  piloto, perto do eixo sul
                  pois sempre sinto a iminência de um terremoto capaz
                  de me revelar outra vez que 
            tenho a mesma idade de David Beckham 
            ando temeroso pela rodoviária às duas horas da tarde
              de uma véspera de feriado
              nunca vou às cidades satélites e condeno o trabalho
              voluntário e o jejum
              meu carro é um balão de ar condicionado singrando
              ruas da capital federal às 7:00 am
              prefiro a macumba à igreja evangélica para tentar
              esquecer que 
            tenho a mesma idade de David Beckham 
            saberia usar como ninguém uma metralhadora se
              morasse no Oriente Médio
              não jogo videogame e condeno filmes violentos, mas
              isso não me impede de às vezes tomar água com gás
              já tive o nome negativado durante cinco anos, mas a
              dívida expirou e hoje posso enganar qualquer um
              grudo as melecas que retiro do nariz embaixo de minha
              mesa de trabalho, onde há um aviso dizendo: 
            tenho a mesma idade de David Beckham 
            sou professor e utilizo numa boa o sistema urbano de
              transportes coletivos
              uma bala pode a qualquer segundo estourar em meu
              peito ou em minha têmpora
              e nunca terei sido entrevistado, não terei causado
              loucura em ninguém, nem sequer matado alguém que
              merecesse morrer
              também não terei salvo nenhuma vida ainda que
              queime 80% do corpo
              mas sempre saberei que 
            tenho a mesma idade de David Beckham  
                
             cozinha  completa 
            - tá tudo desarrumado aqui  viu, coisinha...
              - meu nome não é coisinha  não. é clarinete.   
              - ôôôô, desculpa, é só  jeito de falar só...   
              {ah, se você coubesse no  microondas!!! 
          
            
              PILATI, Alexandre.  Autofonia. Guaratinguetáa, SP:  Editora Penalux, ?2017.  86 p.    14x21 cm.  N.  978-85-5833-268-2.    Ex. bibl. Antonio  Miranda.
               
               
               LÂMINA-SÓ
               
               — Um poema?
                 — Feito a fé de Kafka...
                 — A fé de Kafka?
                 — Sim, “uma guilhotina, tão pesada, tão  leve.”
                 — ...
                 — E pronto para fazer desabar num átimo  os mais sólidos
                                                                                  pontos  de vista.
               
                 GOLPE DE DADOS 
               
               A noite é leve
                 a noite é púbere
                 a noite (e se tempo)
                 breve de ar
                 flutua
                             até
                 que o destino (ou o diabo)
                 lança de longe peras, caroços de  pêssego,
                 nódulos de dor e perigo e pedras no seu  peito
                 macio de noite, de feminil areia, de  princesa negra;
                 glóbulos de peso de planeta, de massa de  relâmpago.
                       Rasga-nos,  então, suja e incendiária
                         pelas  costas (mas necessária, material),
                         outra  face da vida, em lâmina velha,
                         cega  e branca,
                         enquanto  buscávamos,
                         na  lua, nas estrelas, na luz, no breu,,
                         cheirar  os cabelos da felicidade.
               
               
               EFEITO 
               
               homem comum
                 composto de rastros, surtos, traças e  paina
                 espelhado no asfalto, quadro de  cotidiana
                 agonia e faina, o só destino da matéria  civil:
                 não sabe dançar, não sabe carpir, nem  ser Charles Chaplin
                 — é pedestre e balança sonhos, graças e  taras
                 vida em crepúsculo e desejo coletivo.
               ao trocar olhares com o vira-lata esquivo
                 que se deita nobre sobre as pedras sujas  de uma esquina pânica,
                 enxerga-se dentro de si, enerva a força  de fome
                 intensa em dentes que, sem sorriso na  agenda,
                 podem fazer ferir, sangrar, sorrir,  cantar de dor
                 como quando de uma febre gotas de vida  caem
                 e fecundam a modorra gasta com ritmos de  novo
                 sol e calor, piedade, medo, vontade.
               efeito:
                 a insistência contra ignomínia
                 a intermitência
                 casual da morte.
               
               
               DESEJO DE SETEMBRO
               
               que assim fosse
                 outra vez
                 meu coração
               a mera ameaça
                 de chuva
                              basta
                 para a grama secretar
                 sua verde obsessão
               
               
              
               
              TEXTOS  in ITALIANO
               
              
              INCONTRI CON LA POESIA  DEL MONDO. ENCONTROS COM A POESIA DO MUNDO. Antologia poética bilíngue. Italiano –  Português.  Antologia poética bilíngue. A cura di Vera Lúcia de Oliveira;  Paula de Paiva Limão.  Perugia, Italia: Edizioni dell´Urogallo  / CILBRA – Centro di Studi Comparati Italo-Luso-Brasiliani, 2016.  242 p. Em colaboração com o Programa de  Pós-Graduação em Literatura, Universidade de Brasília.   ISBN  978-88-97365-41-9
               
              ALEXANDRE  PILATI  é nato a Brasilia, Brasile, 1976.  É poeta, crítica letterario e insegnant da letteratura presso l´Universidade de  Brasilia. Há publicato i libri di poesia sqs 120m2 com dce (2004), prafóra l(2007) e e outros nem tanto assim (2015).
              Le poesie di Alexandre Pilati sono  state tradotte in italiano da 
                Claudia Valéria Lopes.
                       
         Meu  coração
                      é  uma espelunca
          embrulha-se
          e  engulha-se
                      engula-se!
                      como uma foto
          de  satélite
          impreciso  e impressionante
          meu  coração
                      só símbolo
          só  sim
          só
                      meu coração
          bijuteria.
               
                                              Il mio cuore
                                         é  una spelonca
                             s´accartoccia
                             e  si stucca
                                         s´ingozzi!
                                         come una foto
                             satellitare
                             impreciso  e impressionante
                             il  mio cuore
                                         solo símbolo
                             solo  si
                             solo
              il mio cuore:
                bigiotteria.
               
                     Luminária
                     esta  lua de inverno
           cárie  na boca do sertão
           na  escuridão torta e estatelada
           é  o nosso pobre sol de Maiakóvski
                                 rodela  de prata
                     vintém  terrorista
                     detergente
                     proletária
                       solta  lá no céu é só uma gravura na sala de estar periférica
           um  desagravo — desagregado satélite
                                 ofuscada  e fraca parece que pisca
                     mas  luminará para toda a eternidade!
                       que  ela brilhe mais que a fome, que a seca e que a morte
           !que  ela seja o lema que me leva!
                       vá  prafóra proesgoto
           o  oco negro que me chama
           do  shamisem de chamas de Times Square!
               
                                 Luminaria 
                           questa luna d´inverno
                     carie  nella boca del sertão
                     nell´oscuritá  storta e próstata
                     é  il nostro poveiro sole di Maiakovski
                                           rondella  d´argento 
                              centesimo  terrorista
                              detergente
                              proletária
                                 sciolta  lassú cielo e solo um´immagine nel salloto perifrrico
                     uno  sgravo — disgregato satellite
                                          offuscata  e fiacca sembrfa lampeggi
                              ma  illuminerà per tutta l´eternità!
                                 che  essa brilli più dela fame, dela siccità e dela morte!
                     !che  essa sia il motto che mi porta!
                                 viaddaqui,  allofogna
                     il  vuoto nero che mi chiama
                     dallo  shamisen di fiamme di Times Square!
               
                       A Pasolini
                                        “con  te nel cuore,
           in  luce, contro te nelle buie viscere”
                                          P. P. Pasolini
                       dou-te meu colo,
           fênix  friulana, nunca de Bologna
                       quero  tua boca e tua língua
           numa  Roma dividida em duas
           metades  da morte
           (a  medíocre alegria de haveres burgueses)
           (o  subproletariado felando a mercadoria)
                       ao  pé de Gramsci, um arrepio de Wordsworth
           e,  é claro, as fontes! é claro, as cartas, o cárcere!#
                       com  tuas cinzas unto-me para o mundo
           sinistro  e sem par, sem pai — cazzo!
                       teu  corpo rebrilha numa praia daqui ou de marte
           massacrado  para sempre
           teu  corpo rebrilha em pele vermelha dentro de mim
           testemunha  para sempre
                       a  paixão fica por mil, mais velha — secreta — e de novo virgem
                       sinto muito,
           não  existe mais carne que possa como a tua
           (povero straccio di coscienza)
           fazer  o mundo tingir-se outra vez de infâmia e de aurora
               
                                 A Pasolini
                                        “con te nel cuore,
            in  luce, contro te nelle buie viscere”
                                          P. P. Pasolini
                                 ti do il mio collo,
                     fenice  friulana, mai di Bologna
                                 voglio la tua boca e la tua  língua
                     in  una Roma divisa in due
                     metà  dela morte
                     (la  mediocre alegria degli averi borghesi)
                     (il  sottoproletariato che succhia la merce)
                     
                     ai  piedi di Gramschi, brividi di Wordsworth
                     e,  è ovvio, le fonti! è ovvio, le lettere, il cárcere!
                                 con  le tue ceneri mi u ngo per il mondo
                     sinistro,  senza compagno, senza padre — cazzo!
                                 il  tuo corpo risplende su uma spiaggia di qui o di marte
                    massacrato  per sempre
                     il  tuo corpo risplende in pelle rossa dentro di me
                     testimone  per sempre
                                 la  passione a mille, più matura — segreta — e di nuovo vergine
                                 mi  desplace,
                     non  existe più carne che possa come la tua
                     (povero straccio di concienza)
                     fare  il mondo tingersi un´altra volta d´infamia e di aurora
                    
                     Ocaso 
                     talvez ali
           no  infinito ângulo
           onde  a lenta tarde esparge
           seus  intensos dedos de mênstruo
           sobre  a crise e o sistema que se expandem;
                       talvez,  só talvez,
           nos  esparsos becos o lusco-fusco
           ilumina  em breves suspensos minutos,
           onde  presto se esconderão nódoas e escarros
           desprezos  vesperais  algo dirão com ima língua dos  esquecidos.
                        (fetiches negaceiam,
           encena-se  o sempre monstro
           —  será de volta frustra
           promessa  a noite?)
                       é  então que amalgamam-se no pré-tom da noite
           sujeito,  objeto, escravo, senhor; sujeita-se
           o  eu a esfacelar-se em difuso corpo e letreiros.
                       é  então que se escreve um poema que busca
           a  mimese dos vazios, o canto eloquente
           do  silêncio louco que estrui teu nome
                       —  o nome do outro —
                       em  cada vácuo da terra anciã e cansada
           mas  cujo ventre esbulhado ainda é capaz
           de  atra violência: de ânsias e tempestade.
               
                                 Occaso 
                            forse li
                     nell´infimo  angolo
                     dove  il lento pomeriggio sparge
                     le  sue intense dita di mestruo
                     sulla  crisi e il sistema che si spandono;
                                 forse,  soltanto forse,
                    negli sparsi vicoli che il crepuscolo
                     ilumina  in brevi minuti sospesi,
                     dove  presto si nasconderanno macchie e sputi
                     desprezzi  vesperal qualcosa diranno con la língua ima 
                                                                              dei  dimenticati.
                                 (feticci  adescano,
                     si  sceneggia il sempre mostro
                     —  sarà un altra volta frusta
                     promessa  la notte?)
                                 è  allora che si amalgamano nei pre-toni dela notte
                     soggetto,  oggetto, schiavo, signore; si assoggetta
                     l´io  a scheggsiarsi in diffusi corpi e insigne.
                                 è  allora che si scrive un poema che cerca
                     la  mimesi dei vuoti, il canto eloquente
                     del  silenzio pazzo che distrugge il tuo nome
                                 —  il nome dell´altro —
                                 in  ogni vácuo dela terra anziana e stanca
                     il  cui ventre spogliato ancora è capace
                     di  atra violenza: di ansie e tempesta.
               
                       Garça     
                     forma-linha 
                  isenta  do caos
           eis  a graça entre desgraças
                       branca entre o verde
           das  garrafas de guaraná
                       no raso do Lago
                       Paranoá
                       estranhada  dos eco-problemas
           como  um poema pós-utópico
           ela  finca sua magra e bela pobreza
                     sua  magra e bela bandeira
                     de  puro mastro
                       infensa  ao futuro e ao presente, mas não ao passado
           sua  frágil altivez é...
                       ...é  o que deu pra arranjar
           para  corrigir um pouco o curso
                                                 e  o ranger
                       da  destruição
           que  chamamos civilização
               
                                 Airone 
                            forma-linea
                                   esente dal caos
                     ecco  l´airone tra le disgrazie
                                   bianco tra il verde    
                delle bottiglie di guranà
                                   nal raso del Lago
                                   Paranoá
                                 estraneo  dagli eco-problemi
                     come  un poema post-utopico
                     lui  infila la sua magra e bela povertà
                                   la sua nagra e bela bandeira
                                   di puro palo
                                 avverso  al futuro e al passato, ma non al presente
                     la  sua fragile alterigia è...
                                 ...  è ciò che si è potuto arrangiare
                     per  correggere un po`il corso
                                                        e lo stridere
                              dela  distruzione
                              che  chiamiamo civilizzazione