AGLAIA SOUZA
Nasceu no Rio de Janeiro, onde se formou em Música. Professora de Piano na Escola de Música de Brasília, também trabalha com revisão de textos.
Conquistou alguns prêmios literários, sendo o último no I Concurso de Contos Luiz Beltrão, patrocinado pela Associação Nacional de Escritores, com o livro O Anjo da Morte, editado pelo Fundo da Arte e da Cultura, da Secretaria de Cultura do DF, em 2003.
Participou de inúmeras coletâneas, sendo as mais recentes Antologia de Haicais Brasileiros (org. de Napoleão Valadares), Antologia do Conto Brasiliense (org. de Ronaldo Cagiano) e Poesia de Brasília (org. de Joanyr de Oliveira), todas de 2003; Todas as gerações - o conto brasiliense contemporâneo (org. de Ronaldo Cagiano), 2006; Geografia poética do DF (org. de Ronaldo Mousinho).Organizou a antologia Cronistas de Brasília – Vol. I e II, em 1995 e 1996, respectivamente.
Bibliografia: Gota de Barro, poesia, 1982; Artesã, poesia, 1989; Vida Fêmea,contos, 1991; Murmúrio, poesia, 1993; Rondó ao Mar, prosoema, 1996; Canção Tagoriana, poesia, 2000; O Anjo da Morte, conto, FAC/Brasília, 2003; Moto-contínuo (Crônicas), 2007. Tem, em preparo, Cantaria (Poesia) e histórias infantis (diversos títulos).
REVISTA DA ACADEMIA DE LETRAS DO BRASIL – NO. 1 – Brasília, DF: novembro de 1997. 248 p.
Ex. bibl. Antonio Miranda
ANTÍFONA
Vaso vazio
vasado no fim.
A mão dormente
cai, rente ao fio.
As Parcas fiam
as vidas vãs,
e vão tecendo
começo e fim.
As Graças riem,
dança alegres,
encantam vidas
e cantam versos
As Musas sopram
em cada ouvido
(inspiram, dizem,
todo o universo).
As Deusas rezam
pelos caminhos,
pelos seus filhos,
cada poesia.
MOLDÁVIA
Azul sobre azul
— um bem claro
outro escuro.
Céu e rio
— ambos brilham —
um suave
outro noturno.
A poeta, contista e atriz AGLAIA SOUZA no espetáculo de canto e poesia ibero-americano da cantora Elga Pérez-Laborde, lendo poemas. Abertura da I BIENAL INTERNACIONAL DE POESIA DE BRASILIA, dia 3 a 7 de setembro de 2008 no Museu Nacional.
De
Aglaia Souza
Cantaria
Brasília: Verano Editora, 2010. 96 p.
Cantabile
"O chão canta
um canto de dor
se passa, rataeiro,
passageiro cantor.
A voz leve
enleva e some:
só fica nos ares
um aroma e um nome."
O espelho
O espanto do idoso frente ao espelho
justifica o tempo que parou —
dentro do peito e da mente insone.
Onde fica o tempo que passou?
HAI KAIS
Lusco-fusco, lume:
com a lua você vem
(o sol furta-cor).
*
Desejo de frutas,
imensurável desejo:
anseio de fronde.
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GOTA DE BARRO
Criação. Criar do nada —
do quase nada —, do barro.
Esbarro nas palavras,
criando barreiras,
barrancas, barragens,
diques, comportas estanques,
tanques, água, limo, barro.
Esbarro outra vez na terra.
Molhada. Pingada. Suada.
Um pingo que cai. Uma gota de barro.
Criada. Sem forma. Só som.
Da queda. No barro.
CANTARIA
Estou indo bem mais velha:
Maranhão me envelheceu.
Suas ruas, suas casas,
onde o passado ainda mora,
criaram raízes, lianas,
azulejaram as paredes,
ruíram caibros e tetos,
musgos nasceram nos becos.
Estou levando comigo
Maranhão feito em pedaços.
Suas pedras, suas portas,
seus licores, suas frutas,
camarões, peixes enormes,
a fala mansa, sem pressa,
os livros (tantos poetas!),
seus rios cheirando a mar.
Estou indo assim saudosa
do tempo do Maranhão.
MARCHÉ AUX PUCES
Eu troco várias luas
pelo sol
pelo brilho
pelo azul.
Permuto muitas noites
pelo verde
pela tarde
pelo dia.
Cambio toda a terra
pelo ar
pelo vento
pelo mar.
Escambo esta chuva
pelo canto
pela dança
pela praia.
CANTABILE
O chão canta
um canto de dor
se passa, rasteiro,
passageiro cantor.
A voz leve
enleva e some:
só fica nos ares
um aroma e um nome.
IMPROVISO
A doçura da fruta,
o amargo retrai.
O veludo do musgo,
a rusga desfaz.
O macio da flor,
o espinho contrai.
A cantiga do rio,
a onda refaz.
SONATA
Tua palavra a doer –
mais Chopin, em fúnebre marcha,
e o poema da Prilutzky.
No fundo, a música;
sobre a mesa, “A Névoa”
e, no peito, a dor.
O piano, pesado e lento,
a página aberta do livro
– e a carta no meu bolso.
Extraído de:
2011 CALENDÁRIO poetas antologia
Jaboatão dos Guararapes, PE: Editora Guararapes EGM, 2010.
Editor: Edson Guedes de Morais
/ Caixa de cartão duro com 12 conjuntos de poemas, um para cada mês do ano. Os poetas incluídos pelo mês de seu aniversário. Inclui efígie e um poema de cada poeta, escolhidos entre os clássicos e os contemporâneos do Brasil, e alguns de Portugal. Produção artesanal.
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POEMAS E CANÇÕES HEROICAS MARCIAIS (guerreiras). [edição sem nome do organizador, sem local e nome da editora, nem ano de publicação. Apresentação de Márcio R. 14 x 21 cm. ilus.
Ex. bibl. Antonio Miranda
/Poema feito especialmente para este livro.:/
O Herói
A espada na bainha,
o machado na mão,
o guerreiro marcha
envolto na armadura.
Cansaço não o detém.
Visor do elmo abaixado,
reta visão do horizonte infinito.
Cautela e coragem irmanadas num gesto
a clava ele ergue,
desfere um golpe
na falsa imagem
de si próprio erguida,
que desaba,
inerte,
mostrando o barro do qual era feita.
O guerreiro então se despe, se desnuda,
se olha no lago e vê sua face, agora real.
Ele é um deus!
REVISTA DA ACADEMIA DE LETRAS DO BRASIL. No. 8 – jan./jun. 2022. Editor: Flavio R. Kothe. Brasília, DF: Editora Cajuína, 2023. 160 p. ISSN 2674-8495
TEXTOS EM PORTUGUÊS E ESPAÑOL
Ancestralidade
Antepassados são cominho,
sem eles não estaria aqui.
Se hoje sou alguém
a penar, chorar ou rir,
quem manda são os genes
de ancestrais nunca vistos.
Tristeza, alegria ou dor
forma injetados nas veias
a correr pelos meus corpos.
Sou filha, neta, bisneta
de todos os construtores
deste templo que habito.
E construo passo a passo
o caminho de meus netos.
Manos y peces
Tus palabras en mis manos
! pero el hombre está tan lejos!
Te extraño, extranjero.
¿o soy yo la extranjera?
Me recuerdas en la noche
¿o estoy como olvidada?
Desde el frío de los ríos
caen peces en mis manos
y me traen frialdad
de la ausencia de tus manos.
S. O. S.
Tu mensaje me llegó
desde el mar de la distancia
a la isla donde estoy.
Tu botella trae un poema —
yo lo leo y te sueño
desde el día en que leí.
Hoy yo pongo mi mensaje
en el aire virtual —
¿llegará? ¿y lo lerás?
Mi botella hoy navega
en el mar de tu silencio.
¿Navegantes o náufragos?
Abandonada en la vida
y tan lejos de mi tierra
mi grito no alcanza
al navegante que pasa.
Naufragada en tu mar
no encuentro un camino.
Soy sirena sin brújula —
te procuro en la marea.
Pero ese navegante —
¿es el mismo que conozco? —
también está naufragado
en la playa que yo no veo.
Tan lejos de mis ojos
procuro desde la playa
pero te oculta el viento
la arena y este mar…
A pontualidade dos pássaros
Deu cinco horas.
Não há toque de sino
nem despertador alarmando.
As aves voam e cantam
na despedida do sol.
Ou seria a recepção da noite?
Sei que são cinco horas
pelos pássaros cantantes.
Sonoro aviso da tarde que vai
e do crepúsculo que chega.
Pontuais, sempre
gotejam ao dia dormente.
Sei que voltarão amanhã,
às cinco, pontualmente.
A cantoria dos pássaros
compensa tudo,
recompensa toda dor.
Breu
De que servem os olhos
se não há luz?
E os ouvidos, neste
pesado silêncio?
Felizmente a memória
vê e ouve.
Sim, há imagens e sons
dentro da cabeça.
Só resta o tato
para achar o caminho,
até que o sol acorde
formas e cores.
Página ampliada em setembro de 2020
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