RAIMUNDO FREITAS PINTO
Nasceu em Maranguape, no estado do Ceará, no dia 26 de novembro de 1887. A família mudou-se para Manaus, no Amazonas. Formou-se em Odontologia em Salvador, Bahia, e participa da fundação da Universidade de Manaus. Faleceu na capital amazonense no dia 6 de junho de 1966.
COSMORAMA
Águas verdes revoltas,
espumas de cólera.
Ventos selvagens, fortes,
em porfia louca!
Dardos rubros, certeiros,
sangrando nuvens!
Muralhas negras, disformes,
sol encoberto!
Árvores grandes, arrepiadas,
pássaros assustados.
Espaço escuro, riscos brancos.
campos, vales molhados.
Colossal leque de cristal
o horizonte enfeita!
Cachoeira de luz cor de oiro,
prados e campinas inunda!
Libélulas, borboletas e flores,
radiantes, saúdam o novo dia!
Ventos fogosos acariciam, apalpam
das árvores as cabeleiras formosas!
No mundo verde, os lagos — poemas mudos —
sofrem em silêncio!
A luz aumenta, o burburinho cresce,
a vida alonga-se!
O sol, indiferente a tudo,
vai marcando os meridianos!
Lá, muito ao longe, um braseiro morre.
hora de meditação...
A noite com a sua lanterna branca
aproxima-se mansamente! Imenso crepe todo cheio de lantejoulas
estofa o firmamento!
As constelações frisam a sua beleza
em desenhos geométricos! Gaze creme, diáfana, envolve
montanhas, cidades, oceanos!
Jasmins, bogaris, escondidos,
perfumam a sombra da Lua sonolenta.
Grilos pequeninos, sapos bojudos.
cantam em desafio, canções dolentes! . Mochos cinzentos, de olhos amarelos,
em silêncio, rezam contritos!
Lá, muito longe, a floresta desperta,
silhueta iluminada... alvorada!
(18-3-49)
ESPÍRITO DAS MÃOS
Cérebro iluminado, alfa das constelações do pensamento,
força, poder. Meãos aplacando tempestades.
Consciência desajustada, tímida,
ajoelhada. Mãos postas, rezando em surdina
Inércia, espírito buscando o azul,
profundo enigma. Mãos frias... lírios cruzados.
Ânfora de bondade, sofrimento, desenganos,
alma em pleno inverno. Mãos cheias de carícias.
Noite, mar tempestuoso, nau desarvorada,
corações cheios de fé. Mãos salvadoras.
Mente em desalinho, cólera, irreflexão,
aço pontiagudo. Mãos tintas de sangue.
Imaginação, véu ténue tangido pela inteligência.
vibrações misteriosas. Mãos destilando poemas
Revolta íntima, humildade disfarçada,
maldições surdas. Mãos trémulas... esmolando
Trevas, passos leves, planos tenebrosos,
ouro alheio. Mãos criminosas.
Família feliz, vida suave, trabalho,
mesa farta, alegria. Mãos semeando campos.
Ruido, fumaça, músculos de aço, calor.
movimento ritmado. Mãos dominando alavancas.
Noite alta, cálices, bebidas coloridas,
aquecimento artificial. Mãos inconscientes.
Asas metálicas, hélices rebrilhando no espaço,
velocidade crescente. Mãos responsáveis.
Cordas tesas, arpejos, encanto espiritual,
melodia, regiões do sonho. Mãos consoladoras.
Cabos amarelos, féretro fechado,
lágrimas, flores, último adeus. Mãos indiferentes.
(27-11-49)
Página publicada em janeiro de 2020
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