RAIMUNDO CANDIDO TEIXEIRA FILHO
Professor e poeta, Raimundo Candido Teixeira Filho nasceu em Crateús, estado do Ceará, tem dois livros de poesias publicados, Karatis e Raiz do poema Teorema pra nos tanger e outras esquisitices ao quadrado. Faz parte da Academia de Letras de Crateús. (www.raimundinho.hpg.com.br)
"Prestem atenção na poesia do Raimundo. É dos bons, com uma temática e uma linguagem moderna mas também telúrica, retratando e retocando imagens que o artesanatao verbal permite" Antonio Miranda
Bodega
Às vezes, no rústico balcão
de velha tábua enegrecida
o tempo parava...
Às vezes, o vento passava
e o papel de embrulho acenava
convidando o cliente
a absorver o aroma
pungente de couro curtido
que se irradiava no ar...
Só a velha balança parada
com os pratos vazios
ponderava o que havia
de sabor no denso langor
de algo invisível a indicar
que a tarde se dissipava
pesarosa a chorar...
E quando vinha freguês
antonio, maria ou joão
de caderneta na mão
fiava o açúcar, a farinha,
num embrulho feito com arte
com dedos magros da mão
de um bodegueiro artesão!
Porteira
O aboio de meus ancestrais
é o que escuto ao longe
quando o olho se depara
no langor da velha porteira...
Ouço o som puxado
do canto de meu bisavô
tangendo uma boiada,
depois outro, entoando...
é meu avô gravando no ar
o seu ecoar de saudade.
E na cancela, ruína
empenada, corroída
pela angústia de seu fim,
algo cordial ainda pulsa
como álbum de fotografia
e me dá a impressão que
os mesmos paus corredios
se abrem... se fecham...
sozinhos! logo ao ouvir
um pungente mugido ou
o grito de aboio de meu avô.
Fastio
Ultimamente,
tenho carregado demasiado peso:
ausências indefinidas,
presenças indesejadas
e saudade de um doce sal
que jamais provei!
A vontade de conter o mundo
me franze as sobrancelhas
neste nevoeiro denso
a me reter num abraço.
Necessito verter um vômito
inorgânico que se acumulou
em minhas prateleiras:
aclamações induzidas,
anulações forçadas
e as crenças ilusórias
que retraíram meu ser!
Reza
Era o olho do mal
que nos espreitava
na noite, insinuando
sombras de quebranto
no peso da lua cheia.
Era o vesgo olho da rua
que nos ameaçava,
símbolo de neve crua
arrefecendo um suspiro
no desfecho do dia.
Só o olho de se ver
contra-atacava, na ironia:
“- cancão do bico torto
do sobrecu arrebitado...”
e todo resmungo se ia!
Teorema pra nos tanger
Há um pequeno porém
ao ultrapassar travessias;
o trabalho é na espora,
todavia, o lume da carga
nem pende, nem pesa,
parece flutuar nos arreios.
Só o bornal descontente
sem empenho transporta
uma época de intenções
e travessuras pelas veredas
penosas, longas e sinuosas,
como obrigação imposta
até a armadura do gibão
treme por conta do som
estridente da ave de rapina
e do chicotear do couro cru
que lembra como é a morte
cruel no lamber das esporas.
LEMBRANÇA VIVA
A uma distante deusa.
Um dia, meu sangue
e minha alma ferviam
em tuas vulcânicas mãos,
entorpecido ao teu aroma
e ao teu volúvel poder
azedo, amargo, doce
que agora me dói
na tua longa ausência ...
E hoje, como vulto, apareces
surpreendente, diante de mim?
Um dia, toda amargura
dissipada no forno do tempo
voltou a existir, apagando
a ilusão de te esquecer
e em repentino instante
condensou-se a esperança
que agora falta em mim
por tua longa ausência...
E hoje, como vulto, apareces
soberana, diante de mim?
Um dia, ao teu lado
mil delirantes vidas; vivi,
com destemor e sem perceber
que de repente ia perder
na névoa branca e crua
a tua sublime presença,
que agora me tolhe a alma
na tua longa ausência...
E hoje, como vulto, desapareces
inumana, diante de mim!
Página publicada em junho de 2010 |