| ***    e        esse prurido, João?  esta        azia vaga, este cansaço fácil  este        remédio inútil  esta        fútil robustez?    e        esta prisão de ventre  este        pé de atleta  este        calo no pé  esta        falta de fé?  e        esta náusea, joão?  esta        dorzinha no braço  esta        falta de abraço  ?  e        este medo danado  este        desejo incontido  e        este peso  na        consciência, joão?      não        tenho medo de câncer  temo        que canses de mim;  não        temo ficar mudo  mas        que não fales em mim  temo,        que não me vejas  não        que me vazem os olhos;  ser        decapitado não temo  temo        que não me ouças;  não        temo o ventre da baleia  nem        a cama do faquir, as brumas do passado  ou        aquelas do porvir;  não        temo a febre amarela,  mas        não amar-me um dia  friamente,        com calor  ou        o marfim do teu dente, temo;  não        temo as estatísticas  os        riscos que corremos  (de        mãos dadas mais que não);  temo        que não celebremos o erro certo  o        incerto acerto que tecemos,  que        como estátuas fiquemos  que        para abraços braços não tenhamos  para        beijos bocas não mostremos  que        não pertençam os sonhos que sonhamos    fica        sempre um pouco de nós por onde andamos  dos        nossos braços naqueles que abraçamos;  fica        sempre algum sussurro daquilo que gritamos  fica        sempre algum calor no leito onde dormimos,  alguma        nódoa daquilo que vertemos;  sempre        algo de nós naquilo que largamos,  um        resto de pó dos caminhos que trilhamos,  algum        senso na loucura que adotamos,  um        ganho qualquer naquilo que perdemos;  fica        sempre um bem-querer naqueles que sofremos,  e        sempre algo por dizer  daquilo        que dissemos     Extraídos        do livro Ilha da Canção. Pref. De          José Alc ides Pinto. Fortaleza: Edições Universidade Federal do Ceará/          Academia Cearense de Letras, 1983. 64 p.             LEÃO, Pedro Henrique Saraiva.  Meus eus.  Fortaleza: UFC; Casa de José de Alencar,  1994.  143 p.  14,5x22 cm. Col. A.M>  (EA)     para jairo Martins bastose rui e carole b. salgueiro
   na intimidade do tempo que nos restaenquanto o sonho nos souber a realidade,
 e durante esta eternacurta festa
 gozamos nosso quinhão de eternidade
 
 deixemos que o sol em um só corpo
 nos dissolva, antes que nos cubra a neve
 ou mesmo eu perca, por morto,
 meu calor, minha fé, minha verve
 
 e que nesta íntima idade perpetremos
 o que era para fruir e não fruímos
 e amemos como nunca nos amamos;
 
 desconhecidos, afinal nos desnudemos
 para possuir o que nunca possuímos
 e entregar tudaquilo que guardamos
   p para jader de carvalhoe. regis m. jucá e
 eliomar de lima
 eterno  é ter no terno seio da amadanaquela consentida ternura,quase tudo, ou quase nada
 de menos; eterno é parecer naquele éter
 e, de novo, insone, renascer
 prelibando o amor que vai voltar
 e ter, na amada que murmura
 a terra, o céu, o mar, o mundo;
 
 eterno é o que dura um só segundo —
 é o que passou tão de repente
 sem dar tempo amanhecer,
 
 é já ter sido e não mais ser
 é grito preso, e não gritar
 e ter no corpo, e ter na mente
 
   LEÃO, Pedro Henrique Saraiva.  Ilha  da Canção.  Fortaleza: Edições Universidade Federal do  Ceará, Academia Cearense de Letras, 1983.    64 p.  13,5x21,5 cm.  Projeto gráfico, capa e ilustrações Prof.  Geraldo Jesuino e também uma ilustração em papel vegetal transparente.  Ex. col. Antonio Miranda   o pobre a sua  certeza é a véspera do não ser   seu silêncio o barulho do tear sua roupa já o trapo que teceu   pobre o que ara é o que lhe era : não a ira   o pobre seu mais é seu menos sua morte sua sorte   pobre de seu só o sexo (industrial) sua fêmea sua fábrica   o pobre sua mente sua lente má(gica   sua mão (sua mão sua boca seu feijão seu chão sua paixão       na minha bagagem de morto  levarei meu eu  certo, meu eu torto o que eu quis e não  fiz,  meus fantasmas,  minhas asmas, as árvores que  plantei e os frutos que não colhi, tua vivência que  sofri, você, que eu não  enxerguei; na minha bagagem de  morto, não irei     Para MAMÍFEROS. N. 4, 2017 Fortaleza, CE: CTP Impressão e Acabamento,  2017. Editores Glauco Sobreira, Jesus Irajacy, Pedro Salgueiro, Francisco  Siqueira, O Poeta de Meia Tijela. Jornalista responsáavel: Nerilson Moreira. ISSN  2176-2805   
  
    Proposta Juarez LeitãoQue fazer, nesta má drugada? o  que fazer com o poema que nasce de repente
 nas caladas da note
 como  se golpe se foice?
 com  o sono da pedra, acordá-la?
 ou  deixar que o orvalho o permeie
 at[e  surgir a manhã?
 o  que fazer com a imagem dos vultos,
 escaneá-la,  ou o que?
 o  que fazer com aquele rosto
 no  espelho que não sou eu?
 e  com o leito do rio!
 derramá-lo  sobre mim?
 e  com o dia que desiste de nascer, o que fazer?
    Para Jose Alcides Pinto faz anos que não aparecem os faisõesfaz  anos questas colinas não veem seus verdes
 abutres
 faz  anos que os céus não purgam lágrimas
 não  há pão pois não há trigo
 faz  anos que só há pedra
 só  sol só sal só osso só cal
 e  cacto e cabra e cobra
 escorpião  e lagarto
 e  chão sem fim.
  *   dedilho  os teus tendões como se bordéuesfossem,  ou os trilhos daquele trem
 estico  a tua saia plissadaqual  desdobrasse os cantos dá um acordeon
 retificando  as esquinas da minha vida
 agarro-me  aos teus cabelos como ascrinas  de um alazão, e enquanto esporeio
 a  memória o tempo foge, e apeio-me.
      Página ampliada e republicada em fevereiro de 2018
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