NIRTON VENÂNCIO
Nasceu em Crateús, Ceará, em 1955. Formou-se em Letras pela Universidade Estadual do Ceará. Vencedor do Prêmio Filgueiras de Poesia, com Roteiro dos Pássaros. Seu segundo livro, Cumplicidade Poética, saiu em 1984. Roteirista e diretor de filmes. Dois de seus curtas-metragens receberam prêmios principais em festivais nacionais.
Visitar: http://nirtonvenancio.blogspot.com/
UNIDADE
Cada dia
tem sua porção de vida
tem sua imensidão de luz
tem sua solidão de gente
cada dia
cabe em si mesmo
como cabem na terra
a colheita e a semente.
Cada dia
tem seu ontem e amanhã
tem seu silêncio de espera
tem sua largura de saudade
cada dia
cabe em si mesmo
como cabem no continente
a distância e a cidade.
Cada dia
tem seu mar e os peixes
tem seus barcos e as viagens
tem seus remos e mãos fortes
cada dia
cabe em si mesmo
como cabe no porto
o rumo do sul e do norte.
(do livro “Poesia provisória”)
Texto extraído de LITERATURA – Revista do Escritor Brasileiro, Ano XVII, Fev 2008, n. 34.
O segundo poema escolhido também saiu publicado em LITERATURA – Revista do Escritor Brasileiro, n. 31, de 2006, editada pelo nosso colaborador e amigo Nilto Maciel.
PER SI
Não quero teu verso enteado
na minha poesia.
Não se meta onde é chamado.
Faça de conta
que não escuta os meus apelos
e me deixe encontrar
esse endereço errado.
Quero meu desencanto legítimo
e esse beijo desfazendo a azia.
Não me venha com tradução
simultânea
para música que me castiga.
Não me meta onde sou cantado.
Faça de conta
que não entende esse estrangeiro
e me deixe desencontrar
esse futuro passado.
Quero o ronco do meu íntimo
e este coração que a alma mastiga.
(do livro Poesia provisória)
POESIA SEMPRE. ANO 8 . NÚMERO 13 – DEZEMBRO 2000. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, Ministério da Cultura, Departamento Nacional do Livro, 2000. ISBN85-901646-1-6 Editor Executivo Ivan Junqueira. Ex. bib. Antonio Miranda.
O morto
I
O morto
tomou destino ignorado:
em que planície nos céus
sibila o seu silêncio?
com sua armadura desfeita
o que resta é inútil:
não suporta o vento
(que sopra com a chuva)
não será restaurado nos museus
(que espiam a história)
nem se moverá com as lembranças
(que amontoam os retratos).
O morto
tomou destino ignorado.
II
Não tenho medo:
o morto não se levantará
de sua solene posição
deitado como nunca
com seu nariz e seu sapato
em
riste.
III
O morto
(saibam)
não segue no cortejo:
segue um morto
(peso inútil)
que o limite do nosso olho vê.
IV
O morto independe da vontade
dos que lhe jogam areia e flores
dos que lhe dizem orações e calam
dos que choram e esquecem
— o morto
agora
é eterno.
V
Lembramos o tamanho do morto
com suas roupas
com sua voz
com sua dor
e choramos o tamanho que falta
a lágrima que salta
em nós
até quando aprendermos
a não ser somente vivo.
VI
De nada mais sabemos
até que o morto nos mande notícias
e que seu vulto passe ao longe
como passam os viajantes
(depois)
do entardecer.
VII
Maior é o morto
na viagem
que ele continua
(em que planície nos céus?).
Armadura
Meu corpo é a única que tenho
que é nada
e como suicida
luto contra moinhos, tempestades e solidão
que é tudo.
Escondo-me nesta armadura de ossos, carne
e vestimentas
e espio a vastidão do mundo pelos buracos dos olhos
como quem espia lugares estranhos
infinitos
perigosos.
Meu corpo é a única coisa que tenho
para carregar o pretexto de alma.
É magro, feio e escandaloso
o corpo
mas é a única coisa que tenho
para caminhar pelo tempo e pelos sertões.
Garantia não tenho
se o meu corpo é forte e frágil ao mesmo instante
se sujeito-me ao abismo
ao chão
a poeira
se estou marcado para me tornar saudade
lembrança
e fotografias
e minha história não terá mais
um cavalo para montar
e serei uma estátua invisível no espaço.
Garanti não tenho de nada
nada
não levarei escondido no bolso
nenhuma semente
nenhum suspiro
nenhum gesto
condenável
consumível.
Só é garantido o mais difícil:
a miragem na imensidão
o que se supõe ao longe
o completo mistério
para se chegar até lá
não se sabe com que corpo
não se sabe com que asas
não se sabe.
VENANCIO, Nirton. Poesia provisória. Fortaleza, Ceará: Editora Radiadora, 2019. 120 p. 14 x 21 cm. Desenho da capa: “um enorme quase nada”, de Fausto Nilo. Apresentação por Carlos Emilio Corrêa Lima. ISBN 978-85- 420-1365-8 Ex. bibl. particular de Salomão Sousa.
METADE
O que se vê em mim
não é o todo:
escondo gestos.
O que se sabe de mim
(ainda) não é tudo:
escondo datas.
Metade que nem eu mesmo sei
mais corrói do que vive e cresce:
e silenciosamente é uma doença
(e não me esquece).
Convivo como caça e caçador
dentro de mim:
uma hora me acho
a outra não me aceita
e sou metade do rosto desenhada
a outra metade desfeita.
PARECER
Pode ler pode guardar
pode rasgar.
Tenho poemas
para todos os
(des)
gostos.
Comentário crítico sobre este novo livro de Nirton Venâncio publicado por Salomão Sousa em seu blog http://www.safraquebrada.blogspot.com/ :
Poesia provisória foi elaborado ao correr de muitos anos e isso possibilitou cada palavra, cada gestual das metáforas estarem nos locais corretos. É uma lírica sem excesso, sem ter se prejudicado pela experiência da oralidade dos recitais, que é onde Nirton Venâncio gosta de estar. Muito pelo contrário. A poesia aparece com introspectividade limpa, questionadora de si mesma. Traz poemas que irão entrar para sempre em nosso imaginário. “Bússola” trabalha com imagens antagônicas; “O morto” esclarece que o poeta é um trabalhador que pega uma madeira, uma medida de barro ou pedaço de pedra, e lamina algo com todos os contornos exatos. É isso. A poesia é muito mais que ver o lençol no varal. Tenho certeza que os admiradores dos irmãos Campos vão ficar com inveja do teu lençol do poema “Quimera”, Nirton Venâncio. Já estou aguardando pelo anunciado próximo livro.
Cineasta, roteirista, poeta, professor de literatura e cinema, Nirton Venancio tem licenciatura plena em Letras, pela UECE, com habilitação em Português e Literatura da Língua Portuguesa. É Acadêmico Imortal do Conselho Internacional dos Acadêmicos de Ciências, Letras e Artes, Cadeira Nº 45. Foi um dos fundadores do Grupo Siriará de Literatura, em Fortaleza. Escreveu por dez anos a coluna Zoom, no jornal O Povo, de Fortaleza, onde foi também repórter fotográfico. Na Secretaria de Cultura do Estado do Ceará, foi Técnico em Audiovisual.
Em Brasília foi Técnico em Educação do Arquivo Nacional.
Publicou os livros "Roteiro dos pássaros", Prêmio Filgueira Lima de Poesia, e "Cumplicidade Poética". Prepara "Poesia Provisória", onde reúne toda sua produção dos últimos dez anos. Foi premiado em vários concursos nacionais de poesia, escreve para revistas e periódicos culturais.
O seu curta-metragem de estreia em 35mm, "Um cotidiano perdido no tempo" (1988), recebeu o prêmio Margarida de Prata da CNBB, além de melhor filme e melhor fotografia na Jornada da Bahia. O segundo curta, "O último dia de sol" (2000), foi premiado nos festivais de Curitiba, Cine Ceará e no Maranhão recebeu o Troféu Jangada da Organização Católica Internacional de Cinema. Na década de 90 dirigiu filmes para rede de TV inglesa HouseTop. Realizou em 2007 o documentário, "Dim".
Foi assistente de direção de vários longas-metragens, como "O calor da pele", de Pedro Jorge de Castro (1993) e "Corisco e Dadá", de Rosemberg Cariry (1994).
É professor convidado da Escola de Cinema do Sertão, Quixadá, CE, lecionando Estrutura e Técnica de Roteiro e Direção de Cena.
Mantém as páginas na internet www.olharpanoramico.blogspot.com, escrevendo sobre cinema, literatura, música, teatro, e www.nirtonvenancio.blogspot.com, com poemas autorais.
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COMBOIO vida & arte. Número experimental. Fortaleza: 1982. Capa com folhas soltas. Ex. doado por Anderson Braga Horta
Rio Poty – Ceará Foto: https://www.google.com
VENANCIO, Nirton. Trem da memória. Fortaleza, : Editora Radiadora, 2022. 95 p. Apresentação: Valdi Ferreira Lima
No. 10 880 ISBN 978-65-88905-26-5 No. 10 880
Exemplar biblioteca de Antonio Miranda
Tudo foi tão de repente
diante dos meus olhos
que não houve tempo
para retornar ao corpo do menino
que brincava na calçada.
A memória viaja
— trem inútil —
e não traz as roupas
que se vestiam nas tardes de domingo
e a estrada some
deixando o mundo
como um grande circo
na praça da estação
Os olhos pequenos
(bilhas que brilhavam
nos cantos da casa)
vasculhavam (também) os telhados
donde vazava o sol
e quando no negrume
as estrelas sobravam:
e
caíam
lentas
em
minha
rede
de brim.
Mas o menino sumiu
foi embora como quem cresce
e silenciosamente
atravessou os trilhos noturnos
da ponte de ferro
sobre o rio poty
onde as águas são barrentas
e as lavadeiras tristes.
Ninguém sabe do menino:
saberiam alguma notícia
se soubessem dos meus sonhos
de voar nas asas do bimotor
que pousava como um pássaro barulhento
nas tardes quentes do interior
ali
longe das feiras
rumo ao silêncio dos planetas
onde outro avião (de plástico) nunca chegou.
Mas não foram dados ao menino
nem os planetas
nem os presentes de todos os natais.
Aos poucos
esperava o mar (muito longe) com sua imensidão
e em cada porto
uma cidade para atravessar.
O menino (hoje) sé (definitivamente)
sumido
enquanto minhas mãos crescidas
remexem fotos na gaveta
numa tarde de sábado.
Quem me dera ter os braços
para resgatar nessa tarde
o menino
que se banhava de manhã
nas águas do rio poty
e ter
(de volta)
a cristalina cor da pele
que saltava nas pedras
onde repousava o calção
(longe do corpo)
e dentro deste mesmo coração
ao sol.
O menino brincando
sumiu de vista
sem grito
sem aceno
rumo ao futuro distante
no mar da capital
onde este poema
se acende
e navega contra a corrente.
Em que curva se perdeu
a véspera de minha juventude
que desemboca crescida aqui
nos traços de meu corpo adulto?
Em que trem
embarcou o destino de minha cidade?
Em que circo
foram embora os personagens
(os personagens
de todas as ruas?
Em que rio
se afogou a minha infância?
(...)
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Página ampliada em setembro de 2024
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http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/ceara/ceara.html
Página publicada em 2023
Republicado em outubro de 2008. Ampliada e republicada em maio de 2018.. Ampliada em abril 2019. Ampliada em maio de 2019. |