PERFIS
(Dionísio)
Podem me chamar de Jacus,
assim como Tioneus
ou Dioniso ou Leneus.
Sou mesmo o divino Baco,
deus da plena liberdade,
poderoso excitador
dos mais vis, belos instintos.
(Cristo)
Se minhas chagas hebréias
servissem de fantasia,
muito as escolas de samba
me teriam transformado
em negro porta-estandarte.
(Pilatos)
Jesus Cristo condenei
e disso não me arrependo.
Se tivesse sido rei,
certamente não seria
filho divino dos padres.
E adeus cristianismo.
(Barrabás)
Se não fosse Jesus Cristo,
o que seria de mim?
Talvez tivesse morrido
como ele, crucificado.
(Maomé)
Vim depois do bom Jesus,
assim como de Judá.
Após eu nada virá,
a não ser a ditadura
dum vetusto aiatolá.
(Américo Vespúcio)
Sou tão-somente Vespúcio,
navegador como tantos.
Não merecia a homenagem
do nome do continente:
sou tão-somente uma ilha.
(Galileu)
Se a torre jamais caiu,
se resiste a velha Pisa,
eram muito verdadeiros
meus malucos pensamentos
sobre Deus e sobre a Terra.
(Nostradamus)
Muito antes de Robespierre
eu já sabia de tudo:
da sangrenta guilhotina,
da vil morte de Danton,
e também de Bonaparte.
(Canaletto)
Ora, meus degradadores,
se pintei nossa Veneza,
se pintei nosso canal,
seus barcos cheios de cores,
sua gente – que beleza! –
foi por pura precisão.
(Vidal de Negreiros)
Que tal nascer na Paraíba
e ser governador de Angola?
E preferir a dinastia
portucalesa à holandesa?
Se filho da puta não fui,
bisnetos vocês são do Rui.
(Beckman)
Meu desejo principal
era ter muito dinheiro,
possuir o Maranhão,
se possível o Brasil.
Se me chamam Bequimão,
se me chamam brasileiro,
que se danem Portugal
e a puta que o pariu.
(Pasteur)
Mil coelhos adorei,
todos os bichos do mundo,
sobretudo nós humanos.
Toda a vida dediquei
aos estudos mais profundos.
Entretanto quem se lembra
do que fiz, do que farei?
(Valentino)
Por que choram as mulheres,
as raparigas em flor?
Sou apenas mais um morto,
mais um tipo que se vai.
Se me vou, é que acabou
a vida de sedutor,
de bárbaro cavaleiro
do apocalipse cristão.
(Italo Balbo)
Quem se recorda de mim?
Levei ao poder o Duce,
pratiquei mil peripécias,
fui ministro, marechal,
da Líbia governador.
E quem se lembra de mim?
Pois acabei derrubado
pelos meus próprios soldados
(Judas)
Não tenho pena do boneco
que homens pequenos queimam.
Ele é de pano, insensível.
Tenho pena daqueles
que nada queimam na vida.
Extraído de: http://literaturasemfronteiras.blogspot.com/
LAGARTIXA
De cima do muro
mundo inteiro avista.
Inseto voando,
comida na pista.
Cabeça balança,
como se negasse
a própria esperança
de viver assim.
CABRITO
Pula daqui, pula dali,
nunca pára de berrar.
Procura a mãe a ruminar,
comer capim, bem distraída.
E nisso cresce, passa a vida,
até que salta mais e passa
a ser um bode e a ter raça.
GALO
Quase não dorme
e, quando acorda,
se faz enorme,
feito uma corda
que se esticasse.
E solta o canto,
qual se soltasse
o desencanto.
No seu terreiro
só ele canta.
E o galinheiro
já nem se espanta
de madrugada.
Mas se alvoroça
quando o sultão,
por qualquer nada,
corre e se roça,
qual dom joão,
na franga nova.
RATO
Ódio a gato, unhas e patas,
dentes pontudos, mortais.
Amor à noite, às ratas,
aos queijos sensuais.
Vida perigosa,
susto atrás de susto,
morando em tocas,
a qualquer custo.
Vida curta
de quem furta.
Vidinha
daninha.
Extraídos de: http://niltomaciel.blog.uol.com.br/
SE ME CHAMARES FOGO
Se me chamares fogo
eu te labaredas.
Se me quiseres água
eu te correntezas.
Se me julgares vento
eu te tempestades.
Se me disseres pedra
eu te porcelanas.
Se me chamares chão
eu te profundezas.
Se me quiseres noite
eu te estrela Vésper.
Se me julgares pássaro
eu te vendavais.
Se me disseres corvo
eu te Allan Poe.
Se me chamares serpe
eu te paraíso.
Se me quiseres corda
eu te Tiradentes.
Se me julgares diabo
eu te tentações.
Se me disseres anjo
eu te candelabros.
Se me chamares deus
eu te eternidade.
Se me quiseres louco
eu te poesia.
Se me julgares santo
eu te crucifixos.
Se me disseres vida
eu te funerais.
Se me chamares mito
eu te tecelões.
Se me quiseres pródigo
eu te ancestrais.
Se me julgares hoje
eu te amanhã.
Se me disseres sempre
eu te nunca mais.
Se me chamares vem
eu te seguirei.
(28.12.1999)
PROGRESSO
Meu pai pastorava
os rebanhos de um coronel.
Dizem que morreu em paz
e subiu aos céus.
Eu vigio os carros da burguesia
pequena, média e grande.
Tenho fé em Deus
que tudo vai ser igual.
Extraídos de: http://www.usinadeletras.com.br/exibelotextoautor.phtml?user=niltofm
Livros publicados:
Itinerário, contos, 1.ª ed. 1974, ed. do Autor, Fortaleza, CE; 2.ª ed. 1990, João Scortecci Editora, São Paulo, SP.
Tempos de Mula Preta, contos, 1.ª ed. 1981, Secretaria da Cultura do Ceará; 2.ª ed. 2000, Papel Virtual Editora, Rio de Janeiro, RJ.
A Guerra da Donzela, novela, l.ª ed. 1982, 2.ª ed. 1984, 3.ªed. 1985, Editora Mercado Aberto, Porto Alegre, RS.
Punhalzinho Cravado de Ódio, contos, 1986, Secretaria da Cultura do Ceará.
Estaca Zero, romance, 1987, Edicon, São Paulo, SP.
Os Guerreiros de Monte-Mor, romance, 1988, Editora Contexto, São Paulo, SP.
O Cabra que Virou Bode, romance, 1.ª ed. 1991, 2.ª ed. 1992, 3.ª ed. 1995, 4.ª ed. 1996, Editora Atual, São Paulo, SP.
As Insolentes Patas do Cão, contos, 1991, João Scortecci Editora, São Paulo, SP.
Os Varões de Palma, romance, 1994, Editora Códice, Brasília.
Navegador, poemas, 1996, Editora Códice, Brasília.
Babel, contos, 1997, Editora Códice, Brasília.
A Rosa Gótica, romance, 1.ª ed. 1997, Fundação Catarinense de Cultura, Florianópolis, SC (Prêmio Cruz e Sousa, 1996), 2.ª ed. 2002, Thesaurus Editora, Brasília, DF.
Vasto Abismo, novelas, 1998, Ed. Códice, Brasília.
Pescoço de Girafa na Poeira, contos, 1999, Secretaria de Cultura do Distrito Federal/Bárbara Bela Editora Gráfica, Brasília.
A Última Noite de Helena, romance, 2003. Editora Komedi, Campinas, SP.Os Luzeiros do Mundo, romance, 2005. Editora Códice, Fortaleza, CE.Panorama do Conto Cearense, ensaio, 2005. Editora Códice, Fortaleza, CE.
PARTICIPAÇÃO EM ANTOLOGIAS (até 2005)
Queda de Braço: Uma Antologia do Conto Marginal, seleção de Glauco Mattoso e Nilto Maciel. Clube dos Amigos do Marsaninho, Rio de Janeiro e Fortaleza, 1977. Contos: “As Fantásticas Narrações das Meninas do São Francisco” e “Sururus no Lupanar”.
Conto Candango, coordenação de Salomão Sousa. Coordenada Editora de Brasília, 1980. Conto: “As Pequenas Testemunhas”.
Horas Vagas (Coletânea 2), organizada por Joanyr de Oliveira. Coleção Machado de Assis, volume 42, Contos, Senado Federal, Brasília, 1981. Conto: “Detalhes Interessantes da Vida de Umzim”.
O Prazer da Leitura, organizada por Jacinto Guerra, Ronaldo Cagiano, Nilce Coutinho e Cláudia Barbosa. Editora Thesaurus, Brasília, 1997. Conto: “Ícaro”.
Almanaque de Contos Cearenses, organizado por Elisangela Matos, Pedro Rodrigues Salgueiro e Tércia Montenegro. Edições Bagaço, Recife, PE, 1997. Conto: “Apontamentos para um Ensaio”.
VIA VERSO. III Concurso Nacional de Poesia. Ourinhos, Prefeitura Municipal de Ourinhos, Departamento Municipal de Cultura, Biblioteca Municipal Tristão de Athayde, 1995. 98 p. 15 x21 cm. Coordenação do Projeto: Marco Aurélio Gomes. Capa: Dany Eudes Romeira.
Ex. bibl. Antonio Miranda
Desvario
Não identificados objetos
passeiam voadores pelo vão
da larga sala de meus velhos tetos.
Talvez mosquitos pré-maquiavélicos,
talvez besouros pós-psicodélicos
— almas de bêbados medievais
fugidos das masmorras clericais,
das toscas mãos da Santa Inquisição.
Olho para a pequena acesa lâmpada
e é como se revisse a lua límpida,
e feito lobo nas estepes gano,
meus olhos fitos no sidarta Hesse.
Mas há no céu qualquer estranha messe,
há no horizonte em tempestade, insano,
as negras nuvens pandas de terror,
um corpo doído em belo rodopio,
minha alma tonta em claro desvario.
*
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http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/distrito_federal/distrito_federal.html
Página publicada em junho de 2021
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