MARTINS D’ ALVAREZ
José MARTINS D’ ALVAREZ - Nasceu em Barbalha, 14 de setembro de 1903, filho de Antônio Marfins de Jesus e Amônia Leite Martins. Estudou no Crato e em Fortaleza. Dentista pela Faculdade de Farmácia e odontologia do Ceará (turma de 1926). Professor de Educação Sanitária da Escola Jornal Pedro II. Radicado no Rio de Janeiro, foi Professor Catedrático da Faculdade Nacional de Odontologia da Universidade do Brasil, e da Faculdade Fluminense de Odontologia. Jornalista, poeta, contista, romancista, ensaísta. Publicou: A Ronda das Horas Verdes (estreando em 1930); Quarta-Feira de Cinzas (novela, menção honrosa da Academia Brasileira de Letras); Vitral (1934); Morro do Moinho (1937); O Norte Canta (1941); No mundo da Lua (poesia infantil, 1934 e 1947); Chama Infinita (1949); Ritmos e Legendas (1954); Roteiro Sentimental (1967); A Morte do Anjo da Guarda e Poesia do Cotidiano. Membro da Academia Brasileira de Odontologia, instituto de História da Medicina, instituto do Ceará, Academia Cearense de Ciências, Letras e Artes do Rio de Janeiro (cadeira n° 8, patrono: Capistrano de Abreu) e de outras entidades científicas e culturais. Morreu no Rio de Janeiro, 3 de julho de 1993. Fonte da biografia> http://www.ceara.pro.br/
Veja também: POESIA INFANTIL DE MARTINS D´ALVAREZ
ALVAREZ, Martins d´. Ritmos e legendas (poesias escolhidas). Rio de Janeiro: Irmãos Pongetti Editores, 1954 202 p. 18x24 cm. Foto do poeta depois da folha-de-rosto. Ornado com letras capitais no início dos poemas e vinhetas impressas na cor verde. Não informa autoria da capa. Col. A.M.
ZÉ-NINGUÉM
Lá está Zé-Ninguém, feliz como o que. . .
Deitado na areia fresquinha do Morro,
de papo pro ar,
olhando pra lua.
Pensando? Que nada!
Pra que pensamento!
Descansando as pernas...
Refrescando os pés doídos, cansados
de andar marombando na rua.
Plantada no lombo doirado do Morro,
a casa de Zé parece um caixão...
Coberta de palhas, paredes de latas,
pintada com a prata da lua, por fora.
Por dentro, pretinha. . .
Da cor do carvão.
A areia é tão fria, macia, gostosa,
que Zé se espreguiça e tosse e se encolhe...
E tosse e retosse. . .. Que tosse safada!
Que tosse birrenta!
Essa tosse, até parece que é
a mulher ciumenta de Zé,
a família inteirinha de Zé,
que lhe vem recordar
— que maçada! —
que a palha da esteira é quentinha!
Que a hora do sono é chegada!
Zé entra e se apaga no escuro da casa,
se espicha na esteira,
nem reza, nem pensa, nem nada!
O vento fuchica na palha do teto,
a areia brinca de chuva nas latas...
Zé gosta daquilo! Depressa cochila...
E logo ressona e ronca, faz coro
com o uivo dolente de um triste cachorro
boémio que faz serenatas.
A "barra quebrou".
Lá vai Zé-Ninguém,
feliz como o que!
Pra onde? Não sabe, não pensa.. . Pra que?
Só sabe que é dia, tem f orne e... Depois,
tem toda a certeza
de que há de comer!
De que há de vestir!
De que há de viver!
BENDITA MENTIROSA
Mentes, com tal ardor,
que das tuas mentiras não desdenho.
Ainda mais que tu mentes por amor
duma felicidade que não tenho.
Mentes para o meu bem!
Bendita esta mentira que consola.
Esta mentira que enternece e tem
o conforto sublime de uma esmola.
Mente, pois, e te inspira
naquilo que se sente e não se diz...
Não vês? A própria vida é uma mentira
que a gente enreda para ser feliz.
Sei que mentes. . . Mas eu sei também
que todas as mulheres são assim!
E não dão o conforto que me vem
das mentiras que teces para mim.
SIMPLICIDADE
Se tens teto, tens pão e tens saúde,
alma para sentir e para amar...
Se tens um coração que não te ilude
na razão de querer para alcançar...
Se tens a graça, neste mundo rude,
das vaidades humanas desprezar...
E o senso de pedir que alguém te ajude,
para também poderes ajudar...
Se tens tudo isso, tens o que te basta.
O excesso de poder e de dinheiro,
só à tortura e ao pesadelo arrasta.
Goza a simplicidade dos teus bens!
Que o mundo sofre e luta, companheiro,
pelas sobras inúteis que não tens!
ALVAREZ, Martins d´. O Norte canta... (Poesia popular). Edição ilustrada. Prefácio de Gustavo Barroso. Rio de Janeiro, RJ: Civilização Braseilira, s.d. 129 p. 13,5x19,5 cm. Ilustrações de Mendez. “ Martins D´Alvarez “ Ex. bibl. Antonio Miranda
MÃE JOANA
Mãe Joana é um molambo velho
de gente amorosa e boa.
Viveu vida de cachorro. . .
E, ao depois de consumida,
anda rolando perdida,
atoa. . . Atoa !...
A alegria de Mãe Joana
foi um sol que se apagou.
Enquanto brilhou na altura
toda a gente o festejou.
Quando se foi...
— Desventura I —
Ninguém mais dele cuidou.
Mãe Joana teve um abrigo
que era um pedaço de céu.
Hoje, tem tudo e tem nada,
porque, em vez de um pedacinho,
tem o céu todo. . . Todinho,
coitada
De déo em déo !...
Mãe Joana nunca deu frutos,
fronde perdeu-se em matizes. .
Por isso, vive a tragédia
desses troncos' infelizes,
que ainda se aguentam na terra
por milagre das raízes.
VIVA SÃO JOÃO !
Viva São João !
Fartura ! Barriga cheia !
Diabo leve quem tem pena
de mexer mo pé-de-meia.
Vou fazer uma fogueira
como a Torre de Bablei;
vou enfeitar meu terreiro
com bandeiras ás papel.
Já tenho foguetes,
pistolas, ronqueiras,
traques, buscapés,
bichas-correáeiras.
Pra depois das 12
já tenho um baralho,
batatais e abóboras
pra assar no borralho.
Mariquinha, minha negra,
promete traxer
as caboclas bonitas
que diz conhecer. . .
E o negro Sebasto
já arranjou a "geribita". . .
Este negro é um perigo !
Essa negra tem chita !
Vai haver sorte,
que não é brinquedo !
Quem for feliz passa bem,
quem não for,
chucha no dedo.
Eu, por mim, já tenho
com quem passar fogo :
já tenho compadre,
Já tenho comadre. . .
E uma outra coisinha
eu tenho, também. . .
Que eu morro e não digo,
não digo a ninguém.
— São João disse,
São Pedro afirmou,
que seremos compadres
porque São João mandou.
— Viva São João, comadre !
— Viva nós, compadre !
Compadre e comadre
todo mundo tem.
Porém,, o que guardo
e não (Sigo a ninguém;. . .
Porém, o que tenho,
quem terá, também ?
FUNERAL
Dentro da noite,
num marche-marche,
cortando a fita
da estrada clara
os homens seguem,
num marche-marche,
levando a rede
pró cemitério.
Dentro da rede,
se embalançando,
bambo e curvado
como um presunto,
como um presunto
dentro de um saco,
se embalançando
vai o defunto.
E a voz dos homens,
de quando em quando,
fere a dormência
das horas calmas,
num vago apelo
cheio de angustia :
— vinde ajudar-nos,
Irmãos das Almas !
Punhos atados
á longa estaca
que os homens levam
suspensa aos ombros,
a rede segue
para a cidade,
leva o defunto
para o "sagrado".
Grilos vigilam
dentro do mato.
Sapos responsam
na escuridão.
E o vento reza,
nas folhas secas,
singelos Atos
de Contrição.
E a voz dos homens
sobe na noite
com o louco anseio
de mãos espalmas,
mãos que aflitivas
pedem socorro :
— Vinde ajudar-nos,
Irmãos das Almas !
A rede passa
suspensa em ombros,
se embalançando,
se embalançando. . .
Como se o morto
fosse a ninar.
E aves noturnas
tecendo agoiros,
sobre o cortejo,
cheias de espanto,
rasgam mortalhas
negras pelo ar.
E ao triste apelo
que os homens lançam,
de vez em quando,
nas horas calmas,
apenas o eco,
bruxoleiante,
responde ao longe :
— ... Irmãos das Almas !
Ver também:
http://www.youtube.com/watch?v=5en3_CaayT4
Página publicada em agosto de 2012; ampliada e republicada em setembro de 2014
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