LEOPOLDO BRÍGIDO
Leopoldo Brígido, nome completo: Leopoldo Vóssio Brígido dos Santos (Itapipoca,Ce 1876/Rio de Janeiro 1947). Foi um poeta muito respeitado no seu tempo. Era também jornalista, teatrologo e critico literario. Muitas vezes assinava suas obras com o pseudonimo de "Emilio Letrado". Foi funcionario da Fazenda e sub diretor do Tesouro Nacional. Da sua obra se destaca o soneto Dona Inês de Castro.
Fontes: Moraes Filho,Mello "Poetas Brasileiros contemporaneos"- Garnier Livreiro editor - Rio de Janeiro 1903; Coutinho,Afranio/Souza J. Galante, "Enciclopedia de Literatura Brasileira" -SP-Global; Fundação Biblioteca Nacional-Academia Brasileira de Letras-RJ -2001
VISÃO NOTURNA
Como surge do linho alvo e fragrante
Esplêndida mulher formosa e nua,
Já despida das brumas do Levante
Pálida e bela me parece a Lua.
Sobe, forma de sonho deslumbrante,
No manso lago sideral flutua,
E límpido lhe brilha o corpo amante,
E o seio à tepidez da vaga estua.
Avança sem temor, Náiade ousada,
Serenamente, airosamente nada,
E as mansas vagas osculando-a pelas
Úmidas pomas, pela espádua albente,
Ela vai-se, enredada docemente
Nos nenúfares brancos das estrelas.
DONA INÊS DE CASTRO
Cai a tarde. Na quieta soledade
Do prado em flor, a sombra lentamente
Se espalha, e Dona Inês de Castro sente
Na alma subir-lhe uma onda de saudade.
Vai sozinha a cismar. Do Infante ausente
Doce lembrança o coração lhe invade:
Suspira, e suas mãos com suavidade
Colhem cecéns e rosas juntamente.
Senta-se à beira do Mondego. Mira
O rosto na água, e pétalas atira
À água, que manso e manso se renova...
E vê-se, imagem na água mergulhada,
De cecéns e de rosas coroada,
Já Rainha, no fundo de uma cova!
BRÍGIDO, Leopoldo. Poemas do tempo. Prefácio de Américo Facó. Rio de Janeiro: Livraria AGIR Editora, 1947. 14,5 x 19 cm. Ex. bibl. Antonio Miranda.
VIAGEM NOCTURNA
PELO caminho, em meio a mata silenciosa,
Cavaleiro da noite, eu sozinho seguia:
Fulgurava a divina esfera misteriosa,
Acima da alta, obscura, espessa ramaria.
Como invisível, cauta aparência, medrosa,
Entre os ramos subtil passava a aragem fria,
Mas a minha alma, entregue à cisma caprichosa,
Alterara-se, e no sonho estelar se embebia.
Vivas constelações de brilho incomparável,
— Naus veleiras num mar infinito, insondável,
Seguiam lentamente o radioso caminho...
E Vésper, grande, ideal, fulgia entre a ramagem
Como uma ave do céu que ao fim de longa viagem
Baixasse o lento voo à procura do ninho...
A UM SELVAGEM
A FLORESTA imortal, soberba, antiga,
Onde os teus grandes rios vão rolando,
Murmura ainda, a sua voz amiga
Diz o teu nome, é voz de amor chamando:
“Quem minha sombra a desprezar te obriga?
Quem te aguarda, saudoso e miserando,
Longe, longe de mim, nessa inimiga
Plaga, vivendo com adverso bando?”
Não ouves? Torna à selva primitiva!
Torna aonde passaste a infância viva,
Ao regaço da austera natureza!
Escuta a voz que chama! Parte breve,
E desce presto, na canoa leve,
Os teus rios de mansa correnteza!
MEU GATO
NO DORSO o negro pelo é polvilhado
De fios de ouro, enquanto no macio
Alvo colo lhe brilha delicado
Como espuma na escura água de um rio.
Cisma sobre o sofá como cansado,
Lânguido, às vezes, no calor do estio,
E nos olhos de um verde carregado
Lhe passa um tom de mágoa fugidio.
Mas quando com prazer voluptuoso
Eriça o dorso, agita a cauda, esperto,
E súbito se agacha, cauteloso,
Parece um tigrezinho na calada,
Que espreita, para mais seguro e certo
Ir cair sobre a presa descuidada!
VOO EXCELSO
SE à noite os cimos constelados fito,
Muitas vezes minha alma livre, abstracta,
Como um etéreo pássaro dilata
O largo voo em busca do Infinito.
Ao sonho, que se alarga, não hesito,
E a visão de outros mundos me arrebata:
Atrás perde-se, longe, a terra ingrata,
Enquanto o voo excelso precipito.
Corto as esferas gotejantes de astros,
Percebo as inauditas harmonias
Que os orbes deixam como vivos rastros...
Nem mais do Tempo nem do Espaço cuido,
Ao ver rolar os sóis de eternos dias,
Cascatas de diamante e de ouro fluído!
Página publicada em agosto de 2015; página ampliada e republicada em junho de 2019.
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