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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 
 

LEÃO JUNIOR

 

José Leão de Alencar Oliveira Júnior nasceu e, Fortaleza em 11-04-1937.

possui graduação em Letras pela Universidade Federal do Ceará (1969), mestrado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1977) e doutorado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1993). Aposentou-se como professor adjunto pela Universidade Federal do Ceará em 2003. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Literatura e História, atuando principalmente nos seguintes temas: literatura brasileira, literatura e história, literatura comparada, teoria da literatura e poesia brasileira.

 

 

REVISTA DE LETRAS. Volume 15  No. 1/8 jan. 1990. Dez. 1993. Nímero comemorativo dos 25 anos de fundação do Grupo SIN.  Fortaleza: Departamento de Letras UFC.

 

 

         TEMPO TEMPO

 

        certifique-se de que o tempo
não goza, em seu cabedal,
o saber de um tempo arguido:
seu irônico juízo
no que investiga é retorno
do que então se parodia

do que então potencializa
um saber examinar-se
no outro que está do outro
sem imagem conferida
mas que pressupões ao pôr
radicais inexistências
sob metódico senso
de crítica e de raciocínio

para então comprometer
a base — seu fundamento —
do círculo que vira dia
que se vive sem teoria

o que lhe permite ser tempo
é não contar sua história
é não ter sequer história
é ser o avesso da história

a própria falta — seu ser
de insuportável sentido —
satura de perdas a vida
e a explode como história

aí é preciso viver
de sobrevida aparente
nas sobras do apalavrado
reconduzido ao vazio

e nesta sede excluída
do homem desprende-se o tempo
demolindo o quê de si
sobrevive em seus sistemas

que permanecem percursos
de quebras fendas rupturas


        são como um não-rio
os afluentes do tempo
(faz flutuar periódicas
minas de água parada)

que vai por brutas clivagens
como evidências sem fala
ou conflui estimulando
econômicas miragens

que precipitam o invisível
nas influências do visto
e trazem a forma adiante
das margens que nos espiam

sem olhar antecipando
múltiplos fluxos sem rio


é de poesia
que se alimenta
de sua força estratégica
sua premente ameaça

 

                        pois quanto mais fortifica
com mais defesas desata
e obriga ao tempo o adiante
de forma desmoronadas

obriga a viagem das horas
às suas fronteiras perdidas
a descobrir demasiados
possíveis de não rendição

mal começada a jornada
chegam arquitetos do não


tem o passado uma fome
do retorno do que falta
fome de raiz-além
desse longo ignorado

        e rumina arruinado
a forma não digerida

tem a fome de uma espera
por horizonte não vindo
se morde o passo do onde
se gera a fome do tempo

enquanto rumina o presente
escapa por entre os dentes

quando céu e terra se fizeram uno
o grande tempo mudou todas as coisas
de uma só vez

aos homens transmitiu a técnica
de não esperar

nenhum posterior, absoluto ou relativo
se pressupõe
a consciência das clepsidras e das ampulhetas
desapareceu

o grande tempo fundiu os homens
na geografia do outro
e já não houve marcas de propriedade
e já não houve Estados

quando céu e terra se fizeram uno
o presente pôde ser lembrado.


o único tempo é o tempo
que fica fora de si inexiste
como existe o que expulsa
de sua reserva incontente

expulsa do homem o ganho
ou pior, contabiliza
sua fome de um ser tempo
de ter no tempo o seu prumo

e este homem sem divisas
quer do tempo seu insumo
cobra incentivos e lucros
por vida a mais de consumo

mas o tempo acerta o trato
desconhecendo o rumo


quem rói de ti os fantasmas
de que se cobre a razão
lendo o antes da memória
que escapa à imaginação

que examina pela falta
as marcas da contradição
que ousa escritos vazios
sobre raspas predatórias

quem desconcentra a razão
para firmá-la no instável
como solta resistência
que se faz tão maleável

que nenhuma norma nova
fixa a ferida da margem


a tinta encarnada de teu
manuscrito sem história
se entranha na letra como
palavra arrancada à traça

se entranha em calar dobrado
como história dos silêncios
que a terra arranca aos pedaços
desta carne de azurado

a tinta dos manuscritos
come a tua mão pesada
com gratos garfos que vexam
o menos papel do prato

para abrir com suas chaves
o trauma de novos achados


escrevo palavras que calam
o meu objeto é o tempo
não fala

mas guarda em si monumentos
que sem vestígios
abalam

e o seu mudo testamento
fende infinito o fragmento
que age

escrevo à margem do efeito
leito da ávida ausência
que apaga

e não consulto memórias
meu dicionário é o átimo
que indaga


deixa se possível um oco
para que o tempo arrebente
tuas mordaças sem corpo
o teu silêncio de ovo

teu fio sem interior
que tece os teus desenlaces
com mordidas ou amarras
famintas da tua nudez

derrama o rigor do silêncio
na veia oblíqua do novo


os tempos geraram os tempos
que geram de si os tempos
que geram os tempos de novo
como uma trama bastarda

os laços de parentesco
perdido no que se ligam
tecem o mito e a fenda

saber de que é feito o tempo
desses tempos sem história
é ter por familiares
homônimos desconhecidos

que no entanto evoluem
no seu poder de expurgar
incógnitas biografias

 

 

nos interiores das bibliotecas
o teu vizinho vive os anos vinte
um de meia-idade atrás de ti
parte uma galáxia

nos interiores da rua
cada palavra circula
com reais multiplicados

pelos becos mais dispersos
das páginas encadernadas
os interiores do homem
iluminam as passagens

                o que eu digo não quero
dizer como ele se diz
porque se faz no que faço
para não fazer-se a mim

e cada palavra se choca
com o que se impõe seu dizer
e cada palavra se corta
por outras pontuações

o que eu não digo se fala
torcendo sons e silêncios
cavando-se onde não há
mais que prática discente

e em seu próprio discurso
de tempos pouco assertivos
nada assegura ou aponta
a voz que se pronuncia

porque esta voz dispersa
só pressente, mal envia

 

 

o antiquário escreve
à margem
dos manuscriptos
do xerox
do software
do fax
o antiquário constrói
a margem do presente arcaico
nos meios

margem que se desloca do olho
e trafega
sob os traços cotejados

o antiquário cria passados
de crônicas por escrever:
tempos de re-produção
compondo a ordem do avesso

 

               

                por artes da poesia
recorta o sem-fundo da fala
e desenha em negativo
as massas do impercebido

cria o desenho nas falhas
da palavra retalhada
e faz divagar entre as formas
o que escapa à razão

o que lhe permite se abrir
sempre que um fim se imagina
e mais se faz desdobrar-se
desdobrando suas divisas

estas fronteiras que o homem
mais pressente que imagina


neste momento mais
o tempo se nega ao discurso
e por mais que o mapeie
não tem verdadeiro tamanho

então é preciso fazê-lo
relativo e problemático
como um conceito que pensa
a história escapada

então é preciso vivê-lo
como diferença e fado
e mais preciso explorá-lo
alargando os seus cavados

este prático sondar
impede a topografia
mas concreta de paisagem
que se alarga além do olho

com cores que passarão
a fazer parte da fala

                todo o tempo
que conceder refúgio
a dado estrangeiro
no preciso objetivo
de ocultá-lo à história
será por ela acusado
de crime de leso-ofício
e portanto
renegado

 

                (como poesia)

 

 

 

 

 

Página publicada em junho de 2020


 











 

 


 

 

 
 
 
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