JOSÉ DE ALENCAR
José Martiniano de Alencar (Fortaleza, no bairro Messejana, 1 de maio de 1829 — Rio de Janeiro, 12 de dezembro de 1877) foi um jornalista, político, advogado, orador, crítico, cronista, polemista, romancista e dramaturgo brasileiro. Formou-se em Direito, iniciando-se na atividade literária no Correio Mercantil e Diário do Rio de Janeiro.
A família transferiu-se para a capital do Império do Brasil, Rio de Janeiro, e José de Alencar, então com onze anos, foi matriculado no Colégio de Instrução Elementar. Em 1844, matriculou-se nos cursos preparatórios à Faculdade de Direito de São Paulo, começando o curso de Direito em 1846. Fundou, na época, a revista Ensaios Literários, onde publicou o artigo questões de estilo. Formou-se em direito, em 1850, e, em 1854, estreou como folhetinista no Correio Mercantil. Em 1856 publica o primeiro romance, Cinco Minutos, seguido de A Viuvinha em 1857. Mas é com O Guarani em (1857) que alcançará notoriedade. Estes romances foram publicados todos em jornais e só depois em livros.
José de Alencar foi mais longe nos romances que completam a trilogia indigenista: Iracema (1865) e Ubirajara (1874). O primeiro, epopeia sobre a origem do Ceará, tem como personagem principal a índia Iracema, a "virgem dos lábios de mel" e "cabelos tão escuros como a asa da graúna". O segundo tem por personagem Ubirajara, valente guerreiro indígena que durante a história cresce em direção à maturidade.
Em 1859, tornou-se chefe da Secretaria do Ministério da Justiça, sendo depois consultor do mesmo. Em 1860 ingressou na política, como deputado estadual no Ceará, sempre militando pelo Partido Conservador (Brasil Império). Em 1868, tornou-se ministro da Justiça, ocupando o cargo até janeiro de 1870. Em 1869, candidatou-se ao senado do Império, tendo o Imperador D. Pedro II do Brasil não o escolhido por ser muito jovem ainda.
Em 1872 se tornou pai de Mário de Alencar, o qual, segundo uma história nunca totalmente confirmada, seria na verdade filho de Machado de Assis, dando respaldo para o romance Dom Casmurro. Viajou para a Europa em 1877, para tentar um tratamento médico, porém não teve sucesso.
Faleceu no Rio de Janeiro no mesmo ano, vitimado pela tuberculose. Machado de Assis, que esteve no velório de Alencar, impressionou-se com a pobreza em que a família Alencar vivia. Encontra-se sepultado no Cemitério de São João Batista no Rio de Janeiro.
Produziu também romances urbanos (Senhora, 1875; Encarnação, escrito em 1877, ano de sua morte e divulgado em 1893), regionalistas (O Gaúcho, 1870; O Sertanejo, 1875) e históricos (Guerra dos Mascates, 1873), além de peças para o teatro. Uma característica marcante de sua obra é o nacionalismo, tanto nos temas quanto nas inovações no uso da língua portuguesa. Em um momento de consolidação da Independência, Alencar representou um dos mais sinceros esforços patrióticos em povoar o Brasil com conhecimento e cultura próprios, em construir novos caminhos para a literatura no país. Em sua homenagem foi erguida uma estátua no Rio de Janeiro e um teatro em Fortaleza chamado "Teatro José de Alencar".
A Praça José de Alencar (Ceará) é uma homenagem da sua cidade natal. .]
Fonte: wikipedia
Mas José de Alencar foi também poeta, embora sua obra seja menos conhecida. Além de peças de teatro em versos e poemas longos, também escreveu sonetos e outros textos mais breves, alguns reproduzidos em seguida:
A VALSA
I
ESTRUGE a orquestra, ressoa
A valsa alegre e brilhante.
Abre roda o bando; voa
O turbilhão deslumbrante.
Pelo braço do amante que a estremece,
Linda virgem se embala docemente:
São noivos. Flui do casto amor primeiro
No sorriso a delícia rubescente.
Mas ela pára. Chega um cavalheiro
E a arrebata na valsa que a fascina;
Delira o pé gentil; erguida a fímbria
Da perna ostenta a carnação divina.
Foge do moço a cor ao rosto, e a vida
Como se a alma do corpo se partira.
Não crê, duvida ainda, alonga os olhos;
Antes morrera, ou nunca mais a vira.
II
O ritornello festivo
Na sala a música solta;
E o par no abraço lascivo
Gira, passa, foge e volta.
Sente fel no sorriso contraído
O moço que de amor sorria há pouco:
Amargo escárnio verte o lábio trémulo;
A turba ouviu, pensando ouvir um louco.
"Nobre dama da Itália a formosura
No esplendor da nudez despia à vista,
Vivo modelo de brilhante quadro
Que enlevada sonhara alma de artista."
"Mas génio era o pintor; a tela frágil
Página eterna de sublime história;
O pudor se imolava a tanto orgulho,
Mas vivia a beleza unida à glória."
"Hoje se entrega em douda valsa a dama
Ao cavalheiro, e deste àquele passa.
Tateia mão profana o lindo talhe
Como se amolda um corpo em gesso ou massa."
"Nem a mão é do génio, nem ó toque
Acende o estro que o poeta inspira,
Só desflora a beleza a branca luva
Do saltarello que na sala gira."
"Prejuízos! Tem sede uma alma exausta
De fortes emoções. Deliba a virgem
De ignoto gozo em êxtase a primícia.
Que a preme o noivo, cisma na vertigem.. .
"O folguedo inocente a festa anima;
Frui a vida a travessa juventude;
Estátua mesmo nua é dama ilustre,
Quando a beleza veste-lhe a virtude."
III
Desgrenha-se a valsa agora
Radiante de harmonia.
"— Mais uma volta, senhora," —
À donzela o par dizia.
" — Mais uma volta! Repetiu o amante.
A fadiga o prazer brincando arrostra;
Mais sedutora a valsa é no abandono
Do cansaço que os frouxos membros prostra."
"Vede! As cores acendem; arfa o seio;
No lábio freme o hábito ofegante;
Mole a fronte reclina; os olhos languem;
Nerva o desejo o corpo palpitante."
"Nunca viste render-se a castidade
Soluçando num beijo o amor estreme?
Não; não viste! O mistério puro e santo
Foge Q raio da luz;, de ver-se teme."
"Pois o baile o desvenda. Ei-lo sem pejo
Da turba aos olhos ávidos s'ofrece.
Ceva-se a vista ardente nos contornos
Do talhe qu'em requebros transparece."
“Cobrem rendas e seda as formas tépidas?
Velam sombras também o níveo leito;
O que aos olhos se oculta sente o tato
Dos corpos que conchega o enlace estreito."
"Valsai, valsai, bacantes! No delírio
Ao corso do prazer siga o tripúdio.
O mundo é vário, aplaude a mais formosa,
Nem receia a loureira um vão repúdio."
"Finda a valsa. O elegante cavalheiro - '
Leva a dama ao marido, à mãe a filha;
Esposa e virgem, ambas profanadas
Desbota a face em que a volúpia brilha."
IV
Da valsa o eco expirante
Geme ainda pela sala;
A virgem busca o amante;
Não o vê; ouve-lhe a fala.
"Eras luz; ficaste em treva;
Inda botão, já murchaste;
Seca flor que o vento leva,
No pó, no lodo, roscaste.
"Amei; era amor profundo;
Não foi por ti que o senti.
Anjo meu, fugiste ao mundo!. ..
Mulher.. . eu nunca te vi."
V
Da história o fim referem que foi este:
Casa a moça com rico pretendente;
Tem de homem a figura, a alma no bolso
Carece de mulher que represente.
Dizem que são felizes; acredito.
Joga ele o voltarete; a mulher dança;
De primeira valsista ganhou fama,
Estrompa sete pares e não cansa.
A dez apaixonados corresponde;
Lembrança do passado não lhe pesa,
Mas, vaidade ou costume, inda provoca
O seu antigo amante que a despreza.
1860
TIJUCA
(A D. HELENA COCKRANE)
SALVE, rochedos agrestes!
Salve, Tijuca louçã!
Quando, ao raiar da manhã,
As alvas névoas tu vestes,
Como és formosa, montanha,
Ao sol que a face te banha!
Vós, Senhora, que habitais
Aqui, na mansão florida,
Sabeis como é doce a vida
Neste remanso da paz.
Que dias gozei serenos,
Sob estes climas amenos!
Traz a brisa aqui, na asas,
Da celeste eflorescência
Doce pólen de existência,
Coado por entre as gazas
Deste azul sempre luzente,
Que aveluda um céu ridente.
Aqui a rosa floresce
Nos campos, porém mais bela
Vem nas faces da donzela,
Donde nativa parece.
Ai, que rosas de carinhos,
Têm perfumes sem espinhos!
Nesta serra alcantilada,
Que o cimo às nuvens remonta,
Como que o éden esponta
À alma na terra exilada;
E os anjos dos vales seus
Ficam mais perto de Deus.
Calmo e doce paraíso!
Não dar-me o Senhor poder
Sempre em teu seio viver!...
Me fora a vida sorriso,
E a delícia do teu ermo
Me sanara o corpo enfermo.
Adeus, ó serra gentil,
Adeus, Tijuca risonha!
Ausente; contigo sonha
Quem te viu encantos mil.
Adeus, formosa montanha,
Ai, que saudade tamanha!...
(28 de fevereiro 1864.)
EPITÁFIO DE UMA FLOR
(A UM amor-perfeito QUE SECARA EM UM ÁLBUM)
SOLITÁRIA nesta folha
Por que te deixaram, flor?
És tu lembrança de amor,
,Que assim também já murchou?
?Tudo passa neste mundo,
'Um só dia vive a flor;
E como à rosa, no amor
Da tarde o vento espalhou.
Dorme aqui, dorme esquecida,
Seca múmia de uma flor:
Tu'alma — o perfeito amor —
Para sempre ao céu voou.
SE EU FORA POETA
(A D. GEORGIANA)
Quando a lua, surgindo no horizonte,
Vem de luz orvalhar-te a linda face;
Em que cismas se enleia, doce virgem,
Tu'alma pura como a flor que nasce!
Bebes, filha do céu, nos brandos lumes
De teu olhar a mágica doçura?
Ou do seio de Deus um anjo desce
Ao teu seio no raio que fulgura?
Foi ontem. Carinhosa e terna a lua
Beijava o teu semblante; e as brancas vestes
Acetinando, a fronte te perlava
D'aljôfares de luz, joias celestes.
Tu sorrias. De vaidade estreme
Te deixavas toucar dos véus fulgentes.
Quanto eras bela assim de luz cingida,
Modesta virgem, nem sequer pressentes.
Calou-se a noite. No silêncio augusto
Fugiu a soluçar a onda trépida.
E a brisa, longe, perpassando a medo,
Sussurrou na floresta leve e crépida.
Pelos montes-que a lua prateava
Teu vago olhar correu fagueira a vista.
Tudo admiravas, tudo, o céu e à terra,
Eu resumia em ti um Deus artista.
"— Ah quem me dera" murmurou teu lábio,
"Ser poeta, cantar a natureza
E dizer quanto eu sinto contemplando
Desta noite suave a alma beleza!"
Oh! não deves dizer, cândida virgem!
Não diz a flor como o perfume estila,
A pérola não diz como se forma,
Nem fala a estrela que no céu cintila.
Quanto cismas no casto devaneio,
Vaza tua alma nesse olhar divino;
É sublime poema o teu sorriso,
No gesto meigo tens da graça um hino.
Deu-te Deus a poesia como os raios
Deu ao sol, porque ao mundo a luz desfira;
Teu poder é maior: crias poetas.
Cumpre o teu fado, virgem loura, inspira!
Março de 1864.
ZELOS
TENHO ciúme
Do ar que gira
E que respira
O teu perfume.
Tenho ciúme
Da luz que bebe
Nos olhos d'Hebe
O brando lume.
Tenho ciúme
Desse retiro
Que ouve o suspiro
Do teu queixume.
Tenho ciúme
Da flor, senhora,
Que em ti adora
Celeste nume.
Tenho ciúme
De quanto existe
Que me fez triste
E me consome.
Cidade do Rio, 25 de fevereiro de 1889.
DECEPÇÃO
ADEUS! Para sempre adeus!
Vou-me de ti; fica em paz.
Volva o riso aos olhos teus,
Não te verei nunca mais.
Adeus! Para sempre adeus!
Nem que teu semblante puro
Perpasse ante os olhos meus,
Não te verei: eu te juro.
Adeus! Para sempre adeus!
De minh'alma a luz cegaste;
A virgem dos sonhos meus
Tu brincando a trucidaste.
Adeus! Para sempre adeus!
Encantos que me enlevaram
Tua beleza, perdeu-os,
Que olhos d'outrem profanaram.
Adeus! Para sempre adeus!
Foste um anjo, uma visão.
Agora aos olhos ateus
Sombra és tu de uma ilusão.
Para sempre adeus! Repousa
Quem fui no que sou em paz.
Lê nesta fronte que é lousa:
"Morreu sua alma. Aqui jaz".
NORMA
(A LAGRANOE)
TODA a harmonia sublime
Tem uma tecla, uma fibra,
Uma palavra que a exprime,
Corda suave que vibra.
Canta o poeta na lira,
Na praia a vaga suspira,
Gemendo soluça o vento
Dos mares na solidão;
Mas a ti por instrumento
Deu-te Deus o coração.
Nessa harpa do sentimento
Todas as vozes são hinos,
Transforma-se o pensamento
Em mil poemas divinos.
Quando tua alma celeste
Formas do génio reveste,
Há no canto um drama vivo,
Cada som cria uma ideia,
E com teu gesto incisivo
Escreves uma epopeia.
GILDA
(A LAGRANGE)
Eu TENHO visto sorrisos
Brilhar num rosto gentil;
Tenho ouvido as melodias
Do céu em noite de abril.
Mas sorrisos-melodia,
Que brincam numa volata,
Ou melodias-sorriso
Como o teu lábio desata;
Sorrisos que são gorjeios.
Melodias que têm cor,
Som e luz cristalizados
Em um êxtase de amor;
Pérolas que se desfiam
No trinado que cintila,
Eflúvios que se congelam
Numa flor ou voz que trila;
Ondas de pura harmonia,
Que borbulham num arpejo,
Notas que a boca desfolha
Soltas nas asas de um beijo,
Destes sorrisos sonoros,
Que os olhos podem ouvir,
Que sem olhos podem ver-se,
Só tu os; sabes sorrir.
"Dl TE SCORDARMI"
(A CHARTON)
SOLTA do lábio inspirado
Essa palavra sublime!
Tanto amor como ela exprime
Nunca mulher o sentiu:
Nunca! Teu lábio mentiu.
Quando a voz num grito d'alma
Convulsa te parte o seio,
Hesito, e eu mesmo creio
Nessa divina mentira
Que o génio d'arte te inspira.
Mas se contemplo outra imagem
Esquecida por momento,
Como pode o pensamento
Conceber tanta paixão
Em corpo sem coração?...
OLHOS NEGROS
EU TENHO meus olhos negros
Desta minh'alma o condão,
É por eles que inda vivo
E que morro de paixão.
São negros, negros, tão lindos!
Porém que maus que eles são!
Muito maus! Nunca me dizem
O que bem sabem dizer;
Não me dão uma esperança
E nem ma deixam perder;
Andam sempre me enganando,
Têm gosto em ver-me sofrer.
Por mais terno que os suplique,
Não se condoem de mim;
Às vezes fitam-me a furto,
Porém nunca dizem sim.
Ah! olhos negros tão maus,
Nunca vi outros assim.
Não quero mais estes olhos!
Amo agora umas estrelas
Que brilham num céu de anil;
Sem receio de ofendê-las,
Bebo a luz dos olhos seus;
Só vivo agora de vê-las.
POESIA – Revista do Clube de Poesia de São Paulo. – No. 2 São Paulo: junho de 1978. Diretor Geraldo Pinto Rodrigues. 95 p
Ex. bibl. Antonio Miranda
ESTRELA DA TARDE
Boa noite, minha estrela!
Vem consolar-me, estou triste,
Volve a face: — quero vê-la...
Ontem, má, nem me sorriste!
Por entre as alvas cortinas
Das nuvens no branco seio
A meiga fronte reclinas
Sempre com tanto receio!
Os anjos puros de Deus
Amam, pesar dos inocentes;
mas tu nem dos olhos meus
A meiga prece consentes.
Em que ofende o olhar
Que só de longe te importa?
Ao menos deixar de amar
Não ames, estrela, embora.
Já é tarde... Vais dormir?
Adeus, mas volta amanhã...
Ah! foges sem me sorrir!
Boa noite minha irmã!
Página publicada em agosto de 2013.
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