José da CRUZ FILHO
(1894-1974)
José da CRUZ FILHO - Nasceu em Canindé, 16 de outubro de 1894, filho de José Joaquim Cordeiro da Cruz - Júnior e Maria Rocha Cruz. Estudou no Colégio Santo Antônio, dos padres capuchinhos, e ali iniciou, anos depois, sua atividade de Professor. Jornalista, fundou “O Canindé”, o primeiro Jornal publicado na cidade; colaborou também no “Correio de Canindé”, “Imprensa” (nos quais publicou seus primeiros poemas), “Fortaleza”, “Terra da Luz” (Fortaleza), “Álbum Imperial” (São Paulo) e “Fon-Fon” (Rio de Janeiro). Em 1918, em Fortaleza, integrou a Diretoria da Associação dos Homens de Letras do Ceará. Em 1922 foi admitido na Academia Cearense de Letras. Substituiu o Padre Antônio Tomás como Príncipe dos Poetas Cearenses. Foi Inspetor-Escolar, Professor. de português e Literatura do Liceu do Ceará, Diretor-geral da Secretaria do Interior e Justiça, Oficial de Gabinete do Governador Justiniano de Serpa, Secretário da Faculdade de Direito do Ceará e Diretor da Hospedaria Getúlio Vargas. Poeta e contista, publicou: Poemas dos Belos Dias (1924), Poesia (1949), O Soneto (1961, Organizações Simões, Rio de Janeiro), Toda Musa (poesia completa, 1965) e História de Trancoso (1971). Autor também de uma Pequena História do Ceará, de cunho didático, cuja primeira edição data de 1931: Usou os pseudônimos de Caio Flávio 2L C. H. Bento da Silva, César Tigre, Climério Várzea, João das Emas Muniz e Manfrido Rutilio. Morreu em 24 de agosto de 1974. Fonte:1001 Cearenses Notáveis-F. Silva Nobre.
Obra poética: Poemas dos Belos Dias. Fortaleza, 1924; Poesia (seleção do livro anterior e mais Taça de Ambrósia e Lira de Orfeu. Fortaleza, 1949.
A ILUSÃO DO SAPO
A Alf. Castro
Aos pinchos, pela sombra, indolente e moroso,
O batráquio estacou do grande poço à borda,
E um momento quedou, como quem se recorda,
Surpreso ante a visão do tanque silencioso.
Ao fundo, onde do céu, que de nuvens se borda,
Reflexa a imagem vê — pelo céu luminoso
Vê da Lua pairar o áureo disco radioso:
E o disforme animal de júbilo transborda...
Um momento quedou, mudo e perplexo. Ao centro,
A tentá-lo, a ilusão do astro de ouro flutua,
E o monstro eis que se arroja, a súbitas, lá dentro!
E a água convulsionou-se entre encíclicas ondeante,
Num naufrágio de luz em que perece a Lua
Dissolvida em rubis, topázios e diamantes.
SONETO A VULDA
Viverei! Voltarei, belo Sol, que me douras,
Inda a viver aqui, sobre o solo em que vivo:
Meu ser reintegrar-se-á reposto e redivivo,
Com cambiantes feições, pelas eras vindouras.
O cérebro, onde, ó Sol, flâmeos dons entesouras
É que em mim faz radiar o mundo subjetivo,
Inda após ter tornado ao telúrico arquivo,
Há de à luz ressurgir em pulcras fontes louras.
Hei de eterno vibrar na Natureza eterna.
Sempre a despir inquieto a forma transitória
E sempre a renascer, como a serpe de Lerna.
Mas, entre mutações, eclipses e lampejos,
Comigo levarei, ó Vulda, na memória,
Teus olhos, teu amor, teus espasmos, teus beijos...
REZENDE, Edgar. O Brasil que os poetas cantam. 2ª ed. revista e comentada. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1958. 460 p. 15 x 23 cm. Capa dura. Ex. bibl. Antonio Miranda
CANINDÉ
Minha aldeia natal, quantas recordações,
Hoje, ao volver a ti, vêm receber-me à porta!
Em vez de um coração, sinto dez corações,
Que te entoam seu hino alvissareiro...
Dêste morro fronteiro
Vejo-te o casario,
Disposto na planície, todo branco,
À orla esquerda do rio,
Que te estreita lascivo o esbelto flanco.
Esparsa no teu vale pinturesco,
Sob êste céu translúcido e macio,
Guardas, no teu desenho ruisdaelesco,
Algo daquela poética Belém
Pintada nos presépios de Natal.
A imitação de Alberto de Oliveira
Ante à pátria visão do Palmital,
Irrompe-me do peito e aos lábios vem,
Ao repisar-te a patriarcal soleira,
Êste grito de júbilo filial,
Num soluço de amor que parece um gorgeio:
— "Meu doce Canindé, eis-me em teu seio!"
Já da tua basílica saudosa
O altaneiro zimbório se arredonda
Ao fundo do horizonte côr de anil;
E, entre os rumores da manhã radiosa,
Aos meus ouvidos vens, numa inefável onda
De cristalinos
Trinos,
O cântico de bronze dos teus sinos,
Qual amoroso arrulho feminil...
Mais além, sobre a plácida eminência,
Da linda ermida o vulto solitário
Levanta a sua torre para o céu,
Como que a relembrar-lhe, em confidência,
A pena que sofreu sobre o monte Calvário
O seu ídolo Acréu.
O mosteiro dos padres franciscanos,
Que domina a cidade ensoalheirada,
Do quadrante do Sul,
De São Francisco a lenda sublimada,
Reflorida de feitos sôbre-humanos,
Relata ao céu azul.
Não longe (a dor no coração recalco!)
Sobre a planura de socalco,
Entre os seus lírios roxos
Avulta, qual vazio falanstério,
Triste, sombria, a sós,
Sob a guarda dos mochos,
A cidade feral do Cemitério
Onde dormem meus pais e meus avós.
Minha aldeia gentil!
Vejo-te a rir do alto dos teus outeiros,
Dos telhados vermelhos dos teus prédios,
Do mádido verdor, das tuas quintas e hortas,
Com o teu recato mulheril;
Já me acenam, de longe, os teus coqueiros,
A modular doridos epicédios,
Que parecem falar de mil cousas já mortas,
Na beleza e esplendor desta manhã de abril...
Página publicada em agosto de 2015; AMPLIADA em dezembro de 2019
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