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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 





JOSÉ ALCIDES PINTO

(1923  -2008)

 

Ficcionista e poeta, nasceu em São Francisco do Estreito, distrito de Santana do Acaraú, no Ceará. Diplomou-se em Jornalismo pela Faculdade Nacional de Filosofia da antiga Universidade do Brasil e em Biblioteconomia pela Biblioteca Nacional.

 

Participou de antologias nacionais e estran­geiras. Ganhador de vários prêmios, entre eles o Prêmio Nacional da Petrobrás, na categoria conto, 1988, e o Grande Prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), 1999. Foi pro­fessor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Universida­de Federal do Ceará. Tem livros publicados na área do romance, novela, conto, teatro, poesia e crítica literária. É considerado um poeta de vanguarda e experimental.

 

 José Lemos Monteiro, escri­tor e professor da UFC, escreveu um longo estudo sobre sua obra poética, intitulado O universo mí(s)tico de José Aleides Pinto publica­do pela Imprensa Universitária, em 1979, e que se constitui a pri­meira fonte importante de pesquisa de sua poesia, ao lado do livro A voz interior em José Alcides Pinto, do psiquiatra e poeta Carlos Lopes. Fortaleza. Edição do Autor, 1989; bem como um longo ensaio de Nelly Novaes Coelho – Erotismo, satanismo, loucura, na poesia de José Alcides Pinto Fortaleza, IOCE, 1984. Em 1996, o es­critor Floriano Martins organizou uma antologia crítica da obra de José Alcides Pinto - Fúrias do oráculo, editada pela Universidade Federal do Ceará. Também o professor e escritor Paulo de Tarso (Pardal), publicou um ensaio crítico intitulado O espaço alucinante de José Alcides Pinto, Edições da Universidade Federal do Ceará, 1999. A Editora GRD, Rio, editou em 1996 "Cantos de Lúcifer" (Poemas Reunidos), com prefácio de Cassiano Ricardo; e a Im­prensa Oficial do Ceará (IOCE), em 1984 lançou ''Antologia Poé­tica", organizada pelo crítico Rogaciano Leite Filho.

 

 “Com uma vasta, vária produção, de Noções de Poesia e Arte (Pongetti, Rio, 1952) até  A Divina Relação do Corpo (Ed. Do Autor, Fortaleza, 1991) construiu um obra vertical, em iterativa mas proteica, perfeita interação entre sua messe literária e os fenõmemos criativos” (...) Conhec´´i-o em 1956, quando nos trouxe a poesia concreta, pioneiro, assim revelando sua vulnerabilidade ao novo. Começou então a “Tirar das palavras todo sortilégio””.

PEDRO HENRIQUE SARAIVA LEÃO.

 

A respeito do poeta e sua obra as coisas até hoje ditas pela crítica são, já,  o suficiente para uma definição justa e clara. Que melhor observação poderia eu aduzir diante da de Gilberto Amado, o mestre inconfundível? "concretismo, pós-surrealismo, qualquer que seja o rótulo (palavras do autor de "Dança Sobre o Abismo") seus poemas rápidos, intensos, são poesia ressoante, reveladora do seu talento admirável."     

CASSIANO RICARDO, 1966.

 

OBS: veja um poema concreto de José Alcides Pinto em Poesia Visual.

 

 

 

PINTO, José AlcidesAs tágides.  São Paulo: Edições G.R.D., 2001.  99 p.  14,5x21,5 cm  “ José Alcides Pinto “  Ex. bibl. Antonio Miranda

 

EU

 

Eu sou eu. Íntegro e inviolável dentro

          de mim mesmo.

O que não se descobre. Anónimo sob

          minha própria espinha.

Atual em minha sombra incorpórea, sem

          faltar um só de meus gestos físicos.

Eu sou eu. O fantasma de preto escanchado
          no arame do quintal,

sob a sombra das árvores e sob a

          sombra da lua

misteriosamente colhendo o silêncio com

          as mãos invisíveis e

tecendo uma mortalha com o nó dos dedos

          para vestir o próprio corpo.

Eu sou eu. O retraio destituído de vida.

          O gesto estático.

O que está no limiar e afogado no abismo.

O que anda vestido e nu, sendo louco e poeta.

Eu sou eu e sozinho. Diverso sobre mim

          e sob eu mesmo.

Oculto e visível como a lua caída no poço.

Proclamado como o homem dentro da praça,

          no meeting,

sacudindo com os gestos da boca palavras
          secas nos olhos da multidão.

Intocável e impossível como o que não se
          conhece e não morre.

 

 

 

 

SEGUNDO CANTO REINO INFERIOR

 

Aqui sobre meu colo esta cabeça frágil de criança, podre como uma flor no esterco. Oh! que odor amargo. Posso virar um corvo e avançar sobre seus olhos. Esconde. Eu te rogo. Ou a piso insensível como se fosse uma sombra. Que o mar a atinja, não. Evidentemente tua raça me destrói. Sim, tu nas­ceste sob o signo esquerdo da desgraça, só, como eu; apenas um enorme astro, lá, muito alto, revolvia com furor as águas. Não te ouço. Teu sangue não corresponde ao meu vício. E sua

circulação é lenta e pesada como o giro da água estagnada.Foge para o centro da terra. Aprofunda-te até o inferno, ó filha querida de Lúcifer. Adeus, meu adorado anjo.

 

 

 

NOSSO AMOR

 

O amor está no arco-íris e no fim da tarde.

Está no teu olhar e nos cabelos negros

que às vezes se enrolam como tranças

e me prendem ao teu corpo como um feitiço.

O amor está no eclipse do sol e no meio da rua.

N a madrugada, no vento, na chuva, no vôo da ave

perdida na tempestade à procura do ninho.

O amor está em mim e em ti, em nossa pele

como grafite no muro que o tempo não apaga.

Está no pergaminho de nossas mãos.

N o primeiro olhar e no primeiro beijo que me deste.

Está no perfume da flor, na música das estrelas.

Em nossos corpos unidos na agonia do sexo.

 

 

EXERCÍCIO RIMÁRIO
(uma seleção)


A Antônio Justa e Agenor Ribeiro

 

1

 

Faço o poema

do ouro

da asa do besouro.

 

Do couro

do boi

do eco do aboio.

 

Do pentelho

(dourado)

da puta do soldado.

 

 

2

 

Faço o poema

 (fecundo)

abstrato, oriundo.

 

Que fale do minuto

o tempo

do segundo.

 

Com os pratos

na mesa

as rosas de Teresa.

 

 

3

 

Faço o poema

do adejo

da asa, do harpejo.

 

Da lira

do coração

do sangue do pulmão.

 

Com a sina

na mão

a formiga no chão.

 

Faço o poema

do vento

que invento.

 

Uma estrofe

vencida

de paixão esquecida.

 

Do rastro

imantado

do touro encantado.

 

Um poema

(vesano)

de ódio ao tirano.

 

Do espasmo

da dor

uma ode de amor.

 

 

4

 

Faço o poema

da grandeza

da natureza.

 

Da angústia

do grito

na asa do infinito.

 

No escuro

em segredo

o poema do medo.

 

Com medo

de morrer

preguiça de escrever.

 

Vou levando

o poema

arrastando o dilema.

 

Deitado

nas estrelas

enfarado de vê-las

 

em seu brilho

profundo

seu amor iracundo

 

a tudo que inexiste

ou se supõe:

existe.

 

Infenso ao calor

abrasado

de amor.

 

 

5

 

Quando as sombras

limitam

e os fantasmas levitam.

 

Quando os gritos

dos loucos

tornam-se mais roucos.

 

O poema da magia

que há

na face fria

 

de quem viveu

penando

de quem morreu rezando.

 

Com os laços

cordiais

das doenças fatais.

 

Com a sorte

na mão

a danação do cão.

 

Com a mãe e a filha

o pai

de família.

 

Com o amigo

(o abrigo)

o punhal do inimigo.

 

O poema

que quiser

do jeito que vier.

 

Se for torto

endireito

se for comprido estreito.

 

Se for curto

encomprido:

aparo, emendo, estiro.

 

 

6

 

Faço um pacto

de amor

da flor com o beija-flor.

 

Que fale

do queixume

e exalte o ciúme.

 

Um poema

de mim

sem começo nem fim.

 

Fácil de decorar

difícil

de imitar.

 

É visível

(e opaco)

invisível e compacto.

 

 

7

 

Com a fêmea

no cio

a messe do estio.

 

Com a distância

da milha

o calor da virilha.

 

Com a dor do impotente

os trapos

do indigente.

 

A memória

inconstante

o pensamento distante.

 

Sou pária

(vagabundo)

vagando nesse mundo.

 

 

8

 

Faço o verso

ligeiro

na direção do ponteiro

 

do segundo

ao minuto

um verso muito curto.

 

Que você

possa ver

e seu vizinho ler.

 

Sem multiplicidade

maior

dificuldade.

 

Escrevendo

com jeito

anotando os defeitos.

 

Com o gume

da faca

o morto na maca.

 

Pois de morte

(absorto)

vivo e vivo morto.

 

E como não sou

(nem fui)

nem serei - se conclui

 

por acaso

 (ventura?)

minha desventura.

 


Extraído de:
2011 CALENDÁRIO   poetas     antologia
Jaboatão dos Guararapes, PE: Editora Guararapes EGM, 2010.
Editor: Edson Guedes de Morais

/ Caixa de cartão duro com 12 conjuntos de poemas, um para cada mês do ano. Os poetas incluídos pelo mês de seu aniversário. Inclui efígie e um poema de cada poeta, escolhidos entre os clássicos e os contemporâneos do Brasil, e alguns de Portugal. Produção artesanal.

 

PINTO, José Alcides.  Cantos de Lúcifer.  Poemas completos. Rio de Janeiro: Edições GRD, 1966.  153 p.  14x21 cm.  “ José Alcides Pinto “ Ex. bibl. Antonio Miranda

 

O OBJETO PRECARIO

 

          A Carlos Pontes

 

Objeto sem sonho

incolor, feroz:

num silêncio de susto

onde destímido rato

entre fantasmas gerado

em estações de medo

entre fantasmas vive.

Como o luar, a fruta

a flor, o cemitério

tudo de pânico vestido

à presença da morte

no mistério da noite

 

 

POEMA

 

Teu riso limitado

claro como o canto

e vivo como o olho.

Teu mundo recluso

entre objetos tristes

de uso particular, doméstico.

Uma xícara, urna toalha, um verso

tocado por teus dedos sensíveis.

Teu lento morrer

na fruta à mesa

que não te atreves.

Teu pobre dia

tão curto e longo

que desconheço 

 

 

 

 

 

 

 

 
 
 
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