HARDI FILHO
(1934-2015)
Francisco Hardi Filho (Fortaleza, 5 de julho de 1934) foi um poeta, jornalista e ensaísta brasileiro, pertencente ao grupo CLIP da literatura dos anos 60 no estado do Piauí, região Nordeste do Brasil.
Intelectual do Ano em 1989, quando foi eleito para a Academia Piauiense de Letras. Colabora em verso e prosa nos jornais, revistas e livros do Piauí e de outros estados, desde a década de 60, época em que participou do grupo de autores que criou o CLIP (Círculo Literário Piauiense), movimento cultural com a finalidade de acompanhar e discutir os acontecimentos literários e políticos nacionais e locais.
Obras: Cinzas e Orvalhos (1964); Gruta Iluminada (1971); Poesia e Dor (1974 – Ensaio sobre Celso Pinheiro, poeta piauiense); Poesias de Desencanto e de Amor (1983); Teoria do Simples (1986); Cantovia (1986)
Poesia e Dor no Simbolismo de Celso Pinheiro (1987); Suicídio do Tempo (1991); Oliveira Neto (Ensaios – 1994); Estação 14 (1997); Veneno das Horas (2000); O Dedo do Homem (Diário – 2000).
POETAS DOS ANOS 30. Organizador: Joanyr de Oliveira. Brasília, DF: Thesaurus Editora, 2016. 380 p. ISBN 978-85-409-0409-5 Ex. bibl. Antonio Miranda
SONETO
Anjo menino, imagem de candura
infantil nas primícias da existência.
Decerto Deus não cria, com frequência,
tão meiga e tão formosa a criatura...
Menino anjo na santa inconsciência
de sê-lo, e ainda sem noção futura.
Ah! Como a luz divina se inaugura
dia a dia em teus olhos de inocência!
Anjo menino neste lindo agora
dos que te amam e sempre te darão
imensa estima pelo tempo afora.
Menino anjo tu és, e o teu verdor
humano nos repleta o coração
de vida e bem-humorado amor!
ESTRANHEZA
Estranha, essa distância que separa
a mente que está viva da que é morta;
estranha, essa aparência pouco clara
de quem passou sem que se abrisse porta.
Estranha, grave, felizmente rara,
essa visão dual que desconforta;
estranha, também, a esperança cara
que mal gerada em nosso peito aborta!
Estranha, essa emoção de eternidade
inteligente; e quanto ao fato bruto;
estranho, esse comum que persuade.
Estranha a calma estranha a cor de um luto
e estranha muito estranha, esta saudade
amarga em nós — antecipado fruto.
NUDEZ
estamos nus
e tentamos nos cobrir
com rezas regras e diários panos.
estamos nus e meio tortos
capacitados à opacidade
inconsequente de gestos restritos.
nossas mãos uma sobre a outra (ou sobre a Bíblia)
tentam uma proeza impossível:
esconder a flor ridícula
aqui nos conduziram
a ação mal cometida
a ração não dividida
a razão invertida
dos
comuns marginais corretos pobres ricos leigos e togados
estamos nus/carentes de nudez humana.
a faca do pudor nos rasga os olhos
e não cegamos
setas de culpa nos atravessam o coração
e não nos perdoamos
o raio da sentença nos atinge
e não morremos
estamos nus e imunes.
O GESTO INVICTO
não fosse a cinza do tempo
neblinando a memória dos detalhes
uma voz falaria de amor
— nascido somente tempestade
face única de mil veios
por onde bravamente se decifra
em chuva e vento, medo e desafio.
não fosse o pudor de descerrar
ao mundo a nua sensação de gozo
do coração que não deita e borda
um grito que longe se ouviria
por estranho e doce doeria
nos que amam somente por amar.
não fosse inútil o gesto invicto
guardião dessa pérola encravada
por escolha no silêncio da alma
do verdadeiro amante
não era a voz
não era o grito
era a extração
desse troféu
para exibi-lo
na vida e na morte
aos que não sabem
que são uma só coisa amor e céu!
ANTOLOGIA DE SONETOS PIAUIENSES [por] Félix Aires. [Teresina: 1972.] 218 p. Impresso no Senado Federal Centro Gráfico, Brasília. Ex. bibl. Antonio Miranda
INFÂNCIA
Tudo tem alma neste mundo, tudo!
Os animais e as árvores serenas,
Todas as coisas, grandes e pequenas,
Espírito hão de ter, embora mudo.
E essa certeza não me vem do estudo
Nem de sermões ouvidos em novenas,
Palpei esta verdade a duras penas
Num raciocínio demorado e agudo.
As pedras da montanha e as das estradas
Estas minhas irmãs cristalizadas
Possuem seus espíritos sutis...
Eis a razão por que entre os humanos,
Entre torpezas e traições e enganos,
Ainda consigo me sentir feliz!
*
Página ampliada e republicada em abril de 2023
Página publicada em janeiro de 2017