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FRANCISCO DE PAULA NEI

Extraído da obra de Fernando Jorge:
VIDA E POESIA DE OLAVO BILAC.

 

 

FRANCISCO DE PAULA NEI

 

Francisco de Paula Ney (Aracati, 2 de fevereiro de 1858 — Rio de Janeiro, 13 de novembro de 1897) foi um poeta, jornalista que marcou o boêmio Rio de Janeiro da belle époque. Era amigo de Aluízio Azevedo e Olavo Bilac.

 

 

 

SONETO

 

[dedicado a FORTALEZA, Ceará, Brasil]

 

Ao longe, em brancas praias embalada

Pelas ondas azuis dos verdes mares,

A Fortaleza, a loura desposada

Do sol, dormita à sombra dos palmares.

 

Loura de sol e branca de luares,

Como uma hóstia de luz cristalizada,

Entre verbenas e jardins pousada

Na brancura de místicos altares.

 

Lá canta em cada ramo um passarinho,

Há pipilos de amor em cada ninho,

Na solidão dos verdes matagais...

 

É minha terra! A terra de Iracema,

O decantado e esplêndido poema

De alegria e beleza universais!

 

 

A ABOLIÇÃO

 

A justiça de um povo generoso,

Pesando sobre a negra escravidão,

Esmagou-a de um modo glorioso,

Sufocando-a com a lei da Abolição.

 

Esse passado tétrico, horroroso,

Da mais nefanda e torpe instituição,

Rolou no chão, no abismo pavoroso,

Assombrado com a luz da Redenção.

 

Não mais dos homens os fatais horrores,

Não mais o vil zumbir das vergastadas,

Salpicando de sangue o chão e as flores.

 

Não mais escravos pelas esplanadas!

São todos livres! Não há mais senhores!

Foi-se a noite: só temos alvoradas!

 

SEM TÍTULO

Aquele piano, que ontem soluçava,
Triste e dolente, a doce cavatina
Dos teus olhos, oh! lânguida bonina,
Parecia uma órfã que chorava...

Parecia uma nuvem que espalhava
A branda luz da estrela matutina;
Parecia uma pomba que arrulhava
Na orla verde-negra da campina.

E eu chorava também... Tinha em meu peito
A dor da ausência, o perenal martírio
Dum grande amor passado e já desfeito!

Então, pedia às brisas que corriam,
Puras e leves, como o odor do lírio,
Para falar-te; e as brisas me fugiam...

 

 

A TRANÇA

Esta santa relíquia imaculada,
De teu saudoso amor, esta lembrança,
Da vida que fugiu, arrebatada,
Ligeira, como um sonho de criança,

Nos sonos de uma noite de bonança...
- Eu guardo, junto a mim, oh! noiva amada,
Enquanto minha vista não se cansa
De vê-la e adorá-la, extasiada!

Com o fio desta trança, tão escura,
Tão negra, sim - que até minha amargura
Lhe invejaria a cor - e tão macia...

Quais pétalas de rosa, eu teço, à noite,
Da viração sentindo o brando açoite,
- O epitáfio de minha campa fria!...

 

 

DE VIAGEM

Voa minh'alma, voa pelos ares,
Como o trapo de nuvem flutuante,
Vai perdida, sozinha e soluçante,
Distende as asas tuas sobre os mares!

Leva contigo os lânguidos cismares,
Que um dia acalentaste, delirante,
Como acalenta o vento roçagante,
A copa verde-negra dos palmares.

Atira tudo isso aos pés de Deus,
Lá onde brilha a luz e estão os céus
E virgens mil c'roadas de verbena.

Isto que já brilhou como uma estrela,
_ Adeus! dirás, só pertenceu a ela,
Corpo de um anjo, coração de hiena!

 

 

ADORAÇÃO

Tu és minha, afinal! Enfim, te vejo
Sobre os meus braços, lânguida, prostrada,
Enquanto em tua face, descorada,
Os lábios colo e sorvo-te num beijo.

Vibra em minh'alma o lúbrico desejo,
De assim gozar-te a sós, abandonada,
De sentir o que sentes, minha amada,
De escutar-te do peito o doce arpejo!

Quando, entretanto, eu sinto que teu seio
Palpita delirante em doido anseio,
Como a luz que do sol à terra emana,

Eu digo dentro em mim: se eu te manchara,
Se eu te manchara, Flor, ai! não te amara,
Oh! branca espuma da beleza humana!

 

 

 

Página publicada em abril de 2009


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