EVERARDO NORÕES
Everardo Norões nasceu na cidade de Crato, Ceará, EM 1944. Viveu na França, Argélia e Moçambique.
Obra poética: Poemas Argelinos (Ed. Pirata, 1981); Poemas (Fundação de Cultura da Cidade do Recife, 2000); Nas entrelinhas do mundo, em co-autoria (Ensol, 2002); Le tigri del Bengala - tradução de Emilio Coco Edizione Nuove Muse, S. Marco in Lamis, Itália, 2005).
Co-autor do texto da peça Auto das portas do Céu, de Ronaldo Brito. Organizou a obra completa de Joaquim Cardozo, que se encontra no prelo (Editora Nova Aguilar). Everardo Norões na Internet:
http://www.plataforma.paraapoesia.nom.br/everardon.htm
TEXTOS EN ESPAÑOL Y PORTUGUÉS
TEXTS IN ENGLISH & PORTUGUESE
POÈMES EN FRANÇAIS
Sertão
As nuvens são baixas,
mas alto é o céu.
O que parece passar,
permanece.
O verde, no cinza
se descobre.
A luz,
da escuridão se tece.
O verbo afia,
a faca desafia:
no oculto de mim,
tudo é Sertão.
Fractais
Pelo mergulho
das sombras
calculo o itinerário da luz.
Meço
os contornos de nossas ruínas
na matemática particular
dos desesperos.
Abro a janela
Da página do sonho:
Soletro devagar, o Aywu rapitá:
o ser do ser da palavra
(flor pronunciada
entre as estrelas.)
A noite
Desaba sobre as telhas
Na explosão de um meteoro.
Conto estilhaços,
recomponho parábolas:
um mínimo do que sou
lembra as fronteiras
do Universo.
De
NORÕES, Everardo. Retábulo de Jerônimo Bosch. Rio de Janeiro: 7Letras, 2008.
126 p. 13x20 cm. ISBN 978-85-7577-491-5
O peixe-homem fugiu da tela
através do azul-turquesa
de um quadro de Klee.
Desconhecia
as plantas do Jardim das Delícias,
as classificações botânicas,
os itinerários, a música da sala:
flutuou no ar.
Suas palavras
brilharam como esferas magnéticas.
E num farfalhar de águas,
desapareceu da tela
em direção ao retábulo
de São Jerônimo Bosch.
8
Voz movediça:
areia a escorrer entre as horas,
recolhida numa sombra
para ser escutada,
como se escuta uma luz,
arrefecida no silêncio da casa:
esvaída em cinza,
sumida
num monturo
de lembranças.
11
Para Luiz Arraes
O sentimento das pedras
entoava em nós
o cântico
de tua presença.
De dentro de suas paredes
as igrejas recitavam a promessa
de algum hino.
E as casas
rimavam cadeiras nas calçadas,
alpendres, sobrados, quintais.
Cidade sem muros:
só morada.
Aqui e ali,
pé de jasmim, fruta-pão,
fícus-benjamim.
Ninguém se atrevia
a duvidar do vento,
a incomodar a chuva.
O sol era mais sol
a fustigar nossa pele.
E as ruas,
com nomes de coisas,
mais humanas.
Mancha
Sob as palavras
tudo se transfigura:
a urze, a pedra, o horto.
As cabras pastam,
as vacas ruminam,
e é muito tarde
para rimar teu nome.
Sobre nós flutua
o encoberto,
nuvem suspensa
ao fio da saliva,
mancha de desterro.
Sob as palavras,
tudo se derrama,
como o leite
numa mesa de pensão.
Sesta
o galho de árvore
a penetrar na nuvem
pássaro a resvalar
no clarão da pele
lampejo de água
na chuva adormecida
sopro de luar
no cobre da bandeja
um sim dissimulado
na dobra do vestido
augúrio de festa
no aceso de dentro
molécula explodida
no cristal
da taça
De
A RUA DO PADRE INGLÊS
Rio de Janeiro: 7 Letras, 2006
ISBN 857 5777243-0
CEMITÉRIO DE MUCUGÊ
Do desterro de pedra,
contemplo
a pequena cidade muda.
Escalo seus andares,
a mão se fere nas cinzas
dos seus ossos.
A cal ofusca,
a nuvem cala:
nunca mais eu voltarei aqui.
Nunca mais eu voltarei aqui,
para despir a paz dos Meteoros:
o lume que se esconde nas aguadas,
o garimpo do corpo,
os epitáfios.
As bromélias sangram nos meus pés.
Avisto a lousa cega,
o muro descarnado.
Um bordado de letras — seus insetos —
o escalar das heras
nos portais.
Devo subir degraus,
sangrar os lábios,
resvalar pelas pedras meus pecados;
arrancar do umbigo das colinas,
a raiz do silêncio,
Teu mau-trato,
Do desterro de pedra
me contemplo:
urna luz repartida entre as ruínas,
um azul que alucina
as tuas águas...
O LICOR DO SEGREDO
Saber na boca
o licor do segredo,
como obscuro servo
no mais alto degredo.
Escalar o corpo
é redimir as cinzas,
mudar o fogo em sombras
desdobrar as ondas.
OS DADOS DO DÍA
Deduzem-se
os dados do dia
entre as garras do gamão.
Raro sopro de alegria
sôbolos rios que se vão.
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De
Everardo Norões
POEIRAS NA RÉSTIA
Rio de Janeiro: 7 Letras, 2010
Tiradeira de leite
entre os dedos
o fulgor do leite
filtra a desordem solar
o curral aprisiona
o sossego dos bichos
o negro viscoso do olho
a refletir vasilhas
o ramo da árvore
a sombra do regaço
cedo a manhã cheira
e tudo se acorda
na precisão do mato
ou do alento
que chega do açude
no remanso das entranhas
dessas nuvens lentas
lentas
lentas
lentas
Rimbaud matemático
Recompôs
todas as incógnitas
e com letras gregas
desvendou como
subjugar o infinito.
Depois,
armou-se
para o duelo:
anotou equações,
descreveu as curvas do sonho,
e aguardou a bala
para a conclusão
do último
teorema.
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TEXTOS EN ESPAÑOL Y PORTUGUÉS
Trad. de Mario Martinez Sobrino
Fractales / Fractais
Por la inmersión Pelo mergulho
de las sombras das sombras
calculo calculo
el itinerario de la luz. o itinerário da luz.
Mido los contornos de nuestras ruinas Meço os contornos de nossas ruínas
en la matemátaica particular na matemática particular
de las desesperaciones. dos desesperos.
Abro la ventana Abro a janela
de la página del sueño. da página do sonho:
Deletreo, despacio soletro, devagar,
el Aywu Rapitá: o Aywu Rapitá:
el ser del ser de la palabras, o ser do ser da palavra,
(flor pronunciada (flor pronunciada
entre las estrellas.) entre as estrelas).
La noche A noite
se derrumba sobre las tejas desaba sobre as telhas
en la explosión de un meteoro. na explosão de um meteoro.
Cuento esquirlas Conto estillaços,
recompongo parábolas: recomponho parábolas:
un mínimo de lo que soy um mínimo do que sou
recuerda las fronteras lembra as fronteiras
del Universo. do Universo.
Flamboyant
reviento arrebento
el corazón del verde o coração do verde
en esta tarde nesta tarde
es cuando el sol florece é quando o sol flora,
jaboticabas al pie jaboticabas no pé
maduro color del ojo madura cor do olho
divino divino
es un color indefinido é uma cor indefinida
hálito que no se describe hálito que não se descreve
sólo soy sou apenas
el encarnado o encarnado
reviento arrebento
el corazón del verde o coração do verde
y sangro e sangro
al ritmo regular ao ritmo regular
y persistente de la lluvia e persistente da chuva
entonces então
discurro al que pasa discurso ao que passa
sobre esta mancha sobre esta mancha
que ensucia que encarde
la avaricia de los días a avareza dos dias
soy sou
tan sólo la herida apenas a ferida
en lo alto de una tarde no alto de uma tarde
una corona de espinos uma coroa de espinhos
en el silencio no silêncio
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TEXTS IN ENGLISH & PORTUGUESE
Translation: Paul Webb
Disappeared / Os Desaparecidos
Their bodies did not yet number Seus corpos ainda não constavam
among the ranks of the disappeared: do rol dos desaparecidos:
there were no bruises, não havia os hematomas,
no blue blotches on the skin, nem as manchas azuis
no cut lips, nem os cortes nos lábios,
no evidence of pus. nem os sinais de pus.
Their groans Os gemidos
were mere whispers: eram apenas sussurros:
martyrs´ leaves folhas do martírio
kept behind closed walls. detrás dos muros.
There were no broken arm-bones, Não havia úmeros quebrados,
no collar-bones corroded by acid, nem clavícolas corroídas pelo ácido
in some far-off yard; num quintal distante;
no supine corpse nem as fotografias dos cadáveres,
uncovered for the camara lens. descobertos em decúbito dorsal.
Their bodies did not yet number Seus corpos ainda não constavam
among the ranks of the desappeared: do rol dos desaparecidos:
their names were not yet etched seus nomes não tinham
in the style they are now; a mesma caligrafia agora;
nor did newspaper pages nem havia o silêncio das lembranças
enwrap their silent memoirs. nas folhas do jornal.
(It was cold out (Fazia frio.
& pomegranates were out not yet in season. E como não era tempo de romãs,
Bread and oil havia apenas pão e azeite
on the table. sobre a mesa.
The bedside lamp E a lâmpada, à cabeceira,
always on). sempre acesa.
The Guava (Psidium guayava) Goiaba (Psidium guayaba)
The guava on the branch A goiaba no pé
suggests an act of theft: sugere o furto,
the attitude of a bow and arrow o gesto do arqueiro,
& all the illusions todas as ilusões da Fisica.
of Classical Physics.
A guava on the branch A goiaba no pé
lets down a ladder, desdobra escadas,
flings out ropes arremessa cordas
into the beyond. no infinito:
Yolky meteorite, meteorito amarelo
tossed before lançado
our urge for greed. em nossa gula.
Flying object De longe
from afar, objeto voado:
sofre o canário-da-terra.
the guava on the branch A goiaba no pé
itches us toward sin. atica o pecado.
POÈMES EN FRANÇAIS
Everardo Norões est né à Crato. Ceará. Exilé politique, il a vécu en France. en Algérie et au Mozambique. Il a publié - En poésie : Poemas argelinos (1981); Poemas (2000) ; Le tigri dei Bengala (traduit par Emilio Coco. 2005) ; A rua do Padre Inglês (2006). Des chroniques : Nas entrelinhas do mundo (en co-auteur, 2002). et la pièce de théâtre Auto das portas do Céu. avec Ronaldo Brito. II a organisé : Obra completa de Joaquim Cardozo (Rio de Janeiro : Nova Aguilar, sous presse); Estação Recife - coletânea poética, avec Pedro Américo de Farias et José Carlos Targino (2003-4). N a traduit en collaboration et organisé : lAntologia poética du Mexicain Carlos Pellicer (Recife : Ensol. 2006) et El rio hablador I 0 rio que fala - anthologie de la poésie péruvienne (Rio de Janeiro/Recife : 7Letras/Ensol, 2007). II a organisé et édité : Obra poética completa de Mauro Mota (Recife : Ensol. 2005). II a participé à l anthologie Imagem passa palavra (Porto : Projeto Identidades. 2004).
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RECIFE – UM OLHAR TRANSATLÂNTICO – NANTES - UN REGARD
TRANSATLANTIQUE –Antologia poética – Anthologie poétique. Organizada por
Heloisa Arcoverde de Morais e Magali Brazil, tradução Everardo Norões, Renaud
Barbaras. Recife: Fundação Cultural Cidade do Recife, 2007. 206 p. 15x20 cm. Inclui os poetas brasileiros: Alberto da Cunha Lima, Cida Pedrosa, Deborah Brennand, Erickon Luna, Esman Dias, Everardo Noröes, Jaci Bezerra, Lucila Nogueira, Marco Polo, Miró, Pedro Américo Farias. “ Ex. bibl. Antonio Miranda.
Vendredi 8
À nouveau
le vendredi a méprisé
la lucidité de la veille,
a aboli le confort
des remords perdus.
À nouveau,
il m'a dupé avec ses morceaux,
les photographies sur les étagères.
l'obstination des champignons
à ronger ce qui est resté
de la défunte semaine.
En cette fin d'après-midi,
oubliés dans les bureaux,
les couchants se cachent
de Recife.
Les tiroirs sont muets,
les mites se retirent
dans les plis des livres.
Seule l'ivresse
va et vient,
comme la mer,
dans la bouteille de rhum.
Sexta-Feira, 8
De novo
a sexta-feira desprezou
a lucidez da véspera,
aboliu o aconchego
dos remorsos perdidos.
De novo,
ludibrio-me com seus retalhos,
as fotografias nas estantes,
a obstinação dos fungos
a roerem o que sobrou
da finada semana.
Neste fim de tarde,
esquecidos nos escritórios,
os poentes se escondem
do Recife.
As gavetas estão mudas,
as traças se recolhem
às dobras do livro.
Apenas a ressaca
vem e volta,
como o mar,
na garrafa de rum.
La musique
À Isaac Duarte
Sans demander la permission,
elle s'insinue dans les pièces,
envahit les miroirs,
répand ses jarres de lumière.
Je la vois
dans les parterres de fleurs de la maison,
dans la netteté des broderies
de ma mère,
dans leclat de ton iris
quand les dieux descendent
pour boire la déraison
des eaux.
Ensuite.
elle se transforme en seins,
goyaves.
épis.
Et nue, s’endort,
pendant que la lune joue
entre mes doigts
et que des lézards
se promènent sur les pierres de la cour...
A música
Para Isaac Duarte
Sem pedir licença,
insinua-se pelos cômodos,
invade os espelhos,
derrama suas jarras de luz.
Vejo-a
pelos canteiros da casa,
|na nitidez dos bordados
de minha mãe,
no brilhar de tua íris
quando os deuses descem
para beber a insensatez
das águas.
Depois,
ela se transforma em seios,
goiabas,
espigas.
E nua, adormece,
enquanto a lua brinca
entre meus dedos
e lagartixas
passeiam pelas pedras do pátio...
Radicado no Recife, ele tem nove livros publicados e poemas traduzidos para o espanhol, inglês, francês, italiano, catalão e quéchua. Foi finalista do 56º Prêmio Jabuti e vencedor do Prêmio Portugal Telecom de Literatura em 2014, na categoria contos e crônicas, pelo livro de contos Entre moscas[1]. Além disso, o autor organizou o volume Joaquim Cardozo: poesia completa e prosa (2010) e coorganizou o livro El Rio Hablador / O rio que fala: antologia da poesia peruana (2007). Como tradutor, verteu para o português versos do poeta mexicano Carlos Pellicer e do poeta italiano Emilio Coco.
A MÚSICA
Sem pedir licença
insinua-se pelos cômodos,
invade os espelhos,
derramas suas jarras de luz.
Vejo-a
pelos canteiros da casa,
na nitidez dos bordados
de minha mãe,
no brilhar de tua íris
quando os deuses descem
para beber a insensatez
das águas.
Depois,
transforma-se em seios,
goiabas,
espigas.
E nua, adormece,
enquanto a lua brinca
entre meus dedos
e as lagartixas passeiam
pelas pedras do pátio...
A CONSTRUÇÃO
Por trás da poeira, a solidão
E os andaimes que descem na memória:
um espaço desnudo, sem história.
E as sombras do Mestre pelo chão.
O ferrolho a ranger, a porta aberta;
as pequenas lições de geometria.
Os passos das escadas. Sore a pia,
a mão lavando o pó da descoberta.
Os planos que se cruzam. O batente
do portão a se abrir ao Oriente;
o fantasma de mi dentro da sala.
O reboco caiado dos abismos.
Sobre as plantas, segredos e algarismos,
E o som da tua voz na minha fala.
*
VEJA e LEIA outros poetas de PERNAMBUCO em nosso Portal:
http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/pernambuco/pernambuco.html
Página publicada em maio de 2022
Página publicada em junho de 2009; ampliada e republicada em agosto 2010. ampliada em fevereiro de 2016
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