CLÁUDIO MARTINS
Poeta, pertence ao grupo Clã e à Academia Cearense de Letras. Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Ceará, o cidadão de Barbalha, Cláudio Martins, coleciona atividades as mais diversas em seu currículo. Notário Público da Comarca de Fortaleza, professor, poeta, escritor, homem público. Cláudio Martins fora secretário de governo em muitas administrações do Estado do Ceará. Foi titular da pasta da Fazenda a secretário de Educação, passando pelas pastas do Governo e Administração e da Saúde.
De
Cláudio Martins
RIMAS PRESAS
Fortaleza: Edições Clã, 1986.
1
Serei poeta, acaso, ou eu me engano
ao adentrar domínio de Petrarca?
Os versos que perpetro deixam marca
ou são só frutos pecos de um profano?
Decerto, sendo eu um ser humano
enteado da sorte, a velha Parca
não me revelaria o raro arcano
guardado por Camena em doce arca.
Mas no meu poetar vale o perigo
pois, na verdade, muito pouco ligo
ao preço que me cobra a vaidade.
E não me atinge um duro julgamento.
Liberto de censura e fingimento,
hei de fazer somente o que me agrade.
4
Vamos falar de amor, pra começar,
emprestando sentido ao conteúdo.
O amor pode ser nada ou mesmo tudo,
dependendo de como o encarar.
Falar do velho amor familiar
é pertinente, eu sei, mas não me iludo:
a espécie de amor a que aludo
não é aquela que constrói um lar.
É mais um laço que o acaso lança,
e quando homem e mulher o laço alcança
qualquer desfecho pode acontecer.
O primeiro sintoma é a cegueira,
depois uma mudança se aligeira,
sem que ninguém o possa remover.
24
Dizem que o amor é praga que só pega
quando rogada com sabedoria,
mas eu creio, nem acolheria
falso conceito, que a razão renega.
A verdadeira praga em si carrega
o travo da maldade, nua e fria.
O amor tem tudo isso mas varia
em pormenores que ninguém lhe nega.
A praga fere, amor fere e deleita,
a praga é sempre má, o amor enfeita
de cuidado e ciúme o que queremos.
Se nos pega uma praga, Deus ajuda,
mas se pega o amor, ninguém se iluda:
amando não importa se sofremos.
De
Cláudio Martins
SONETOS E TROVAS
Capa de Alberon
Fortaleza: Imprensa Universitária da U.F.C., 1981.
LAMENTO
Por que me queixo eu e me atormento
por não sentir-me amado, amando tanto?...
qual a razão de ser do desencanto
que me transforma a vida em desalento?
fazer-me uma exceção às vezes tento
e, cego e surdo, insisto na procura
da irreal perfeição, uma aventura
que mais e mais aumenta meu tormento.
Se a dúvida incomoda, o desalento,
quem sabe, insegurança, me amargura,
gerando a inquietude em que, sedento,
vou-me engolfando. Porém, só tortura
rende-me a busca vã, pois meu tormento
persiste, recrudesce e não tem cura
CONFESSO MINHA INVEJA...
Confesso minha inveja ao que acredita
numa vida futura, sem maldade,
vida pura, escudada na bondade,
imune às frustrações e à desdita.
Invejo o que aceita o sofrimento
como fato normal ou provação,
teste, mas necessário, condição
para junto aos eleitos ter assento.
Sofrer, e fazer disso o instrumento
da própria salvação, é desejável;
portanto, sinto inveja e me lamento,
pois que, em nada disso acreditando,
acresço a desventura inelutável
que esta descrença cruel vai agravando.
MARTINS, Cláudio. Reincidência: de Baudelaire a Petrarca. Fortaleza: UFC; Casa de José de Alencar, 1991. 164 p. “ Claudio Martins “ Ex. bibl. Antonio Miranda
Mundo vasto
Vasto mundo...
Vivendo uma pantomima,
simulo mais do que faço
e se acaso me embaraço,
a desfaçatez me arrima.
E faturando por cima,
não me rendo, não me maço,
não desprezo, nem abraço:
evito o que desanima.
Reforçando o aparato,
não me prendo, nem me privo,
não paro, porém não corro.
Finjo que mato e não mato,
finjo que vivo e não vivo,
finjo que morro e não morro.
Esforço vão
Não sei como vencer esta descrença
a que meu desespero me condena.
Eu vejo em toda parte indiferença
tal uma praga transmudada em pena.
Em meio a essa turbação imensa
envido esforços por tornar serena
a luta a que me voto, luta intensa
em prol duma vivência mais amena.
Esforço vão, eu sei. Infelizmente
o mundo me envolve na torrente
de egoísmos inimagináveis.
E ao intentar desse grilhão safar-me
mais a descrença insiste em castigar-me
tornando os desacertos infindáveis.
Página publicada em abril de 2010; ampliada e republicada em julho de 2014.
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