CARLOS VAZCONCELOS
O autor cursou Letras na Universidade Estadual do Ceará (UECE) e Mestrado em Literatura Comparada na Universidade Federal do Ceará (UFC). Publicou Mundo dos vivos (2008) e Os dias roubados (2013). Apresenta o projeto Bazar de Letras (SESC).
Para MAMÍFEROS. N. 4, 2017. Fortaleza, CE: CTP Impressão e Acamaento, 2017. Editores Glauco Sobreira, Jesus Irajacy, Pedro Salgueiro, Francisco Siqueira, O Poeta de Meia Tijela. Jornalista responsável: Nerilson Moreira. ISSN 2176-2805
Depois da Aurora
Ora, quando dei por mim
o mato já estava alto
e minha alma mergulhada
na floresta do insensato
Quando quis olhar pra fora
não vi o verde que havia
as janelas se fecharam
sobre a varanda do dia
Depois veio tempestade
não quis saber de alegria
quando a lua me chamava
eu fingia que não via
Fazia dos meus poemas
a minha biografia
da minha maior mentira
frase para a laje fria
Demorou, ressuscitei
com a chegada da Aurora
o que antes era século
tornou-se fração de hora
Depois da noite ela veio
como quem não vai ficar
inconstante, imprevisível
feito as ondas desse mar
Relatos de uma noite mal dormida
A cadeira de balanço do meu avô
ainda range sobre os tacos de madeira.
Lá fora, os pregões ainda vêm da feira,
quentando o alumínio frio da chaleira.
O candelabro reina ente os castiçais.
Cômodas incômodas em seus cantos seculares.
Alcovas alcoviteiras retêm segredos.
Maçanetas maçantes nunca mais abriram o dia.
Criados-mudos soletram versos parnasianos.
O lampião de gás adormece o fogo fugaz.
A cama de cedro dorme tarde acorda cedo.
O baú sobrenatural esconde babaus.
A lareira não acende mais fogueira.
O relógio de parede emparedou-se no tempo.
O chapéu e a bengala esperam a festa de gala.
O sino, em sua sina, faz o sinal da cruz.
O telhado da estalagem estala últimos suspiros.
O ferrolho enferrujado fecha o passado.
O pó do porão encerra o poema.
Página publicada em fevereiro de 2018
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