Imagem extraída de: 2011 CALENDÁRIO poetas antologia
Jaboatão dos Guararapes, PE: Editora Guararapes EGM, 2010.
Editor: Edson Guedes de Morais
ARTUR EDUARDO BENEVIDES
(1923-2014)
(Pacatuba, Ceará, 1923) é poeta, ensaísta e contista brasileiro, com mais de quarenta livros publicados. Foi eleito, em 1985, o Príncipe dos Poetas Cearenses, título já detido pelo Padre Antônio Tomás, por Cruz Filho e por Jáder de Carvalho. Bacharel em Direito e em Letras, foi professor titular da Universidade Federal do Ceará.
É membro da Academia Cearense de Letras, tendo sido seu presidente entre 1995 e 2005); da Academia Cearense de Língua Portuguesa e da Academia Fortalezense de Letras, integrante, também, do Grupo Clã. Em 2000 foi derrotado em eleição para a Academia Brasileira de Letras pelo escritor Ivan Junqueira.
Artur Eduardo Benevides é vencedor de mais de trinta prêmios literários, destacando-se a Bienal Nestlé de Literatura, em 1988. Para comemorar os 80 anos do poeta, em 2003, o escritor José Luís Lira escreveu o livro "O Poeta do Ceará - Artur Eduardo Benevides", com sua biografia e trechos principais de sua obra. O livro saiu com o selo da Academia Fortalezense de Letras, da qual José Lira é fundador juntamente com Matusahila Santiago e Artur Eduardo Benevides o Presidente de Honra. Fonte: wikipedia
De
Artur Eduardo Benevides
NOTURNOS DE MUCURIPE &
POEMAS DE ÊXTASE E ABISMO
Fortaleza: UFC / Casa de José de Alencar, 1996
SETE HAICAIS
Memória
Frio e solidão!
Lembro uma tarde em setembro.
Esperei-te, em vão.
Momento
Vento leve passa.
E na lenta hora cinzenta
Minha dor te abraça.
Revelação
A menina ri.
Tudo leve, vida breve.
Nasce um sonho aqui.
Suavidade
Borboleta voa
No estio, sobre o rio.
Tão gentil, tão boa!
Conselho
Se saudade vem
Mais cuidado com teu fado!
Chega a dor, também.
Inconformado
Quanta ingratidão!
Em teu encanto que é tanto
Só me dizes – não!
De
Artur Eduardo Benevides
ELEGIAS DE OUTONO E
CANÇÕES DE MUITO AMAR E DE ADEUS
Fortaleza: edição do autor, 1974
Tu
Fui teu confidente.
Um dia, foste a poesia.
Como dois, ausente!
Ai tempos de amar-se, ai velhas ladainhas,
ai voz de minha mãe em preces marianas,
e sinos pela tarde, e noites cordiais,
e um suave e distante rumor de cachoeira.
Ó noites de inverno, ó chuva
batendo nos telhados – e nós
prisioneiros na sala de visitas
enquanto nossos pais ouviam
gramofones.
(Velhas Vienas
doces Danúbios
andorinhas d’Áustria!)
Eram noites difíceis. Pensávamos na morte
e tínhamos pavor de entrar sozinhos
no quarto dos espelhos.
Só a paz estava lá, a paz que não trouxemos,
ricordanza, balada, adeus, flor e poema.
ó mundo antigo!
ó serenatas e cabriolés!
Mas o tempo nos deu os seus esquifes
e enigmas vieram – fios de navalha
cortando nossa face pesada de exílios.
Em memória me levanto
para saudar-te, tempo,
(dimensão obscura)
canção
sobre nossa sepultura
AS IRMÃS FLORÊNCIO
I
Eram quatro as irmãs. Todas de branco,
Saíam cada tarde para a igreja.
Caminhavam sorrindo, com leveza.
Suas almas aos céus já haviam dado.
Eram quatro as irmãs. O mesmo porte,
A mesma face humilde e delicada,
O mesmo passo incerto, mas confiante,
Levemente tocando na calçada.
De casa minha mãe lhes acenava
E todos lhes sorriam a qualquer hora,
Saudando nos seus olhos a bondade.
Passados e perdidos tantos anos,
Em puro amor relembro-as, com saudade,
Vendo-s ternas e tristes como os anjos.
II
Nem sei mais os seus nomes. Elas eram
Quatro moças a sós com o compromisso
De nunca procurar do amor os riscos
E ao Cristo se ofertaram e tudo deram.
Eram ingênuas e castas como rosas,
Eram frutos que a mão de Deus tocava,
Eram doces e frágeis e rezavam,
Eram pobres, mas cheias de doçura.
Eu ficava na rua para vê-las
E seus olhos brilhavam como estrelas,
Sob a lívida luz das tardes calmas.
Recordando do tempo os verdes anos,
Entendo que elas foram belas almas
Que nasceram na terra por engano.
BENAVIDES, Artur Eduardo. Soneto à beira-mar. Jaboatão, PE: Editora Guararapes EGM, 2015. 16 p. 20x12,5 cm. ilus. col. Editor: Edson Guedes de Morais. Edição artesanal, tiragem limitadíssima. Ex. bibl. Antonio Miranda. Veje o e-book: https://issuu.com/antoniomiranda/docs/artur_eduardo_benevides
REVISTA DE POESIA E CRÍTICA - Ano V - No. 7. Brasília, 1981. Diretor Responsável: José Jézer de Oliveira
Ex.. bibl. Antonio Miranda
CINCO SONETOS DO POEMA "HOMENAGEM A CAMÕES"
ARTUR EDUARDO BENEVIDES
I
Perdoa, meu Camões, se este cantor,
Este que agora aqui busca cumprir-se,
Entendeu de entender-te e fez abrir-se
Teu verso de claríssimo lavor.
Teu verso, meu Camões, que ao referir-se
Aos encantos do ledo e puro amor,
Refulge e belo vem com tal fervor
Que toca o coração e o faz ungir-se.
Em sonetos quisera celebrar-te
Por tudo o que escreveste no estandarte
Com que se lança o amor em desatino.
Entanto, se mais falo, menos digo,
Pois tudo já disseste. E então prossigo,
Teu canto a renovar no meu destino.
II
Há quatrocentos anos tu morrias.
Que digo eu? Por certo não morreste.
Deixaste de sofrer o que sofreste
E foste luz na Terra, pelos dias.
Quem louva Portugal, nas alegrias
Ou nas mágoas do povo em que tu creste
A ti também te louva e não perdeste
O grande amor da pátria se partias.
A pátria renasceu com tua glória.
Se morta estava, amando-te, viveu,
Indo a novos caminhos pela História.
Contudo, algo mais alto aconteceu:
Foi ver-te humildemente na vitória
Sobre o tempo que alfim te obedeceu.
III
Na linda e doce Inês posta em sossego
Mais aumentas os dons da eternidade
E sabes que teus versos, na verdade,
Nos dão do claro amor ardente ofego.
Se belas são as luas do Mondego, Se trazem sobre o rio a claridade, Mais belos são teus versos de saudade A que, se dor me vem, sempre me achego.
E vês novos sete anos de pastor
Novas almas gentis que se partiram
E falas com o poder de Adamastor.
Tudo fazes. E as cousas que sumiram
Retornam com mais graça e com mais cor
Nas rimas que em teus prantos refloriram.
VII
Sabemos, meu Camões, o que restou
De todo o engenho e arte na poesia.
Teu verso está mais claro a cada dia
E nele o amor mais jovem se tornou.
És a voz que nos chama e que nos guia
E que tanto caminho iluminou.
Se vai veloz o tempo, e já passou,
Mais novo tu ficaste, em mais mestria.
És o poeta imortal e com certeza
Brilhas, qual sol, na língua portuguesa,
Em teu trovar pungente e peregrino.
E se mais tempo houvera conquistaras
Novos cultos de um deus por sobre as aras
Qual se fora de um rei o teu destino.
IX
Singular no esplendor, mais alto ficas
Nas almas que de amor colhem tristeza
Ou naquelas que abrigam-se à beleza
Da ditosa nação que glorificas.
Em ti tudo é sublime e tem grandeza.
És o génio maior e nos indicas
Os caminhos do tempo e nos suplicas
Que sigamos do eterno a correnteza.
Nos insossegos teus, na desventura
Das batalhas e penas que sofreste,
Teus amores louvaste com brandura.
Mas louvaste-os tão bem que vivos são
E mesmo o mais humilde, que esqueceste,
Refulge, como estrela, em solidão.
REVISTA DE POESIA E CRÍTICA No. 17 – Brasília – São Paulo – Rio -
Setembro 1993 Conselho Diretor: Afranio Zuccolotto, Cyro Pimentel, Waldemar Lopes. 112 p.
Ex. doação do livreiro Brito – DF
ELEGIA PARA UM PÁSSARO ADORMECIDO
1.
Péricles Eugênio da Silva Ramos.
Gravo aqui o seu nome, mas nunca nos falamos.
Contemplei-o de longe, em seu sóbrio trovar
para Musas reclusas na Estrela Polar.
Num sol sem tempo, em floral lamentação,
foi cigarra a louvar intérmino verão.
Foi um velho argonauta a procurar
périplos perdidos sobre o Mar.
Ou as cousas que seriam, talvez, em dor extrema,
um retângulo azul nas tardes do poema.
2.
Peregrinando a sós, por velhas praças,
teve sonhos transfeitos em fumaças
Viu a palavra plenilúnio, lívida, nos céus.
Viu triunfos chegando. Viu troféus
Depois, plantou tílias no longo chão da viagem,
entrou na carruagem
e partiu.
E ninguém mais o viu.
Todos ignoram seu rumo ou paradeiro.
Na Estrela da Manhã? Na paz de algum mosteiro?
ou da brisa suave no rumor?
3.
Talvez agora
esteja a subir escadarias na aurora.
Ou a mandar para quem não o esqueceu
a clave de sol na lira de Orfeu.
Reiniciando o seu aprendizado,
escreve, nas estrelas, súplice recado.
E procura cantar, em serestas ciganas,
o cochilo outonal de tímidas pavanas.
4.
Setenta vezes sete foram seus temores
diante da paixão,
mas fez do poema alta habitação
ante a fúria infernal dos predadores.
Suas mãos, discretas,
salvaram barloventos e desviaram setas
que iriam atravessar o peito do albatroz.
Bem sei: sua palavra continua em nós.
E agora que se foi refazer-se sua ausência
vejo-o claramente em translúcida essência.
Sua alma, com a leveza dos algodovais,
conduzida vai por solfas provençais
e transfigura-se, ao fim, em vasto reflorir,
sobre a pedra sagrada de Abadir.
5.
Súbito, os Sete Arcanjos versos seus imploram
y blancas palomas en los cielos lloram
enquanto no Trono
o Verbo reconstrói o doce arfar do sono.
Tudo então se aquieta
no carrossel do tempo e na alma do Poeta.
E de fiéis e castas enseadas
partir as naves de Deus levando as madrugadas.
*
Página ampliada e republicada em março de 2023.
Página publicada em abril de 2010; ampliada e republicada em julho de 2017 |