ANTÔNIO GIRÃO BARROSO
(1914-1990)
Nasceu Antônio Girão Barroso em Araripe (CE) aos 6 de junho de 1914 e morreu, em Fortaleza (CE) em 1990. Realizou a poesia, o conto, a crítica, sendo jornalista e professor universitário - graduado em Direito, fez doutorado em Economia. Foi membro do Grupo Clã - movimento artístico que, nos anos 1940, sedimentou as conquistas modernistas no Ceará -, ao lado de Aluísio Medeiros, Artur Eduardo Benevides, Eduardo Campos, João Clímaco Bezerra e Moreira Campos, dentre outros.
“A obra literária de Antônio Girão Barroso está inserida no Modernismo e, ao longo de seu percurso, acompanha as evoluções que tal estética sofreu, tanto em relação a traços estilísticos quanto a elementos temáticos. Seus poemas revelam a ruptura com os formalismos anteriores ao modernismo e a busca do coloquialismo da fala brasileira; daí a valorização dos versos livres e brancos ou, então, a combinação de versos de metros variados.” Carlos Augusto Viana
AS TRÊS PESSOAS
Eram três pessoas distintas mas uma só, na verdade:
eu, o Floro e o Assis.
Três corpos numa lama só.
(O povo dizia que nós éramos
três amizades perfeitas
e meninos de futuro, sim senhor.)
Depois veio o tempo mau
o tempo que tudo leva
e levou o Floro pro céu.
O Assis ficou na terra.
Eu não sei onde fiquei.
ESTAÇÃO DE TREM
A Manoel Bandeira
Lá-e-vem o trem
lá-e-vem
com seu apito tão fino
vem danado pra chega
Pacatú-b-a-bá
Paratú-b-a-bá
Corre, menina
teu pai chegou
o trem das nove
não já apitou?
Banana seca é o pau que rola.
Lá-e-vem o trem
lá-e-vem
com seu apito tão fino
vem danado pra chegá
Pacatú-b-a-bá
Paratú-b-a-bá
Donde vem esse povo?
Vem do Ceará!
Pacatú-b-a-bá
Paratú-b-a-bá
Seu moço, me dê uma esmola
pelo santo amor de Deus...
esse cego tá fazendo verso?
O trem vinha puxando noventa
Ah trem espritado!
Um bando de colegiais
tão fazendo sururu na vila.
Tem um bebendo até cachaça
o Acarape é tão perto
cachaça é quase de graça
contudo ele já gastou seiscentos reis...
Fiu...
O trem partiu
Pacatuba sumiu.
(Mas que vontade de voltar...)
Pacatú-b-a-bá
De
POESIA CEARENSE DE HOJE
Fortaleza: Clube dos Poetas Cearenses, 1973
SONETO À LUA
A Arthur Eduardo Benevides
Lua Branca, como é terrível tua face
No céu escancarada, a se mostrar aos homens
Ó astro fluorescente, a espiar as mazelas
Surgidas cá em baixo, ao toque das espumas.
Mulher, ó dulçorosa, o mar te espelha tímida
Mente, corça da noite, ó tu, lua fremente
Que navegas ao léu, sem bússola nem norte
Lua branca, vergel, perdida nas alturas.
Continente de gelo, o sangue tu derramas
De virgens sem fanal, ao jeito das marés
Que sacodem o meu barco, a dois passos da terra
Não te deténs, ó lua, e indiferente estás
A brisa que se espalha, terna como carícia
ou aos ventos tão febris, que acordam as
[madrugadas.]
ENVOI
Vem cá erra o caminho
Te darei flores e chamar-te-ei bichinha
olha tendo um vagalume que te dou
E as imagens furtadas ao mistério
Dançarenga
A lua te busca
E os escolhos nus
Tu somente a única estrela
De repente num céu de abril
Se vieres ó mansa
Dormirei na Passárgada dos teus braços
da Obra – ANTOLOGIA DE POETAS
CEARENSE CONTEMPORANEOS
QUARTETOS
Como nos tempos d’antanho já dis: merci beaucoup
obrigada a ti, Poesia, mil vezes obrigado
porque posso carregar fantasmas a tiracolo
E dizer: eu tenho o mundo.
Na verdade, o tempo e a miséria eu tenho
e a mágoa de ter nascido ó minha mãe!
Quantas vezes, meu Deus, desci aos infernos
para tirar de lá apenas um poema e nada mais...
Nos pensamentos enormes
somente o voo do pássaro é que importa
mas eu bendigo a dor de ter sofrido
para colher a rosa da esperança, a tênue rosa
O poetas do romantismo
vós vos matáveis por amor
porém nós, poetas do modernismo,
temos amor e não nos matamos.
Se me perguntassem (quem ousaria?)
qual o maior poeta do mundo
o que sofreu na carne a dor da poesia
responderia apenas: infelizmente, eu!
Que dissolução nos sentidos
à hora morta do sono sem remédio.
O verso é como o acalanto
mas a criança não dorme há muitos anos...
E dormir é viver, é sonhar
e desperta quem há de achar
a palavra – a simples palavra
(Mulher) e o que engrandece?
Rev. Acad. Cear. Let. N° 35 – 1971
Página publicada em dezembro de 2008; ampliada em abril de 2010.
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